A história é feita de detalhes. Em 1886, quando o Congresso americano aprovou a 14ª emenda à Constituição, não se imaginava que essa lei, que tinha por finalidade proteger os escravos recém-libertados, pudesse servir de suporte à atividade empresarial. Mas assim foi. Advogados usaram a 14ª emenda para exigir o fim das restrições legais que limitavam as atividades das primeiras corporações ? apresentadas por eles como ?pessoas jurídicas? cerceadas em seus direitos. Mais de 100 anos depois, a definição de empresas como ?pessoas sem consciência moral? é o polêmico ponto de partida de The Corporation, um documentário canadense que acaba de ser lançado em DVD pela Imagem Filmes. Trata-se de um filme extremamente crítico, que analisa as corporações a partir das idéias de ativistas como Noam Chomsky, Jeremy Rifkin e Naomi Klein. O prêmio Nobel Milton Friedman e outros defensores articulados do capitalismo também são entrevistados, mas o tom do documentário não é dado por eles. The Corporation foi feito ? e bem-feito ? para levar as pessoas a olhar com desconfiança para o mundo das marcas, da tecnologia e da propaganda das grandes empresas.

 

O que se vê no filme não é exatamente novidade: atrás de lucro, grandes empresas podem se comportar de maneira ultrajante. Podem mentir aos consumidores e às autoridades, como o documentário mostra abundantemente. Podem emporcalhar o planeta sem a menor cerimônia. Podem violar sistematicamente as leis que têm por intenção controlá-las. Podem tratar os trabalhadores do Terceiro Mundo de forma abjeta. Em uma seção do filme dedicada à biotecnologia, afirma-se que as companhias multinacionais estão tentando seqüestrar o futuro genético do planeta, patenteando na cara-de-pau aquilo que a natureza levou cinco bilhões de anos para criar. Posto assim, porém, parece que as grandes companhias são apenas bichos-papões. Mas não. Se fossem organizações diabólicas elas já teriam deixado de existir. Obviamente, as companhias têm aspectos positivos que são solenemente ignorados nom documentário. Logo, falta-lhe balanço ? e também falta legenda. O distribuidor brasileiro ?esqueceu? de colocar o nome dos entrevistados. Enquanto se assiste ao DVD é preciso adivinhar quem está falando. Apesar de sua aparente ferocidade, ao final de Corporation sobra uma sugestão quase banal: é preciso controlar as empresas. Não é exatamente uma revolução, apesar do tom irado.