05/05/2020 - 9:17
Como um organismo tão pequeno quanto um vírus pode fazer a economia mundial desabar, confinar megalópoles inteiras e alterar a existência de bilhões de humanos? Para o geógrafo Michel Lussault, o poder imensurável do SARS-CoV-2 está na globalização.
Lussault é professor da École Normale Supérieure de Lyon (leste da França), diretor da École Urbana de Lyon e autor do livro “L’homme espacial” (“O Homem Espacial”, em tradução livre).
Pergunta: Por que as pandemias modernas mais mortais do que a COVID-19, como a gripe de 1957 e 1968, com mais de um milhão de mortes cada, não causaram essa paralisia no mundo?
Resposta: “Porque o que mudou nos últimos 60 anos foi o próprio mundo. Estamos nos dando conta de que o que chamamos de mundo é um mesmo espaço atravessado por comunicações e conexões intensas.
Uma coisa minúscula que contaminou um primeiro paciente na China no final de 2019 causou a maior paralisia global já registrada na história da humanidade. Há uma desproporção entre o tamanho e o campo de ação do vírus, que trabalha em escalas infinitesimais, e o pânico e a paralisia globais que dominaram o mundo”.
P: Por que tamanha desproporção?
R: “A principal explicação tem a ver com o fato de que a globalização alterou completamente o planeta Terra nos últimos 60 anos. A razão da evolução desse pequeno contágio local em direção a uma crise global é o que chamo no meu jargão de ‘hiperespaço’, isto é, a conexão entre todas as coisas e pessoas.
Com o meu telefone celular, sou capaz de me relacionar com qualquer pessoa que possua um telefone celular, ou seja, entre 5 bilhões e 6 bilhões de pessoas.
O que é surpreendente é a rapidez da pandemia. Precisou de menos de um trimestre para o mundo parar. Tem a ver com a hiperespacialidade (…): a mobilidade dos chineses, dos europeus e dos americanos por razões econômicas e turísticas. Hoje em dia, um portador do vírus pode percorrer milhares de quilômetros e contaminar dezenas de pessoas.
Com os sistemas de informação contínua e as redes sociais, qualquer notícia menor se torna planetária. Inexoravelmente, o preparo e o monitoramento em tempo real da pandemia em todo mundo aumentam bastante seu impacto.
As pessoas que ficam gravemente doentes com o coronavírus sofrem uma reação imunológica exagerada, com as tempestades de citocinas. Se quiséssemos fazer uma metáfora, poderíamos dizer que, por meio da informação contínua e das redes sociais, o mundo está passando por uma reação exagerada do sistema imunológico (…) Nos bombardeiam com informações, e o sistema mundial reage exageradamente em relação ao problema”.
P: Como explicar que o vírus seja capaz de ter efeitos em escalas tão diferentes?
R: “No momento em que você fica doente em escala corporal, você fica confinado em escala local, na sua casa. Sua cidade também fica confinada. E o país. A Europa é afetada. E vemos como as relações internacionais são afetadas. Mais 4 bilhões de pessoas ficam confinadas, e todo planeta se vê envolvido.
Tudo é composto dessa pandemia, desde o maior espaço, que é a Terra, até o menor, onde o corpo enfrenta o vírus. Esse sincronismo é surpreendente, e também aqui as informações e as redes sociais desempenham um papel.
Para não entender o que está acontecendo em todas as escalas ao mesmo tempo, a única solução é se desconectar das redes de informação e entrar em um duplo confinamento: fico em casa e corto qualquer relação com o exterior”.