Índice da Transparência Internacional destaca nesse ano impactos da corrupção para o clima. Brasil caiu no ranking e chega ao seu pior resultado.Calor recorde, enchentes, incêndios florestais: ao mesmo tempo em que eventos climáticos extremos se tornam cada vez mais frequentes e as metas climáticas correm maior risco, a corrupção representa um grande obstáculo à proteção do clima, aponta o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2024 divulgado nesta terça-feira (11/02) pela ONG Transparência Internacional.

Ante um aquecimento global recorde, o levantamento anual conclui que o mundo “está emparedado” devido à erosão da democracia e o declínio da proteção climática global. E o Brasil entra como um dos responsáveis por esse processo.

O relatório aponta que “instituições fracas e falta de transparência permitem que o crime organizado atue em grandes áreas” do continente americano, que, no caso brasileiro, é exemplificado pelo tráfico de animais silvestres.

“O crime organizado depende da corrupção e da lavagem de dinheiro para sustentar suas operações. No Brasil, por exemplo, um relatório recente identificou 24 casos de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro decorrentes do tráfico de animais silvestres”, indica o levantamento.

O Brasil ficou em 2024 na sua pior posição no ranking da Transparência Internacional. Com 34 pontos, o país caiu três posições em relação ao ano passado, figurando agora na 107º lugar entre 180 países e territórios que são avaliados com notas que vão de zero (altamente corruptos) a 100 (muito íntegros). A pesquisa é feita com especialistas e empresários de cada nação sobre como a integridade do setor público de seus países é percebida.

A média do país também ficou abaixo da média global (43 pontos) e da média das Américas (42 pontos). O Brasil ficou empatado no ranking com países como Argélia, Nepal, Tailândia, Maláui, Peru e Níger.

Américas de extremos

Nas Américas, o relatório aponta que a ausência de instituições fortes e de transparência se traduz também em crimes ambientais como a extração ilegal de madeira no Equador (121º lugar) e a mineração ilegal no Chile (32º) e na Colômbia (92º).

No Peru (127º), os especialistas sugerem que a modificação da legislação florestal e de vida selvagem, sancionada em 2024, atende a “interesses específicos” e incentivará o desmatamento ilegal.

Os países das Américas mais bem colocados no ranking são Uruguai (13º), Canadá (15º) e Barbados (23º), considerados países com democracias relativamente estáveis com altos níveis de transparência e participação do setor público.

No outro extremo do ranking, com as pontuações mais baixas, estão nações devastadas pelo crime organizado e por abusos de direitos humanos, como Haiti (168º), Nicarágua (172º) e Venezuela (178º).

Corrupção X proteção climática

De acordo com a diretora executiva da Transparência Internacional, Maíra Martini, é preciso “urgentemente chegar à raiz da corrupção antes que ela inviabilize completamente uma ação climática significativa”. Ela pede que os governos e as organizações multilaterais tornem o combate à corrupção parte de suas estratégias de proteção climática.

“Hoje, as forças corruptas determinam não apenas as políticas, mas muitas vezes também as ditam e assim minam o controle, silenciando jornalistas, ativistas e todos que trabalham pela igualdade e sustentabilidade”, diz Martini. Segundo ela, a verdadeira resiliência climática exige que essas ameaças sejam enfrentadas de forma direta e decisiva: “Pessoas vulneráveis em todo o mundo precisam urgentemente dessas medidas”, afirma.

O relatório descreve vários casos para mostrar como a corrupção é um imenso obstáculo para a proteção climática. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma empresa de energia teria repassado 60 milhões de dólares em um esquema de suborno para influenciar decisões políticas e desacelerar a expansão de energias renováveis. De acordo com o Ministério Público do país, o dinheiro foi para um político e seu sócio a fim de promover bilhões de dólares em apoio a duas usinas nucleares.

Milhões de dólares desviados

Na Rússia, uma investigação apontou fortes evidências de que milhões de dólares foram desviados de um projeto do Fundo Global para o Meio Ambiente, administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O projeto, que foi executado entre 2010 e 2017, tinha o objetivo de melhorar a eficiência energética e reduzir emissões de gases de efeito estufa, mas não atingiu nenhuma de suas metas, de acordo com o IPC.

Na Líbia, que sofre com condições climáticas extremas, duas represas se romperam em 2023 após anos de negligência, levando a inundações catastróficas que deixaram mais de 11 mil mortos.

No sudeste asiático, subornos e propinas a funcionários públicos, alfandegários e de fronteira vietnamitas têm facilitado o contrabando de madeira do Camboja que é extraída ilegalmente e depois levada para o Vietnã.

“Em todo o mundo, as pessoas estão exigindo que os governos tomem medidas para proteger o clima. Mas suas vozes são repetidamente caladas pelo poder corruptor das empresas de petróleo e gás que lucram com a degradação ambiental”, critica Mads Christensen, diretor executivo do Greenpeace International, no relatório. As empresas estão usando bilhões “para silenciar críticos e ativistas, comprar poder e desmantelar as medidas que protegem nossas famílias e nosso planeta”, acrescenta.

Corrupção assola a maioria dos países

Uma vez que a corrupção está aumentando em escopo e complexidade, o levantamento de 2024 aponta que mais de dois terços dos países estão abaixo da média de 50 pontos, “com implicações enormes e potencialmente devastadoras para a proteção climática global”, o que afeta quase 6,8 bilhões de pessoas, ou seja, 85% da população mundial, atualmente em 8 bilhões.

Os países com as pontuações mais baixas são fragilizados por conflitos, como Sudão do Sul (8), Somália (9), Venezuela (10), Síria (12), Líbia (13), Eritreia (13), Iêmen (13) e Guiné Equatorial (13).

Na outra ponta do ranking, pela sétima vez consecutiva, a Dinamarca é o país com o menor nível de corrupção, com 90 pontos, e é seguida de perto por Finlândia (88), Cingapura (84), Nova Zelândia (83) e Luxemburgo, Noruega e Suíça (todos com 81). A Alemanha divide o 10º lugar com o Canadá, ambos com 75 pontos.

Mais de mil ambientalistas assassinados

O índice também destaca as vítimas da corrupção climática. Ambientalistas, que muitas vezes estão na vanguarda da luta contra a crise do clima, são regularmente submetidos a intimidação, violência e até mesmo assassinatos, um alto risco principalmente em países com graves problemas de corrupção.

“Praticamente todos os 1.013 assassinatos de ambientalistas desde 2019 ocorreram em países com pontuações abaixo de 50”, aponta o índice.

O IPC reforça o forte contraste entre países com instituições fortes e independentes, além de eleições livres e justas, e aqueles com regimes autoritários repressivos. As democracias plenas têm pontuação média de 73 no ranking, enquanto os regimes autoritários, 29.

Para o presidente da Transparência Internacional, François Valérian, “a corrupção é uma ameaça global crescente que prejudica muito mais do que apenas o desenvolvimento, sendo uma das principais causas do declínio da democracia, da instabilidade e das violações dos direitos humanos”.

Para ele, a luta contra a corrupção deve ser uma prioridade máxima da comunidade internacional. “Isso é crucial para afastar o autoritarismo e garantir um mundo pacífico, livre e sustentável”, afirma.

Desde que começou a ser publicado, em 1995, o Índice de Percepção da Corrupção é considerado o principal termômetro sobre a corrupção em todo o mundo, baseando-se também em dados de fontes como o Banco Mundial, o Fórum Econômico Mundial, consultorias privadas, think tanks e outras organizações.