18/09/2020 - 10:57
Ai Weiwei, ativista incansável e artista comprometido, é o autor de um filme sobre o bloqueio em Wuhan, “Coronation”, que ilustra a eficácia e a desumanização da maquinaria chinesa para combater o novo coronavírus.
Quando a epidemia de Sars-cov2 irrompeu em Wuhan, a ideia do filme, como uma “gravação para a história”, tornou-se óbvia para Ai Weiwei, que vive na Europa por cinco anos.
“Este trágico vírus se espalhou pelo mundo e continua afetando nossas vidas. Provavelmente teve o maior impacto no planeta desde a Segunda Guerra Mundial. Não há dúvidas sobre a urgência e a necessidade desse filme (…)”, disse à AFP o “mais conhecido dos artistas chineses”, como o Financial Times batizou Ai WeiWei, que agora vive no Reino Unido.
Ele não deixa passar a “propaganda estatal”. “Como artista, acredita no compromisso” especialmente em um momento em que os fluxos de informação tornam as pessoas paralisadas e incapazes de tomar uma posição”.
Ai WeiWei usa uma enorme rede de artistas, ativistas e voluntários, dos quais doze levaram suas câmeras.
De Roma, onde dirige a ópera Turandot de Giacomo Puccini, em versão moderna e adiada por conta da pandemia, o versátil artista dava diariamente instruções à equipe.
“Todas as noites baixávamos o que eles nos mandavam. Graças ao fuso horário, trabalhamos 24 horas por dia”, conta.
O fruto de seu trabalho revela a eficiência implacável das autoridades chinesas: enorme implantação de recursos, regulamentos ultrarrigorosos. Como corolário, indivíduos esmagados, desumanizados, como pacientes curados que não podem sair do hospital, ou famílias privadas de rituais fúnebres.
– “Que sociedade?” –
“Não há dúvida de que a China controlou essa pandemia devastadora com incrível eficiência” em relação a outros países. Entretanto, “é preciso questionar sobre seu tipo de sociedade e sobre os sacrifícios feitos por seu povo” para enfrentar a pandemia, enfatiza Ai.
“A China é uma sociedade pouco transparente, autoritária, de estilo militar, sob o controle da vontade de uma só pessoa. Não há democracia, todas as ações carecem de oposição. Não temos informações de como ocorreu a pandemia, o número real de vítimas, ou de pessoas presas por terem feito queixas”, lamenta. Ele espera que seu filme, “mesmo em 100 minutos, forneça esclarecimentos reais sobre o que é a China”.
Para Ai WeiWei, o problema é “o entendimento da China pela Europa”, que está “exposta à miopia de líderes que priorizam benefícios de curto prazo em vez de princípios”.
“Não vi nenhum Estado europeu adotar medidas substanciais” em face da “revolta democrática em Hong Kong ou dos campos de reeducação em Xinjiang. Eles se limitam a expressar sua ‘preocupação’ e a usar os direitos humanos como moeda de troca para ganhos econômicos ( …)”, denuncia o artista.
Com seu poder financeiro e a atratividade de seu imenso mercado, “a China trouxe seus valores para o Ocidente” até na esfera cultural e em particular no cinema, onde “os festivais não são mais campos de batalha pela liberdade de expressão ou de criação esclarecida”, mas, em vez disso, “mercados” e até “instrumentos do soft power chinês”, lamenta o artista.
Neste contexto, o “Coronation”, apresentado em festivais como Veneza, Toronto e Nova Iorque, não integrará os circuitos tradicionais e ficará limitado a plataformas de transmissão de vídeo.