13/08/2023 - 10:40
“Alô, é do Copa?”
Essa é uma das perguntas que a hoteleira Mariana Sousa mais ouviu no período que trabalhou no Copacabana Palace. E, nessa mesma época não houve frase mais repetida por ela do que “Belmond Copacabana Palace, Mariana, bom dia, como posso ajudar?”. Ela é uma das pessoas que ajudaram a escrever a história do hotel mais famoso do Brasil e que completa 100 anos neste domingo (13).
Mariana trabalhava no chamado guest service, em tradução livre, serviço de hóspedes. Eram de 100 a 200 ligações por dia. “A maioria era de pessoas querendo saber quanto custava uma noite, porque o Copa está no imaginário das pessoas, é o símbolo máximo de luxo e sofisticação para os brasileiros. Você pensa no Copacabana Palace, pensa em luxo ostentação. É uma coisa que geralmente não faz parte da maioria da vida dos cariocas ou da maioria dos brasileiros”, diz.
Localizado à beira da praia que é um dos ícones do Rio de Janeiro, o Copacabana Palace, com 239 quartos e suítes, além de uma fachada imponente, é difícil de não ser notado.
Para Mariana, como estudante de hotelaria na Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhar no hotel era a chance de ter experiências únicas. Ela começou como estagiária e, posteriormente, foi efetivada. O telefone que tanto lhe acompanhou inspirou o trabalho final de curso. O telefone e a história da hotelaria de luxo carioca foi publicado em formato de artigo na Revista Hospitalidade.
“A comunicação na hotelaria é a base. Dificilmente, em qualquer empresa, você consegue controlar 100% a comunicação. Mas a comunicação com o hóspede tem que ser perfeita, a comunicação entre os funcionários tem que ser perfeita. Você tem que anotar tudo possível e imaginável, porque imagina se você esquece ou anota o apartamento errado de uma chamada de despertar e, no dia seguinte, o hóspede perdeu um voo? E se esse voo ia levar para uma reunião que ia fechar contrato de milhões de dólares e isso tudo partiu de você não ter anotado o apartamento? Parece uma coisa simples, mas as consequências são astronômicas”, explica.
O Copacabana Palace, em operação desde o dia 13 de agosto de 1923, foi um dos primeiros hotéis no Brasil a já começar as atividades com um serviço de telefonia, que havia chegado no país décadas antes, em 1877, trazido pelo imperador D. Pedro II. Quando inaugurado, o setor de telefonia contava com um chefe, um intérprete, auxiliares e os telefonistas da noite. “Era o reconhecimento da importância do setor de telefonia para o funcionamento do hotel mais luxuoso da cidade”, diz o artigo de Mariana.
A partir de 2014, o hotel extinguiu o cargo de telefonista, que era a pessoa responsável por receber as ligações e encaminhar ao devido setor para o atendimento. Agora, conta com o chamado guest service, que concentra o atendimento, evitando que o hóspede ligue em diferentes departamentos para resolver o mesmo ou diferentes problemas.
“Era bastante frenético porque o número do Copa, que eu nunca vou esquecer, por algum motivo está também no inconsciente de várias pessoas. Então, aquele telefone não para de tocar e você precisa dar conta de priorizar sempre o hóspede”, diz Mariana.
E ela conta que também recebia muitos trotes. “Teve uma vez, nas Olimpíadas [em 2016], que ligaram, foi uma ligação que eu peguei, dizendo que tinha uma bomba no hotel, imagina! Por sorte a gente já estava meio preparado, tinha tido um treinamento de segurança e eu segui o procedimento que tinham me passado. Mas é uma ligação bem tensa”.
Tratamento VIP
Ao longo de sua existência, o Copacabana Palace foi visitado ou hospedou reis, artistas, intelectuais e políticos como a atriz de Hollywood Ava Gardner; a cantora Janis Joplin; a princesa Diana e o Príncipe [agora rei] Charles; o vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger; o cineasta Orson Welles, o beatle Paul McCartney, Santos Dumont e os futuros reis do Reino Unido Edward VIII e George VI.
Internamente, no atendimento, os hóspedes eram identificados por cores. E significava se eram celebridades, figuras públicas, hóspedes frequentes, jornalistas, executivos ou funcionários da própria rede do hotel. Os hóspedes mais importantes tinham um documento chamado show me you know me (mostre que você me conhece, em tradução livre). “Esse documento era interno e era colocado em alguns setores. Ele trazia a foto do hóspede VIP e algumas informações especiais daquela pessoa. Por exemplo, gosta de brigadeiros, é alérgica a tal coisa, gosta de tantos travesseiros”, diz Mariana.
Hoje ela não está mais no Copa. “A diferença que eu percebo dos hotéis que eu trabalhei é que em um hotel de luxo não existe a palavra não. A gente era proibido de falar um não para o cliente, e a gente se virava até conseguir aquilo que o hóspede estava pedindo, não importava o valor. Se era realmente algo impossível, oferecia algo bem semelhante”.
Deslumbre
O Copacabana Palace também teve um papel importante na história da professora da Faculdade de Turismo e Hotelaria da UFF Ana Paula Spolon, que orientou o trabalho de Mariana. No final da década de 1980, Ana Paula estava no último ano do curso de tradução em São Paulo, quando foi passar férias de verão na casa de uma prima, no Rio de Janeiro. Naquelas férias decidiu trabalhar e conseguiu uma vaga como intérprete em uma joalheria que ficava no lobby do hotel.
“O primeiro dia eu entrei e pisei no lobby e falei ‘uau’, foi o primeiro grande uau profissional da minha vida e eu falei ‘eu quero isso aqui, quero brincar disso, quero trabalhar aqui, quero trabalhar em hotelaria, quero trabalhar aqui’, era o lugar”, conta. Ana Paula decidiu mudar de carreira e se profissionalizar.
Para ela, o que diferencia o Copacabana Palace de outros hotéis de luxo é a tradição. “Não vai haver grandes novidades aqui dentro, a tradição vai ser nosso mote. Agora, eles estão destacando nos 100 anos exatamente isso, publicando fotografias da história desses 100 anos, bem antigas. A tradição é o que segura. Isso vem muito forte na arquitetura, se olha para o skyline [termo que se refere a silhueta formada pelos prédios] da praia de Copacabana, ele é quase o único edifício antigo, o mais tradicional mesmo”, diz.
Para além de fascinar Mariana, Ana Paula diz que o Copa é alvo de interesse constante dos alunos e que muitos estagiaram ou trabalharam no empreendimento. A professora está, inclusive, conduzindo um estudo com eles sobre o hotel. Segundo as respostas obtidas na pesquisa em andamento com alunos e ex-alunos da Faculdade de Turismo e Hotelaria da UFF que atuaram como estagiários ou funcionários do Copa, metade dos respondentes avalia como boa e, a outra metade como ótima a experiência que tiveram no hotel.
“Acredito que ele é um atrativo por si, muitas pessoas vão para realmente ficar no hotel e chegam até a não aproveitarem a cidade. Ele também é muitas vezes visto pela sociedade (principalmente cariocas) como um objetivo ou uma conquista. Pois muitas vezes, enquanto eu estava trabalhando lá, tinha pessoas que mandavam mensagens falando quanto tempo estavam esperando essa hospedagem. É um status muito forte estar lá, se hospedar lá”, diz um dos respondentes. A pesquisa está sendo realizada pela Rede de Estudos em Hospitalidade, grupo de pesquisa liderado por Ana Paula Spolon.
Hotéis de luxo
Além do Copacabana Palace, outros 55 hotéis de portes variados compõem a lista dos hotéis de luxo vinculados a Brazilian Luxury Travel Association (Associação Brasileira de Viagens de Luxo). De acordo com Ana Paula, o que define um hotel de luxo não é, ao contrário do que se pode pensar, a tecnologia, uma vez que hotéis luxuosos inclusive podem oferecer experiências para que os hóspedes fiquem desconectados, e sim o cuidado.
“O cuidado extremo, no sentido de esmero na prestação de serviço, aquele esforço constante diário e que está nas pessoas, nos funcionários da hotelaria de luxo. São pessoas muito atentas a detalhes para prestar um serviço”.
Mesmo com preços elevados, segundo Ana Paula, o mercado de luxo tem público. “Por incrível que pareça existe mercado sim, existe muita gente disposta a pagar o que for preciso para ter privacidade, exclusividade, sossego, vivenciar o que a classe média não alcança”. No Copacabana Palace, os preços variam de R$ 2,2 mil a R$ 25 mil por noite.
O Copa
Além dos quartos, o Copacabana Palace conta com 13 salões para eventos com capacidade para até 2 mil pessoas, piscina semiolímpica, SPA, quadra de tênis, centro fitness. É também, o único hotel na América Latina com dois restaurantes com estrela Michelin (avaliação internacional que indica a qualidade do restaurante), o MEE e o Ristorante Hotel Cipriani. Além de um restaurante de comida internacional, o Pérgula.
O portal Brasiliana Fotográfica da Fundação Biblioteca Nacional e Instituto Moreira Salles reuniu imagens históricas e do hotel e resumiu a história do local. Segundo o portal, o Copacabana Palace era, na época de sua inauguração, o maior hotel da América Latina e representava a modernidade da cidade.
O hotel foi construído a pedido do então presidente Epitácio Pessoa. Em 1919, ele solicitou aos empresários Octávio Guinle e Octávio Rocha Miranda que construíssem hotéis para abrigar os visitantes da Exposição do Centenário da Independência do Brasil. Nessa ocasião o Brasil receberia chefes de Estado e pessoas ilustres de todo o mundo. Pessoa queria tornar o Brasil um país conhecido e respeitado no cenário internacional da época.
O Copacabana Palace não ficou pronto em 1922, para o centenário, e acabou sendo inaugurado oficialmente em 13 de agosto de 1923 com a visita do presidente da República à época, Artur Bernardes, em companhia de outras autoridades, dentre elas o prefeito do Rio de Janeiro, Alaor Prata.
O hotel foi projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire, responsável por outras obras da cidade, como a do Hotel Glória e a do Edifício Joseph Gire, que ficou conhecido como Edifício A Noite. O prédio foi construído com cimento alemão, mármore de carrara e adornado com vidros e lustres da Tchecoslováquia, móveis franceses, tapetes ingleses e cristais da Boêmia.
Em 1989, a família de Octávio Guinle vendeu o Copacabana Palace para o grupo Orient-Express que, posteriormente, passou a chamar Belmond. Atualmente, o hotel é de propriedade do grupo francês LVMH, com comprou o Belmond em dezembro de 2018. O Copa é tombado em nível federal, estadual e municipal.