A seis semanas das eleições, presidente é acusado de querer se aproveitar politicamente da morte de José Eduardo dos Santos. Família exige o corpo e rejeita funeral em Luanda. Últimos eventos lembram uma telenovela.Durante 38 anos, de 1979 a 2017, José Eduardo dos Santos governou Angola com mão de ferro. Ao longo de todos esses anos, controlou o partido no poder – o antigo movimento de libertação MPLA – mas também o aparelho estatal, as receitas do negócio do petróleo e os diamantes, os militares e também os seus cidadãos. Recompensou amigos e parentes com dinheiro, poder e cargos. Os seus opositores foram perseguidos e punidos.

Em 2017, retirou-se da política e entregou o poder ao seu antigo ministro da Defesa, João Lourenço, que ele próprio escolheu para sucedê-lo. Na última sexta-feira (08/07), José Eduardo dos Santos morreu aos 79 anos de idade, após uma longa estada numa clínica privada em Barcelona, Espanha.

Mas agora estalou uma guerra sobre o seu legado político. Enquanto o atual presidente é acusado de querer explorar a morte de seu antecessor, a seis semanas das eleições gerais de 24 de agosto, para os seus próprios fins políticos, os familiares mais próximos de José Eduardo dos Santos fazem sérias acusações contra João Lourenço e o MPLA: dizem que o atual regime não tem direito ao legado político do antigo presidente.

Pelo contrário, afirmam que ele é parcialmente responsável pela morte de José Eduardo dos Santos e tentam impedir por todos os meios o repatriamento do seu corpo para Angola.

Funeral de Estado em Luanda?

Logo que a morte de Eduardo dos Santos foi anunciada, João Lourenço apressou-se a declarar uma semana de luto nacional. E não deixou dúvidas de que seu governo e seu partido estão no direito de organizar um funeral de Estado, para o qual nomeou uma comissão de 12 membros.

Mas o chefe de Estado angolano não contava com a oposição dos filhos do ex-presidente, especialmente da segunda filha mais velha, Tchizé dos Santos, antiga deputada do MPLA e empresária.

Tchizé dos Santos não quer que o corpo do seu pai seja transferido para Luanda enquanto João Lourenço estiver no poder. “Este era o desejo expresso do meu pai”, afirma numa declaração de quase 80 minutos no Instagram. “O nosso pai ficou muito desiludido com o seu sucessor. Ele até me disse que preferia que o líder da oposição Adalberto Costa Júnior, da Unita, ganhasse as próximas eleições.”

A ex-deputada diz ter o apoio da irmã mais velha, a empresária Isabel dos Santos, que tem atualmente residência oficial na Holanda, assim como de outros irmãos.

Investigações contra o clã dos Santos

Na realidade, muito mudou para a família dos Santos em Angola desde 2017. Seus membros que ocupavam cargos públicos em empresas e autoridades estatais perderam os postos. Isabel dos Santos teve de renunciar à gestão da empresa petrolífera estatal Sonangol, e o filho José Filomeno dos Santos à gestão do fundo estatal para o petróleo. Em 2020, um tribunal condenou-o a cinco anos de prisão por desvio de fundos.

As duas filhas mais velhas – Isabel e Tchizé – ainda estão sendo investigadas pelo sistema judicial angolano por corrupção e outros delitos. Suas contas em Angola e Portugal foram congeladas, e as ações que tinham em algumas empresas foram confiscadas.

Tchizé classifica os procedimentos e investigações em Angola contra si e seus familiares como “uma caça às bruxas”. Considera o que o regime de Lourenço faz “desrespeitoso” para com seu pai e sua família, que “se sacrificaram” pela nação angolana durante décadas.

Com a ajuda de um advogado, ela conseguiu que fosse feita uma autópsia do ex-presidente. Além disso, apresentou queixa à polícia espanhola para esclarecer as circunstâncias exatas da morte. Tchizé afirma que a última esposa do pai não foi inocente na deterioração da saúde dele, e que José Eduardo dos Santos se separou de Ana Paula dos Santos há mais de quatro anos.

Desde então, esta teria feito amizade com o regime de Luanda e conspirado repetidamente contra seu pai, acusa a empresária, que deseja a todo custo impedir a transferência dos restos mortais para Luanda.

Jogo de poder em torno de um cadáver ilustre

Quem pode ganhar politicamente com o conflito em torno do corpo do ex-chefe de Estado? O presidente João Lourenço, do MPLA, ou Adalberto Costa Júnior, da Unita?

“Se o governo de João Lourenço conseguir realmente transferir o corpo do ex-presidente para Luanda, então Lourenço poderá sair mais forte deste conflito”, diz o analista político angolano Orlando Ferraz, co-fundador do instituto de pesquisa eleitoral AngoBarómetro.

As relações políticas e econômicas entre Angola e Espanha são estreitas e Madri não quer certamente pô-las em risco. “A delegação do governo angolano atualmente em Barcelona não regressará certamente a Angola de mãos vazias. Podemos assumir isso”, diz Ferraz em entrevista à DW.

E como se comporta a oposição? “A Unita está tentando manter uma certa distância de ambos os lados, ou seja, dos familiares, bem como de Lourenço e do governo. O líder da oposição Adalberto da Costa Júnior está assistindo a todo o espetáculo à distância”, para que o seu partido possa obter capital político nas eleições de 24 de agosto, conclui o analista.