30/03/2020 - 8:00
“Ao contrário do que eu pensava, é agradável. E mais simples do que ir para o trabalho”. Assim como Yuki Sato, vários funcionários no Japão adotaram o trabalho remoto, devido à epidemia de coronavírus, desconstruindo preconceitos locais sobre esta prática.
Sato, de 35 anos, decidiu trabalhar em casa desde fevereiro, por medo da COVID-19. Foi uma revelação para este agente comercial de uma start-up em Tóquio, a Phybbit, que oferece serviços contra a fraude digital.
“Esta experiência mudou totalmente minha imagem do trabalho remoto”, diz à AFP este pai de duas meninas que improvisou seu escritório em um cômodo do pequeno apartamento onde vivem.
“Ponho meus fones e já estou concentrado. No fim das contas, não tem diferença em relação ao escritório”, afirma Sato.
“Ganho o tempo perdido no transporte: uma hora de metrô para ir para o escritório, no total duas horas diárias entre a ida e a volta”, comenta.
Esse tempo ele agora usa para “ajudar” a esposa, Hitomi, a cuidar das duas filhas – Yurina e Hidano, de seis e quatro anos.
“Estou feliz que ele esteja em casa, e as meninas, felizes de passarem mais tempo com o pai”, comemora Hitomi.
– Freios culturais –
Como muitos japoneses, Sato se mostrava cético quanto a este modo de organização profissional.
“Tinha medo de não fazer exercício físico suficiente trabalhando de casa, mas também de não ter ajuda entre os colegas”, explica ele.
No Japão, “a imagem de ir para o escritório é muito forte. Tem que mostrar que se trabalha muito e muito duro, e que se ajuda os colegas: trabalhando de casa não dá para mostrar boa vontade, nem motivação”, alega.
Há anos, o governo japonês tenta estimular o trabalho remoto, percebido como um meio de estimular as mães a voltarem ao mercado e, os homens, de participarem mais das tarefas domésticas e da educação dos filhos.
Desde 2017, a cada verão, as autoridades japonesas lançam as “jornadas de trabalho remoto”, que também têm o objetivo de descongestionar os transportes da capital japonesa no período inicialmente previsto para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.
Embora, em 2018, 19,1% das empresas japonesas tenham introduzido dispositivos de trabalho remoto, apenas 8,5% dos empregados experimentou esta prática, conforme um estudo do Ministério dos Assuntos Interiores.
As reservas emanam, sobretudo, da cúpula empresarial, pois “muitos deles consideram que o trabalho remoto não é um instrumento para os empregados”, destaca Kunihiko Higa, professor no Tokyo Institute of Technology, especialista nos novos modos de trabalho a distância.
Vários executivos japoneses “não compreendem que o trabalho remoto, usado de forma apropriada, pode ser um instrumento estratégico” para administrar suas equipes, acrescenta o especialista entrevistado pela AFP.
Segundo uma pesquisa feita no final de fevereiro pela federação patronal Keidanren com as 400 grandes empresas que integram a instituição, cerca de 70% delas já recorreram ao trabalho remoto, ou estão dispostas a fazê-lo, em função da crise sanitária.
A pandemia “terá um grande impacto” na difusão do trabalho remoto no Japão no futuro, desde que as empresas consigam adotá-lo como um modo de funcionamento normal, prevê Higa.