17/03/2019 - 13:35
O império das marcas “talebans” ficou para trás no Brasil. Isso porque, no caso dos equipamentos de tecnologia, um aparelho de boa qualidade, que tenha assistência técnica, não é apenas sonho de consumo. Com a emergência da economia compartilhada, o celular de último tipo pode ser também um instrumento de geração de renda. É um movimento que as duas líderes em smartphones no País – a Samsung e a Motorola, que concentram 78% das vendas no País – já perceberam.
“As marcas menores não tinham suporte ao cliente. Então, o que a pessoa podia fazer? A única alternativa era jogar fora”, resume Juliana Pereira Mott, diretora de marketing da Motorola Brasil. Para o cliente que não quer arriscar ficar na mão, mas não pode arcar com os custos de um produto topo de linha, a fabricante que pertence à chinesa Lenovo lançou linhas como Moto E e Moto G, que podem custar menos de R$ 1 mil. “Esse consumidor está mais empoderado. Então, é preciso entender para quais atividades ele usa o celular.”
De acordo com Loredana Sarcinella, diretora sênior de marketing da Samsung, o consumidor da classe C conhece melhor as últimas tecnologias do que os dos estratos de renda mais alta. “Eles são os que conhecem e pesquisam mais sobre os aparelhos, para garantir que o dinheiro que estão investindo valerá a pena”, diz a executiva. E a orientação mais recente tem sido comprar aparelhos um pouco mais caros, tanto que o preço médio por unidade vendida passa de R$ 1 mil.”
Pesquisa
O consumidor que está em busca de eletrodomésticos ou aparelhos de tecnologia está disposto a gastar a sola de sapato para fazer o melhor negócio. É um percurso que a técnica em enfermagem Charleane Macedo, de 33 anos, faz neste momento. Grávida e prestes a se casar, ela está mobiliando sua casa no momento.
Demitida em maio do ano passado por causa de um corte de custos na empresa onde trabalhava, Charleane hoje faz trabalhos esporádicos como fotógrafa de eventos. E conta que fez uma espécie de “ajuste fiscal” – hoje, guarda tudo o que ganha com os bicos em festas para os eletrodomésticos da casa nova. O futuro marido, que trabalha como auxiliar de produção em uma fábrica, arca com as contas do dia a dia.
Apesar do orçamento limitado, Charleane vai comprar, de uma só vez, geladeira, máquina de lavar e micro-ondas. “Estou pesquisando os preços pela internet antes de fechar negócio.”
Algumas empresas, no entanto, ainda veem a disposição para a retomada do consumo com cautela. É o caso da Whirlpool (dona das marcas Brastemp, Consul e Kitchen Aid). João Carlos Brega, presidente da companhia na América Latina, vê nas vendas atuais mais um movimento de reposição de produtos de linha branca do que uma compra planejada.
Cauteloso, o executivo acredita que só vai ser possível sentir a reação da economia a partir do terceiro trimestre. A retomada, segundo ele, depende da condução das reformas, sobretudo da Previdência. “Com a taxa de desemprego alta, as vendas de bens duráveis sofrem”, disse. “A compra planejada de produtos de linha branca virá a partir de dados concretos de retomada da economia”
‘Prefiro viajar’
Decifrar os desejos da classe C ficou mais difícil à medida que o deslumbramento com o consumo ficou para trás. A lista de compras da classe média – um grupo heterogêneo, cuja renda familiar pode variar de pouco mais de R$ 2 mil a quase R$ 7 mil, segundo o Instituto Locomotiva – está mais variada. No topo do sonhos de consumo de Elizabete Souza Costa, dona de casa de 36 anos que vive em Guarulhos, estão viagens e não produtos: “Não gosto muito de comprar, prefiro viajar.”
Viagens para destinos nacionais, aliás, aparecem no topo da lista de prioridades de intenção de consumo da classe C para 2019 – o item foi citado por 58% dos mais de 2 mil entrevistados. Esse objetivo é seguido por reforma da casa (45%), móveis (43%) e smartphones (30%). Segundo o instituto, são necessidades que ficaram represadas desde 2015 e que a classe média está ávida por satisfazer.
Elizabete, que calcula sua renda familiar em R$ 4 mil, está hoje em meio a uma obra, realizada em um terreno que comporta três casas de membros de sua família estendida. Para terminar a casa onde mora com o marido e dois filhos, Elizabete e o marido recrutaram o cunhado, que veio da Bahia para trabalhar como pedreiro. “A gente vai pagar um pouco para ele, mas não vai custar tanto quanto contratar alguém daqui”, explica.
Enquanto supervisiona a obra, ela procura um novo emprego. Elizabete deixou o trabalho de cozinheira em dezembro para viajar por dois meses à Bahia, onde foi resolver questões de família e acertar a venda de um terreno.
Parte do dinheiro que vai embolsar com o negócio vai ser usado na obra. Elizabete quer reservar uma parte para fazer uma reserva para que os filhos, hoje com 15 e 13 anos, possam cursar faculdade. “É importante incentivar o estudo”, diz.
Melhor do que antes
Embora ciente das dificuldades da economia, os brasileiros da classe C dizem que houve evolução das condições financeiras nos últimos dez anos. O levantamento do Instituto Locomotiva mostra que 77% das pessoas consideram que a situação melhorou; para 38%, melhorou muito.
O baiano Valdevino Alves, de 44 anos, chegou a São Paulo nos anos 1990 – uma “época bem mais difícil”, lembra. Pai de três filhos, ele decidiu montar o próprio negócio recentemente. Ex-repositor de loja, Valdevino começou a vender pen drives e filmes piratas em sua própria barraca no Largo 13, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.
Aposentado por invalidez, ele diz que a atividade no Largo 13 é temporária. Ele trabalha para bater duas metas: dar entrada na casa própria e abrir seu próprio salão de cabeleireiro.
Com ensino fundamental incompleto, Valdevino também pretende fazer supletivo. “Não tive oportunidade de concluir os estudos, mas pretendo correr atrás”, diz. E não tem planos de deixar a capital paulista: “Cheguei a voltar para Vitória da Conquista, mas é aqui em São Paulo que encontrei mais oportunidade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.