02/09/2020 - 17:06
Olhando o copo meio cheio, podemos dizer que crises impulsionam a inovação e a busca por novos patamares de eficiência operacional. Neste momento, a aceleração da transformação digital já é visível em diversos campos e seus aspectos mais óbvios vêm no oferecimento de serviços como as compras online, entregas de comida por delivery, etc.
Entretanto, essas são apenas algumas evidências de transformações bem mais profundas que estão por vir. A maneira como os negócios operam em todo o mundo será, fundamentalmente, alterada em prol da já citada eficiência operacional. Nesse contexto, uma ferramenta que há anos tem passado ao largo de evoluções tecnológicas tende a ganhar mais o centro do palco: o contrato.
Poucas pessoas têm total consciência de que os contratos governam as empresas. Eles são os instrumentos pelos quais elas se vinculam com clientes, fornecedores, empregados e parceiros. Controlam, portanto, direitos e obrigações que afetam diretamente receitas e despesas. Não importa que sejam físicos, eletrônicos ou até informais, os contratos são peças-chave para tornar uma empresa mais eficiente.
Alguns números dão a magnitude de seu impacto. Segundo estudo do Goldman Sachs, de 10% a 30% dos custos operacionais poderiam ser reduzidos por meio de uma melhor gestão contratual. De acordo com a International Association for Contract & Commercial Management (IACCM), até 9,2% da receita anual é perdida por falta de gestão dos contratos. E ainda estamos arranhando a superfície desse problema. Como os contratos permeiam toda a empresa, eles repercutem em múltiplos campos, como na velocidade em se fechar novos negócios, na alocação de riscos e na previsibilidade de receita.
Por que as empresas falham em extrair o melhor dos seus contratos? Em primeiro lugar, é preciso destacar que a grande maioria das empresas cuida dos seus contratos como se estivesse nos anos 90, utilizando o combo word, e-mail e excel como parâmetro de atuação.
O resultado é que todo o processo de criação, negociação e revisão é feito de forma lenta, sem controle e geração de inteligência. A gestão também vai na mesma linha, com poucos dados e mecanismos inteligentes de controle. Essa atuação arcaica traz consequências graves, que poderiam ser evitadas com soluções mais modernas e específicas.
Na mesma linha, também é preciso repensar a lógica que permeia a contratação. A ideia é ir além das discussões sobre preço e prazo, adotando estratégias que sejam capazes de alinhar melhor os interesses. Nesse sentido, um dos métodos mais eficientes é definir recompensas e penalidades específicas por atingir ou falhar em atingir determinados níveis de desempenho.
Um exemplo simples desse modelo é o contrato firmado entre os aplicativos de transporte e seus motoristas. A qualidade das corridas é algo essencial para a sobrevivência do aplicativo e garantir isso apenas por meio de monitoramento e treinamento teria um custo impeditivo. A solução é criar o sistema de avaliação pelos próprios usuários, definindo uma penalidade clara (se a pontuação abaixar demais, será expulso do aplicativo) e também uma recompensa (notas altas garantem mais corridas e outros benefícios). Todos que utilizam o serviço percebem que a maioria dos motoristas desenvolve uma preocupação contínua em serem bem avaliados.
Em suma, os contratos continuam como um dos últimos redutos nas empresas nos quais a tecnologia e gestão estratégica ainda não entraram de forma efetiva. Em um mundo que caminha a passos largos em direção à transformação digital, no qual as mínimas ineficiências devem ser localizadas e corrigidas, os contratos têm um impacto grande demais para serem deixados de lado.
*Flávio Ribeiro é advogado formado pela UFMG e doutor em Direito Comercial pela USP e CEO da netLex, empresa que possui uma plataforma especializada na automatização e gestão de documentos e contratos.