28/08/2019 - 7:43
Depois de 40 anos, a Lei da Anistia vive o momento de menor contestação. Além da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2010, que decidiu por sua constitucionalidade, a atual correlação das forças políticas no governo de Jair Bolsonaro (PSL) afasta a possibilidade de sua revisão. Militares e opositores da ditadura ainda consideram as feridas do período abertas – torturas, mortes e desaparecimentos -, mas não enxergam espaço, na Justiça ou no Parlamento, para qualquer mudança na legislação.
Parte do pacto feito pelos militares e pelos civis para garantir a abertura, a Lei 6.683/1979 considerou anistiados todos os delitos políticos e os chamados crimes conexos cometidos entre 1961 e 1979. Excluíam-se da anistia os condenados por terrorismo, sequestro e atentados, que mais tarde teriam as penas reformadas e, por fim, seriam anistiados com a Emenda à Constituição número 26, em 1985, que também convocou a Assembleia Constituinte.
Pretendida pelo governo do general João Figueiredo e promulgada em 28 de agosto de 1979, a lei foi a 34.ª anistia concedida desde a fundação da República. Buscava-se, segundo os militares, pacificar e reconciliar o País. Após dez anos de exílio, o jornalista Fernando Gabeira desembarcou então no Rio. Houve festa. “A favor da pacificação está o tempo. Com ele, discutir a anistia fica fora do lugar, pois a polarização de 1964 não existe mais. A guerra fria acabou; só existe na visão de radicais.”
Para Gabeira, o pacto da transição é intocável. “Como fato da realidade política e como produto da atual correlação de forças, com a eleição de Bolsonaro, o tema não deve ser reaberto.” Ele diz que festejara à época a anistia e não vê por que, uma vez mudada a correlação de forças, mudar de opinião. “Mas respeito quem desejava rever a lei.”
A consolidação da lei é defendida também por um dos parlamentares que a votaram no Congresso, o então senador Pedro Simon (MDB-RS). “O MDB tinha o seu projeto de anistia. E o governo, o seu”, conta o senador, que foi a Nova York com o senador Tancredo Neves (MDB-MG) negociar o apoio do ex-governador Leonel Brizola para o projeto. “Mas o Brizola defendeu o projeto do governo, pois temia que o nosso não atendesse aos exilados.”
No Brasil, a luta pela anistia tinha aliados como o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), a ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). No governo, o projeto era conduzido pelo senador Petrônio Portela e pelo general Golbery do Couto e Silva. Havia resistências ao projeto do governo no MDB, conta o então deputado federal Miro Teixeira (MDB-RJ): “A discussão continuou no partido até que o Teotônio Vilela (senador por Alagoas) disse: ‘A lei é essa ou não teremos anistia’.”
A votação na Câmara foi apertada. A oposição e dissidentes da Arena ainda tentaram aprovar um substitutivo, que garantia uma anistia ampla irrestrita, mas a proposta acabou derrotada por cinco votos (201 a 206). Para Simon, a lei “deu um sentido de normalidade à vida pública brasileira, abrindo caminho até para a legalização dos partidos comunistas nos anos 1980.” Para Miro, não há um ponto final com a lei. “As feridas da tortura nunca cicatrizarão para quem foi torturado.”
São essas feridas que levam o senador Major Olimpio (PSL-SP) considerar que se está longo de uma pacificação. “O presidente Figueiredo quis uma anistia para os dois lados. Esse gesto, até mal interpretado, foi salutar.” Na época, Olimpio era cadete da PM de São Paulo. “Não me esqueço, porém, que o capitão Carlos Lamarca matou o tenente Alberto Mendes Júnior.”
Quem também não esquece é o ex-deputado Marcos Tito (MDB-MG), que teve o mandato cassado em 1977 com base no AI-5. Ele estava entre os anistiados. “A anistia não reparou e todas as demais perseguições.”
Em dois momentos a lei foi contestada. A primeira vez, quando se tentou aprovar na Constituinte que o crime de tortura era imprescritível – a esquerda foi derrotada pelo Centrão. Depois, quando o STF analisou se a lei estava de acordo com a Constituição de 1988, a Corte decidiu por 7 votos a 2 que a lei tinha validade. “A lei marcou o fim da ditadura. Sabemos que ela dificilmente vai mudar. Mas, se a Justiça está bloqueada, isso não impede que a luta se faça em defesa da memória dos que combateram a ditadura”, afirmou o secretário de Direitos Humanos do PT e ex-preso político, Adriano Diogo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.