A partir de 2010, a coreana Samsung começou a tomar de assalto o mercado de smartphones com uma fórmula mágica: vender aparelhos em diversas faixas de preços, dos mais baratos aos top de linha. À frente da Apple, o seu cofundador Steve Jobs optou por não seguir essa tendência e manteve seu portfólio enxuto. A decisão é exemplo clássico da postura de Jobs, morto em 2011. “Os consumidores não sabem o que querem”, gostava de dizer ele, que sempre se negou a replicar a concorrência. Mas alguns dogmas sagrados da era Jobs estão sendo colocados à prova por Tim Cook, que o sucedeu no comando da Apple, após sua morte.

Até agora, está dando certo. Uma prova disso é o lucro recorde de US$ 18 bilhões em seu quarto trimestre fiscal, divulgado na terça-feira 27. É o maior da história do capitalismo, superando os US$ 15,9 bilhões da petroleira Exxonmobil, obtidos no segundo trimestre de 2011. O desempenho foi anabolizado pelas vendas de iPhones 6, que colocaram a Apple na era dos smartphones de telas gigantes (acima de cinco polegadas), popularizados pelas fabricantes asiáticas e europeias. No período, foram vendidos 74,5 milhões de iPhones, a maior parte deles de smartphones grandalhões que Cook colocou no mercado.

“Hoje a Apple é uma empresa diferente da que era liderada por Jobs”, afirma Charles King, analista da consultoria americana Pund IT. Os investidores reagiram com euforia ao resultado da Apple. O valor de mercado da empresa chegou a se aproximar de seu recorde de US$ 700 bilhões. Mas Wall Street festeja com uma mão e cobra com a outra. Os analistas querem agora saber como a Apple vai superar a si própria e ficaram preocupados com a dependência do iPhone. Os celulares inteligentes foram responsáveis por 69% do faturamento de US$ 74 bilhões do quarto trimestre.

“Depender muito de um produto não é interessante para nenhuma empresa”, afirma Roger Kay, fundador da consultoria Endpoint Technologies Associates. Nesse caso, parece não restar alternativa a Cook a não ser imitar Jobs e tirar da cartola um novo produto de sucesso, que seja a próxima grande sacada da Apple – e uma fonte crescente de receita. Há algumas apostas a caminho. O relógio inteligente Apple Watch chega ao mercado em abril. O meio de pagamento Apple Pay, que transforma o celular em um cartão de crédito, começa a ganhar seu momento. Se derem certo, Cook pode impor seu estilo sem a pressão de acionistas e investidores.