02/07/2017 - 8:34
Aos 12 anos, Thaís López, filha de bolivianos, dá aulas de espanhol para 30 alunos na escola municipal Infante Dom Henrique, no Canindé, região central de São Paulo. A menina teve a ideia de ensinar o idioma que aprendeu em casa para se aproximar dos colegas e tentar acabar com os “grupinhos” que se formam de acordo com a descendência de cada um.
“Desde que entrei na escola (no 1.º ano do ensino fundamental), me sentia excluída e só tinha amigas que nasceram na Bolívia ou são filhas de bolivianos. Os outros alunos nos deixavam isolados e nos chamavam de ‘bolivas’ de uma forma muito ruim”, diz Thaís. A escola tem um dos maiores porcentuais de alunos imigrantes da rede municipal – cerca de 20% dos estudantes são imigrantes ou filhos de pais que acabaram de chegar ao País. Em toda a rede, eles são 0,4% do total de quase 997 mil.
A proposta de Thaís foi bem recebida pelos colegas e o curso já tem quase 70 outros alunos na lista de espera. Mas o interesse pela língua e a vontade dos brasileiros de se aproximar dos imigrantes só aconteceu depois que a escola decidiu fazer um trabalho com todos os estudantes para reduzir o preconceito.
“Apesar de ficar numa região com uma comunidade boliviana muito forte, a escola não tinha um projeto contra a discriminação. Os alunos estrangeiros eram muito estigmatizados, sofriam ameaças, eram xingados, chegavam até a pagar ‘pedágio’ ou coagidos a fazer coisas erradas para não apanharem”, conta Cláudio da Silva Neto, diretor da escola. Ele chegou à direção em 2011 e montou com alunos, professores e pais um novo projeto pedagógico para a unidade, que tinha muitos problemas com violência.
Uma das mudanças promovidas na escola foi a de valorizar a cultura dos estrangeiros e conscientizar professores e alunos sobre os motivos da migração e as condições que eles encontravam ao chegar no Brasil. “Das provocações que faziam sobre o trabalho escravo dos bolivianos e de que eles vinham para roubar emprego, os brasileiros passaram a entender a realidade daquelas famílias e começaram a ter admiração pelos estrangeiros e por terem outra cultura”, conta Silva Neto.
Thaís também sentiu a mudança no comportamento do colégio e percebeu que eles passaram a ter curiosidade quando viam os bolivianos conversando em espanhol. “Com esses meses de aula, já dá até pra gente ter algumas conversas curtas em espanhol”, diz a menina que deseja ser advogada para ajudar outros imigrantes no País.
Formação. A escola do Canindé é uma das 43 da rede municipal em que professores passaram, em 2016, por uma formação pela ONG Repórter Brasil para combater o trabalho escravo. “Nossa ideia era trabalhar na prevenção e evitar que esse tipo de condição de trabalho acontecesse. O que encontramos foram casos de xenofobia em algumas escolas e a dificuldade dos professores em lidar com eles por falta de preparo”, contou Natália Suzuki, coordenadora do projeto.
A escola, diz ela, é um dos pontos de maior conexão entre os imigrantes e a comunidade local. Por isso, um olhar cuidadoso para a criança pode indicar problemas da família. “O professor descobre que o aluno, que chegava sujo ou tinha dificuldade de aprendizado, não vinha de uma família relapsa, mas que vive em situação de pobreza ou de abuso.” Com o trabalho de valorização do migrante, Silva Neto conta que já teve casos de pais que pediram para que o filho fosse reprovado e ficasse mais um ano na escola – que só tem turmas até 0 9.º ano. “Era uma família síria que tinha medo de a menina perder a confiança e o que aprendeu aqui por ter de ir para outro colégio.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.