27/05/2020 - 8:05
Steve, auxiliar médico no nordeste da Inglaterra, contraiu o novo coronavírus há dois meses. Pouco depois, sua esposa ficou doente. Ambos se recuperaram, mas ficaram muito nervosos com o temor de infectar os dois filhos. A COVID-19 também cobra um preço psicológico.
“Quando voltei ao trabalho, não conseguia dormir bem, porque ficava preocupado com a possibilidade de ainda poder levar o vírus para casa e de voltar a contraí-lo”, diz à AFP o britânico de 46 anos.
“Nunca pensei que teria que trabalhar na linha de frente de uma pandemia. Queria que tudo fosse um sonho e que, ao acordar, o mundo voltasse a ser como antes”, desabafa.
Médicos, enfermeiros e auxiliares são considerados heróis da crise de saúde. Mas o estresse e a ansiedade por terem de trabalhar em um ambiente tão intenso de doença e morte se tornaram algo comum entre eles.
Os organismos profissionais dos países mais afetados na Europa buscam agora dar um apoio maior para que estas pessoas enfrentem o impacto psicológico.
“Temos aqui todos os ingredientes de risco de transtorno de estresse pós-traumático”, explica Xavier Noel, psicólogo clínico de Bruxelas.
Os profissionais da área de cuidados intensivos “enfrentam uma taxa de mortalidade e uma forma de morte totalmente incomuns, em um contexto mais desumanizado, sem a presença de famílias que os apoiem”, destaca.
– Depressão e risco de suicídio –
A Europa registra oficialmente quase 175.000 mortes e a batalha contra o coronavírus tem um preço elevado.
Na Espanha, mais de 50.000 profissionais da Saúde apresentaram resultado positivo para COVID-19, 22% do total de casos do país, de acordo com os dados do governo.
A ansiedade está muito presente, aponta um estudo da Universidade Complutense de Madri, segundo o qual pouco mais da metade dos 1.200 médicos entrevistados na capital e seus arredores apresentavam “sintomas depressivos”.
Um dado similar, 53%, mostrava sinais “compatíveis com estresse pós-traumático”.
“Consideramos conveniente uma rápida intervenção psicológica sobre este grupo”, afirmaram os autores do estudo, Lourdes Luceño Moreno e Jesús Martín García.
“Caso aconteça a tão temida segunda onda, vamos encontrar profissionais abalados emocionalmente e com um sistema de saúde sem capacidade de resposta”, alertaram.
A Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão divulgou um estudo que mostra que sete em cada 10 profissionais da saúde nas regiões mais afetadas da Itália estavam extenuados, e 90% sofreram estresse psicológico.
Muitos citaram um aumento da irritabilidade, problemas durante o sono e terrores noturnos, além de crises emocionais. A pesquisadora Serena Barello afirma que o estresse normal da profissão foi exacerbado com o aumento da carga de trabalho, as difíceis condições e a incerteza.
Isto colocou a saúde “em grave risco, não apenas fisicamente, mas também emocional e psicologicamente”, completa.
Na França, uma associação de apoio aos profissionais de saúde informou que recebe mais de 70 ligações por dia. Várias são consideradas indicativas de “um risco iminente de suicídio”.
Na Bélgica, estudos apontam que dobrou o número de trabalhadores da área de saúde que pensam em abandonar a profissão. Os níveis de infelicidade são quatro vezes maiores do que o habitual.
– Etiqueta de “herói” aumenta pressão –
No Reino Unido, segundo país do mundo com mais mortes provocadas por COVID-19, atrás apenas dos Estados Unidos, a única organização que oferece ajuda psicológica para os profissionais da saúde na linha de frente também fez um alerta.
A Fundação Laura Hyde, criada em memória de uma enfermeira que se matou em 2016, informou que recebeu muitas ligações de enfermeiros, médicos e paramédicos.
Na semana passada, a fundação lançou a campanha “Não há máscara para a saúde mental”, com o objetivo de conscientizar sobre o impacto psicológico.
“Os profissionais da saúde estão realmente comovidos com todo o apreço que receberam”, disse Jennifer Hawkins, diretora da fundação.
“Mas a etiqueta de ‘herói’ pode, às vezes, deixá-los sob uma pressão ainda maior”, adverte.
“A dura realidade de seu trabalho tem um impacto significativo na saúde mental e devemos garantir que os profissionais médicos não sofram em silêncio. Que prescrevam para si mesmos o que prescreveriam para outros e que peçam ajuda”, afirma.
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