15/08/2022 - 5:00
Cresceu nos últimos meses o número de brasileiros que não conseguem levar para casa toda a comida que escolhe e coloca no carrinho do supermercado. O corte na compra ocorre na boca do caixa, quando o valor da conta passa do previsto. A saída tem sido abandonar desde itens básicos, como óleo de soja, até supérfluos, como refrigerantes.
Impulsionado pela alta de preços dos alimentos, o carrinho que fica nos caixas dos supermercados está cada vez mais cheio. Entre janeiro e junho deste ano, 4,997 milhões de itens foram abandonados. É um volume quase 16,5% maior que o do primeiro semestre de 2021, ou 704,9 mil itens a mais, revela pesquisa inédita feita, a pedido do Estadão, pela Nextop. A empresa atua há 25 anos com tecnologia de segurança do varejo.
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Por meio de inteligência artificial e de um grande banco de dados, foram extraídas informações autorizadas do movimento de caixa de 982 supermercados de médio e pequeno porte do País, que atendem a todas as faixas de renda e que juntos vendem R$ 5 bilhões.
Para chegar ao volume de produtos abandonados, Juliano Camargo, CEO e fundador da empresa, reuniu itens cancelados e produtos que o consumidor consultou o preço e desistiu.
“Um crescimento de 16,42% na quantidade de itens abandonados é altíssimo e reflete que muita gente deve estar tomando susto”, afirma Camargo. Apesar de não ter uma série longa de dados, ele acredita que as devoluções não teriam aumentado se a inflação de alimentos estivesse controlada.
Em julho, o IPCA teve deflação de -0,68%, por causa dos corte de impostos de combustíveis e eletricidade. Porém, os preços da comida se aceleraram e aumentaram 1,30%, ante avanço de 0,80% em junho. Em 12 meses, alimento subiu 14,72%, ante IPCA de 10,07%.
O economista Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), ressalta a clareza desse indicador. “O tamanho da pilha de produtos deixados no caixa é a medida concreta do tamanho da crise.” Ele diz que indicadores de inflação, renda e emprego têm dimensão abstrata.
SEM REFERÊNCIA
Além da falta de dinheiro, Felisoni acrescenta que a perda de referência de preços, provocada pela aceleração da inflação, e a pouca clareza da loja para passar a informação aos clientes podem contribuir para desistência da compra.
A Associação Brasileira de Supermercados não tem dados sobre devoluções. Marcio Milan, vice-presidente, diz que o resultado do estudo é um alerta para empresas e que eventualmente isso pode estar acontecendo em maior ou menor escala, dependendo do tipo de loja e da região. •
Um ranking dos dez produtos mais devolvidos pelos consumidores no caixa de supermercado no primeiro semestre deste ano indica que a alta de preços da comida é generalizada: atinge pobres e ricos, com itens básicos e supérfluos.
Quem lidera a lista é o refrigerante, aponta um estudo da Nextop, empresa especializada em tecnologia de segurança. Na sequência vem o leite, seguido pelo óleo de soja, cerveja e açúcar. Dos dez itens que mais sobraram na boca do caixa, quatro são básicos – leite, óleo de soja, açúcar e farinha de trigo – e seis não tão essenciais – refrigerante, cerveja, molhos, biscoitos, hambúrguer e bebida láctea.
Quatro produtos mais abandonados no caixa – leite, óleo, cerveja e biscoito – também constam entre os dez que registraram as maiores quedas nas quantidades vendidas no varejo de autosserviço no primeiro semestre deste ano em relação a igual período do ano passado, segundo um levantamento inédito feito, a pedido do Estadão, pela NielsenIQ, consultoria que monitora as vendas dos produtos nos supermercados.
A cerveja puxa a fila dos itens com maiores quedas de venda em volumes apurada pela consultoria, com -15,6%, seguida pelo leite (-13,7%), cortes de frango (-11,6%), café (8,5%), legumes (-8,2%), óleo (-7%), queijos (-6,5%), biscoitos (-5,1%), industrializados de carne (-2,8%) e cortes bovinos (-2,7%).
Não por acaso, vários desses produtos estão entre os que mais registram altas de preços nos últimos meses, como leite, café, óleo, carne, biscoito, por exemplo, segundo o IPCA, índice oficial de inflação.
A freada brusca do consumidor na reta final das compras provoca um efeito em cascata. O encalhe faz com que os supermercados comprem volumes menores da indústria e esfriem o ritmo de produção e atividade. “Hoje, o nível de estoques dos supermercados é o mais baixo dos últimos anos”, afirma Juliano Camargo, CEO da Nextop.
Na opinião de Marcio Milan, vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados, o setor está fazendo compras mais planejadas por conta dos níveis de inflação atingidos. “As negociações estão muito mais intensas, à procura sempre do menor preço.” Segundo ele, falta de algum produto é algo momentâneo e não há indicação de desestocagem.
MAIS TRABALHO
O movimento de devolução nas prateleiras de itens deixados pelo consumidor no caixa cresceu desde o mês passado numa loja da capital paulista onde Marcos Paulo da Silva Moura é subgerente. “Antes, eram no máximo dois carrinhos por período e agora são de três para cima.” Entre os itens que mais retornam às prateleiras estão carne e os supérfluos, como biscoitos, frios e laticínios. Estes últimos voltam imediatamente para a geladeira para evitar perdas. O maior ritmo de devolução aumenta a carga de trabalho do pessoal de loja.
A aposentada Maria do Carmo Azevedo, de 63 anos, que ganha um salário mínimo e faz bico como diarista, por exemplo, já deixou produto no caixa várias vezes. Com um pacote de pão na mão e outro de mandioquinha e abóbora – ingredientes para preparar a sopa -, na última quarta-feira ela conferia o preço do biscoito, que, segundo ela, subiu de R$ 3 para 6,98, e fazia contas. “Se passar de R$ 30 vou ter de tirar alguma coisa, porque amanhã tem de comprar pão de novo.”
Maria do Carmo conta que ficou muito constrangida nas ocasiões em que teve de devolver produtos na boca do caixa. “Já aconteceu isso algumas vezes por eu ter feito conta errada e também por me surpreender com os preços: hoje é um e amanhã é outro.”
Já a consumidora Juliana Gomes Rosa, de 35 anos, casada e mãe de dois filhos, que trabalha no mercado financeiro, nunca teve de devolver produto no caixa. Mas a seleção é feita antes. “Tenho deixado de escolher coisas que gostaria de comprar”, conta.
De seis meses para cá, Juliana sentiu uma diferença muito grande nos preços e no gasto da compra do mês. Até pouco tempo desembolsava, em média, R$ 1,5 mil. Hoje gasta um pouco mais de R$ 2 mil, mesmo tendo reduzido a compra de itens não essenciais, como chocolates e laticínios, e cortado quantidades de básicos, como açúcar. “O nosso poder de compra não aumentou e os preços estão um absurdo.”
Ela explica que o aumento da inflação levou à perda de referência de preços de vários produtos, como leite, café, ovos, óleo, azeite, por exemplo. Juliana diz que ela, como todos os brasileiros, está tentando viver um dia após o outro para não ficar ansiosa e ter reflexos em outras áreas da vida. “Toda essa situação não impacta só as compras: é a viagem, a escola. Tudo isso a gente tira para poder se alimentar.”