Cidade na beira do Rio Amazonas não tem estrutura para ser palco de um megaevento como a Conferência do Clima. Mais uma vez, o simbolismo vence.Uma Conferência da ONU sobre o Clima (COP) no meio da maior floresta do mundo, a Amazônia: eis uma aposta espetacular feita pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Cheia de simbolismo, não deixa, porém, de ser uma aposta arriscada. Afinal, organizar um evento desta magnitude e importância numa cidade amazônica tem seus riscos.

Ainda me lembro da conferência Rio+20 em 2012, que celebrava os 20 anos da primeira conferência do clima, a “Cúpula da Terra” ou Rio 92. O Rio de Janeiro teve – e tem – uma estrutura boa para grandes eventos, mas um megaevento como uma conferência global coloca até a Cidade Maravilhosa no limite. Tanto quando se fala da capacidade hoteleira quanto da capacidade de organizar o trânsito.

Vimos que eventos como a cúpula do Brics ou a do G20 exigiram o fechamento de partes da cidade para garantir a locomoção das delegações.

Mas uma COP ainda é mais complexa. O número de delegações é bem maior, vindas do mundo inteiro, além de ONGs, cientistas, uma grande quantidade de jornalistas e um aparato de segurança enorme. E é um evento longo: serão duas semanas, pelo menos. Sem um acordo nesse período, essas conferências podem se prolongar até chegar num consenso.

Ausências podem ser um desastre

Claro que Belém já promoveu eventos grandes. Eu me lembro de eventos em Belém, como o Fórum Social Mundial de 2009. Havia muita gente, mas uma galera jovem que acampava ou ficava nos barcos, que viraram pousadas flutuantes.

E quando o Círio de Nazaré traz centenas de milhares ou até milhões de pessoas até a cidade, o esquema é esse: acampar, dormir num barco ou improvisar em alojamentos em escolas ou casa de amigo.

Agora com o mundo inteiro indo para Belém, muita gente de lá vê a chance de faturar alto. A novela dos preços altos para a hospedagem já ganhou muitas manchetes na imprensa brasileira e estrangeira. Além das reclamações, principalmente de países pobres que não têm orçamento suficiente para bancar suas delegações por duas semanas em Belém.

Mas são estes países que mais têm interesse em estar presente e exigir ações concretas das nações ricas. Para o governo Lula, que desfila como porta-voz dos países pobres, a ausência justamente deles seria um desastre.

Aposta arriscada

Para Lula, o simbolismo conta: uma COP dentro da floresta, onde as mudanças climáticas são visíveis e sentidas através de temperaturas cada vez mais elevadas. Mas, diga se de passagem, é mais fácil encontrar ambientalistas em São Paulo e Brasília do que na própria Amazônia. O norte brasileiro tem sido um reduto forte da oposição, da direita bolsonarista, do agronegócio, do neopentecostalismo e do militarismo.

E vemos cada vez mais o tráfico internacional de drogas tomando conta da região, num movimento de mexicanização que avança pelo norte e nordeste do país. Por outro lado, é uma região onde milhões de pessoas tentam encontrar modos para sobreviver, para sustentar a família.

É fácil filosofar sobre a beleza natural e a importância da biodiversidade quando você não vive naquele lugar; difícil é fazer sua vida lá. É óbvio que políticos vislumbram um futuro no qual a exploração das riquezas naturais significa um passaporte para um futuro melhor.

Essa tem sido a posição majoritária do PT desde os governos Lula 1 e 2, de Dilma Rousseff (veja Belo Monte) e agora de Lula 3. É ele que quer explorar os campos de petróleo e gás no litoral norte. Assim, a COP no meio da selva pode se transformar em um puro show “para ambientalista ver”. Ou ainda mais grave: um evento esvaziado pelos preços altos e problemas logísticos. É uma aposta arriscada de Lula.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.