20/08/2003 - 7:00
DINHEIRO ? Quando vamos ver o espetáculo do crescimento anunciado pelo presidente Lula?
GERALDO CARBONE ? Qualificações à parte, se é espetacular ou não, veremos alguma recuperação no segundo semestre. O crescimento será puxado pelo consumo e, um pouco, pelas exportações. A safra de reajustes salariais do segundo semestre
deve injetar um pouco mais de renda no bolso do trabalhador.
Além disso, é certo que os juros caiam, a dúvida é a velocidade. Nossas projeções são de que em dezembro os juros estejam em 21% ao ano. Acreditamos que o crescimento em 2003 será de 1,5% e, em 2004, de 3% a 3,5%.
DINHEIRO ? O Brasil vai voltar a crescer?
CARBONE ? Mesmo nos piores momentos, o Brasil tem conseguido um crescimento moderado, de 2% a 3,5% ao ano ? com exceção da década de 80 e início dos anos 90. Dá para imaginar que podemos pelo menos repetir essa média. A dificuldade está em saber
qual é o novo modelo de crescimento que levará o País a se desenvolver mais rápido.
DINHEIRO ? Por quê?
CARBONE ? Nos anos 60 e 70, o crescimento foi puxado pela substituição de importações. O Brasil parou na década de 80. Naquela época, o crescimento saiu da agenda e deu lugar aos temas políticos. Já a década de 90 foi pautada por reformas necessárias para criar as bases para o crescimento, como a abertura comercial, a privatização e o controle da inflação. Depois de completar essa lição de casa, é hora de discutir a agenda de crescimento.
DINHEIRO ? Qual o novo modelo?
CARBONE ? Ainda não está claro. A exportação é um caminho, ainda mais para um país com o potencial industrial do Brasil. Mas para que isso ocorra é preciso definir produtos e mercados prioritários. Também é preciso fazer investimentos em infra-estrutura, para dotar o País de competitividade internacional. Sem contar o fato de o Brasil ter uma das mais altas cargas tributárias do mundo.
DINHEIRO ? Na campanha eleitoral, havia quase um consenso
que o novo modelo de crescimento seria exportador. Por que isso não ocorreu?
CARBONE ? Estamos trabalhando para baixar os impostos de alguns produtos exportados, está na pauta do governo e da reforma tributária. Mas é preciso ir além. Não dá para um país com a dimensão do Brasil não ter pólos de produção e competência definidos. Precisamos mapear o que podemos fazer em grande escala e concentrar investimentos nesses produtos. Além disso, precisamos de uma definição mais clara sobre o destino prioritário das exportações. Estamos no meio de importantes negociações comerciais com todos os parceiros possíveis. Na hora em que se definirem os acordos, saberemos onde poderemos ser mais competitivos.
DINHEIRO ? Fala-se pouco em medidas para favorecer as vendas externas e o dólar caiu muito. As exportações deixaram de ser prioridade para o governo?
CARBONE ? O início do governo foi avassalador: apareceram
medidas de desoneração fiscal da exportação, discutiu-se a
infra-estrutura portuária e o transporte dos produtos. Mas nos
últimos três meses, o debate voltou para temas de curto prazo,
como a taxa de juros. Talvez seja uma característica brasileira
relaxar um pouco depois que o superávit comercial sobe. O assunto sumiu da mídia. Na mesma época, houve apreciação do real, um pouco revertida nos últimos dias. Há a percepção de alguns setores da indústria de que os sinais são de que as exportações não são tão relevantes como se imaginava.
DINHEIRO ? A política cambial não deveria mudar para favorecer as exportações?
CARBONE ? O governo diz que não é ele quem determina a cotação do dólar. Mas, ao mesmo tempo, os empresários olham para o câmbio como um sinal da autoridade econômica para o comércio exterior. Do ponto de vista técnico não parece válido, mas é importante que o governo preste atenção sobre como o setor privado vê a alta do real.
DINHEIRO ? Os resultados da balança comercial vão piorar?
CARBONE ? O resultado da balança comercial do ano que vem deve ser menor do que o de 2003. Apesar de o governo manter seu compromisso com as exportações, o nível de câmbio real é diferente do que vigorou no ano passado. Além disso, prevê-se um crescimento econômico maior em 2004 do que em 2003, o que tende a pressionar um pouco mais as importações e também o consumo interno.
DINHEIRO ? Os juros dos bancos são altos no País?
CARBONE ? Falar de juros de banco é quase igual a falar de temperatura. Temos uma variedade enorme de gradações. Em alguns produtos financeiros, como o crédito à exportação, o spread (taxa cobrada pelos bancos) é igual ao de outros países. Mas se olhar a fotografia geral, as taxas são mais altas aqui do que no exterior. As razões são conhecidas: dificuldade em receber garantias em caso de falência, incerteza jurídica, custos elevados pelo uso das agências para serviços públicos e alta carga de impostos.
DINHEIRO ? O ganho dos bancos no Brasil é exagerado?
CARBONE ? Acho que não. O instrumento mais usado para medir os resultados de empresas é a rentabilidade patrimonial. Se olharmos por esse critério, há vários setores com rentabilidade até maior do que a dos bancos. E sem correr os riscos típicos da atividade financeira. Setores como o químico, bebidas, mineração apresentaram rentabilidades elevadas nos últimos anos. O segundo fator importante é que a própria natureza do setor bancário, como intermediário financeiro, permite que apareçam bons resultados mesmo quando a economia não vai tão bem.
DINHEIRO ? Muitos dizem que é errado os bancos ganharem tanto enquanto o resto da economia vai mal…
CARBONE ? A sociedade terá que refletir. Dois setores vão bem
hoje na economia. Um é o financeiro, está capitalizado, tem segurança total, não há ameaça ao País como chegou a ser em meados da década de 90. O outro é o agrícola. Acho importante
não cair na tentação de destruir quem vai bem. O setor agrícola cresce, exporta e emprega, mas está ameaçado pelas invasões. E o fato de o setor financeiro estar capitalizado, andando bem, não deve ser visto como mau sinal. Desestabilizar quem está bem não ajuda a colocar o País nos trilhos.
DINHEIRO ? O BC deve baixar rápido a taxa de juros?
CARBONE ? Se considerar a atividade econômica e a inflação, há espaço para uma grande redução. O nível de atividade e a inflação caiu muito nas últimas semanas. Mas há outra questão. No segundo semestre, ocorrem os dissídios salariais de categorias como a dos químicos e a dos bancários. Temos de ver se há ameaça de repasse da inflação aos salários e preços. Se o BC achar que o risco é alto, será mais conservador.
DINHEIRO ? O governo exagerou no tranco na economia?
CARBONE ? Sempre é mais fácil criticar a dose a posteriori. É
preciso levar em conta que o governo herdou uma situação difícil. A política monetária no segundo semestre do ano passado foi um
tanto permissiva. Acomodou uma pressão latente nos preços, quando devia ter subido os juros. Essa pressão acabou forçando o novo governo a dar um tranco na atividade econômica. O governo subiu os juros e fez um duríssimo aperto fiscal. Surtiu efeito. Com a queda
da atividade econômica, os preços recuaram. Se ao menor custo ou não, só o tempo dirá.
DINHEIRO ? Em que medida a política de Henrique Meirelles no BC é diferente da de seu antecessor, Armínio Fraga?
CARBONE ? Independentemente do estilo pessoal, o mais relevante é o modelo institucional do BC. O modelo atual não é diferente do governo anterior: o objetivo é administrar a taxa de inflação, dentro de um regime de metas, e com câmbio flutuante. Enquanto não se mudar de modelo, dificilmente a pessoa que senta na cadeira do presidente do BC agirá de forma muito diferente.
DINHEIRO ? Qual a sua avaliação da reforma da Previdência?
CARBONE ? Já se esperava que a reforma seria aprovada, não se sabia em que termos. O projeto que passou é um avanço extraordinário em relação ao que temos. Superada essa etapa, o próximo passo é discutir a privatização da Previdência.
DINHEIRO ? Como assim?
CARBONE ? Até agora, a discussão era fiscal, sobre a falta de equilíbrio entre a entrada e saída de recursos. Agora precisamos discutir como usar os recursos de longo prazo para financiar o crescimento. Não dá para fazer como a Argentina ou o Chile, onde se privatizou 100% do sistema. A Previdência atual ficaria sem entrada de recursos e não agüentaria.
DINHEIRO ? O que deveria ser feito?
CARBONE ? Precisamos discutir mecanismos para direcionar as contribuições que superem o teto da previdência pública para fundos privados. Como em outros países, os recursos que as pessoas economizam para suas aposentadorias poderiam ser usados pelos fundos privados para comprar títulos e ações de empresas e financiar o crescimento da economia brasileira.
DINHEIRO ? Por que o mercado financeiro ficou tão nervoso nos últimos dias?
CARBONE ? Não houve tanto nervosismo. O que aconteceu foi uma mudança no cenário internacional acompanhado de alguma tensão no Brasil, além de uma boataria infundada. Nos últimos dias, os investimentos em títulos da dívida americana se tornaram mais atrativos. Por isso, muitos investidores tiraram os recursos de países emergentes como o Brasil e transferiram para os EUA. Já no Brasil, as invasões de terras preocupam os investidores.
DINHEIRO ? Por quê?
CARBONE ? Sempre que eventos como esses se alastram ou são permitidos, quem não acompanha a cena brasileira de perto fica com uma imagem de que há alguma desorganização institucional no País. Revela também nível de tensão social elevado. É sinal que algo não vai bem do ponto de vista econômico e institucional.
DINHEIRO ? E como se pode superar essa tensão social?
CARBONE ? Só tem uma coisa: é preciso discutir uma agenda de crescimento para o País. Questão de crescimento não tem
nada a ver com baixar os juros ou aumentar crédito no curto prazo para elevar o PIB de 2,5% para 4,0%. Isso não é crescimento, é bolha. Precisamos sair dessa irritante discussão ?curto-prazista? sobre taxa de juros e câmbio.