21/03/2025 - 6:58
Nobel de Física passou nove dias no Rio de Janeiro em 1925. Físico alemão cumpriu agenda abarrotada de eventos e palestras, fez turismo e provou vatapá, descrevendo giro intenso pela cidade como “correria louca”.Quando embarcou no navio S.S. Cap Norte com destino a Hamburgo, na Alemanha, no dia 12 de maio de 1925, Albert Einstein (1879-1955) sentiu um misto de alívio e cansaço. Na noite anterior, depois de oito exaustivos dias no Rio de Janeiro, o físico alemão de 46 anos chegou a escrever em seu diário: “Finalmente, livre. Mais morto que vivo”.
Em nove dias de visita à então capital do Brasil, o Nobel de Física de 1921 cumpriu uma rigorosa agenda: compareceu a uma audiência com o presidente da República, Artur Bernardes (1875-1955); proferiu duas palestras públicas (uma no Clube de Engenharia, outra na Escola Politécnica); conheceu o Jardim Botânico, o Pão de Açúcar e o Corcovado (o Cristo Redentor só foi inaugurado em 1931); visitou cinco instituições científicas; e participou de incontáveis almoços, jantares e recepções.
De quebra, passeou de carro pela cidade, gravou um discurso na Rádio Sociedade (atual Rádio MEC) e assistiu a um filme sobre o Marechal Rondon (1865-1958) na Associação Brasileira de Imprensa. Em seus poucos momentos de sossego, se trancou em seu quarto no Hotel Glória para fazer anotações em seu diário ou arriscar acordes em seu violino.
“Duas coisas que o impressionaram: as belas paisagens e a diversidade étnica”, observa o historiador Ze’ev Rosenkranz, organizador do livro Os Diários de Albert Einstein – América do Sul, 1925 (Record, 2024). “Acreditava que o calor tropical produzia um efeito adverso no intelecto da população local”.
A ideia de convidar Einstein para visitar o Brasil há exatos 100 anos não partiu de nenhum cientista, como o psiquiatra Juliano Moreira (1873-1933), diretor do Hospital Nacional de Alienados, ou o sanitarista Carlos Chagas (1879-1934), responsável pelo Instituto Oswaldo Cruz, duas das cinco instituições visitadas, mas, de um religioso, o rabino Isaiah Raffalovich (1870-1956), líder da comunidade judaica do Rio de Janeiro.
Por intermédio de Jacobo Saslavsky, presidente da Associação Hebraica de Buenos Aires, Raffalovich ficou sabendo que Einstein faria uma escala no Rio de Janeiro no dia 21 de março de 1925. Vindo de Hamburgo, o ilustre viajante passaria algumas horas na cidade antes de seguir para Montevidéu, no Uruguai. “Por que não convidá-lo a palestrar no país?”, teria sugerido Saslavsky. Segundo o rabino da Argentina, Einstein impôs apenas uma condição: só aceitaria convites de instituições acadêmicas oficiais.””Achei que deveríamos aproveitar a oportunidade para demonstrar ao povo brasileiro que os judeus não são somente mascates, há cientistas mundialmente famosos entre nós”, afirmou Raffalovich, em suas memórias.
“Só Deus sabe o que espera por mim”
Com o apoio de Aloysio de Castro, diretor da Faculdade de Medicina, e Paulo de Frontin, da Escola Politécnica, Raffalovich mandou, no dia 20 de janeiro, um telegrama para Einstein, oficializando sua proposta. Dias depois, recebeu um telegrama de Berlim, onde Einstein morava, aceitando o convite.
Em sua primeira viagem à América do Sul, Einstein passou três meses na região: de 5 de março a 11 de maio. Visitou Argentina, Uruguai e Brasil. Ainda em alto-mar, escreveu a Elsa (1876-1936), sua segunda esposa, e Margot (1899-1986), sua enteada mais nova: “A vida despreocupada chegou ao fim. Só Deus sabe o que espera por mim”.
No terceiro e último destino de sua viagem, ficou nove dias, em duas etapas. Na primeira, em 21 de março, foram algumas poucas horas. “Céu encoberto e chuva leve”, descreveu. Depois de desembarcar do navio S.S. Cap Polonio, passeou numa comitiva de sete carros pela cidade, visitou o Jardim Botânico e almoçou com o jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968) no recém-inaugurado Copacabana Palace. No Jardim Botânico, o diretor Pacheco Leão mostrou, entre outras espécies nativas, a vitória-régia e o jequitibá. Sobre a visita à instituição, Einstein escreveu: “Supera os sonhos de As mil e uma noites”. No mesmo dia, seguiu para Montevidéu, no Uruguai.
Einstein é pop
Quarenta e três dias depois, Albert Einstein estava de volta ao Rio. Dessa vez, ficou hospedado na suíte 400 do Hotel Glória. Em sua segunda passagem pela cidade, proferiu duas palestras sobre a Teoria da Relatividade: a primeira, no dia 6 de maio, no Clube de Engenharia, e a segunda, dois dias depois, na Escola Politécnica.
Segundo relatos da época, o salão do Clube de Engenharia estava superlotado. Por essa razão, Einstein se viu obrigado a falar para o público, em francês, num espaço mínimo, próximo ao quadro-negro. Muitas autoridades, como o prefeito Alaor Prata (1882-1964), levaram mulheres e filhos. Por causa do calor intenso, as janelas foram abertas. O barulho da rua tornou a comunicação impossível. “Sou uma espécie de elefante branco para eles, e eles são macacos para mim”, desabafou em seu diário.
“É preciso tomar cuidado com a palavra affe. Sua tradução literal é macaco. Mas os alemães usavam essa palavra para designar ‘macaquice’ e ‘palhaçada’, e não no sentido racista que conhecemos hoje”, pondera o engenheiro químico Alfredo Tolmasquim, autor do livro Einstein – O Viajante da Relatividade na América do Sul (Vieira & Lent, 2003). A primeira palestra estava tão abarrotada de gente que os organizadores decidiram restringir os convidados da segunda aos alunos da instituição. Não adiantou. “Muito calor no auditório superlotado”.
“Correria louca”
Além do Hospital Nacional de Alienados e do Instituto Oswaldo Cruz, Einstein visitou mais três instituições: o Museu Nacional e a Academia de Ciências, no dia 7; e o Observatório Nacional, no dia 9. No Museu Nacional, tirou foto ao lado do Bendegó, meteorito de 5,6 toneladas encontrado na Bahia em 1784. No Observatório Nacional, se encontrou com astrônomos, como Henrique Morize (1860-1930), então diretor da instituição. “Morize desempenhou papel fundamental na organização da expedição brasileira a Sobral (CE) para observar o eclipse solar total de 29 de maio de 1919”, explica Jailson Alcaniz, diretor do ON. “O eclipse solar de Sobral proporcionou a primeira confirmação experimental da Teoria da Relatividade”.
Pelo menos duas delas vão comemorar o centenário da visita de Einstein: entre os dias 21 e 25 de março, o Jardim Botânico vai disponibilizar um totem do cientista alemão na Casa Pacheco Leão. Segundo a diretora Márcia Faraco, os visitantes poderão tirar fotos e ouvir, através de IA, trechos da entrevista que o diretor do Jardim Botânico concedeu ao jornal A Noite, em 1955, sobre a ilustre visita. Já no dia 9 de maio, o Observatório Nacional vai promover palestras e mesas-redondas, além de uma sessão de autógrafos do livro Einstein – O Viajante da Relatividade na América do Sul, de Alfredo Tolmasquim.
Apesar da “correria louca” – como descreveu a viagem à América do Sul para a irmã Maja (1881-1951) –, Einstein visitou os dois principais pontos turísticos do Rio: o Pão de Açúcar, no dia 5, e o Corcovado, no dia 10. “Passeio vertiginoso sobre floresta selvagem”, escreveu sobre o Pão de Açúcar. E só não conheceu Itatiaia, a 174 quilômetros da capital, porque o passeio, a bordo de um trem, foi cancelado. Motivo: foi considerado longo. Em seu lugar, organizaram um passeio pela orla de Copacabana, o Morro Dois Irmãos e a Floresta da Tijuca. “Ficava incomodado com o assédio da imprensa”, garante Tolmasquim. “Enquanto as pessoas o tratavam como um gênio, ele se via como um cientista comum”.
Peixe e vatapá no cardápio, cactos e borboletas na bagagem
Entre um compromisso e outro, esbaldou-se em almoços, jantares e recepções. Só o embaixador alemão, Hubert Knipping (1868-1937), ofereceu dois: um no dia 8 e outro no dia 11. Segundo seu diário, Einstein provou o vatapá, oferecido por Juliano Moreira, e peixe – tudo, diga-se de passagem, muito apimentado. Há rumores, nunca confirmados, de que tenha tomado algumas doses de cachaça e se recusado a comer feijoada por ter carne de porco. Não há registro oficial.
“Einstein não era um gourmand. Quero dizer: não sei se ele gostava de comer”, explica o filósofo Antônio Videira, coautor de Einstein e o Brasil (UFRJ, 1995), escrito em parceria com Ildeu de Castro Moreira. “Ainda assim, provou quase tudo o que lhe foi oferecido. Penso que deve ter achado nossa gastronomia um pouco exótica”. “Duvido que tenha bebido cachaça”, acrescenta Rosenkranz, “era abstêmio”.
Em sua bagagem, Einstein levou alguns presentes como pedras preciosas, bracelete indígena, vasos com cactos e uma coleção de borboletas. “Não farei esse tipo de coisa novamente”, prosseguiu, em carta para a irmã Maja, em 12 de julho de 1925. “É muito prejudicial para os meus nervos”. Einstein desembarcou em Hamburgo no dia 31 de maio e retornou à Berlim no dia 1º de junho. Morreu 30 anos depois de sua visita ao Brasil, em 18 de abril de 1955, aos 76 anos. “Duvido que tenha pensado em voltar ao Brasil. Nunca mais viajou para fora dos EUA depois de 1935”, afirma Rosenkranz. Videira concorda: “Estava farto dessas viagens. Se sentia como um troféu”.