DINHEIRO – As montadoras não fecharam o ano com chave de ouro, mas registraram o melhor resultado da história. Como 2008 será lembrado?
JACKSON SCHNEIDERPodemos dizer que 2008 teve dois anos em um. É preciso dividir em duas partes distintas. Antes de setembro foi de um jeito, com recordes atrás de recordes. Mas de lá para cá, várias quedas. A retração de 47,1% na produção em dezembro reflete, principalmente, as férias coletivas. O estoque estava alto. Em vendas, o último mês do ano cresceu 9,4% ante novembro, num sinal de recuperação. Mesmo com alguns re- Entrevista / Jackson Schneider, presidente da Anfavea cuos, tivemos um ano muito bom. O crescimento, de janeiro a dezembro, na comparação com o acumulado de 2007, atingiu 14,5%. Foram 2,82 milhões de unidades. É o melhor resultado da história. Indiscutivelmente, o melhor ano da indústria.

DINHEIRO – Se foi o melhor ano da história, o que explica as recentes demissões do setor?

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SCHNEIDER Em dezembro, 3.208 postos de trabalho foram fechados, sendo 1.240 ligados ao segmento de máquinas agrícolas, um dos mais afetados pela conjuntura adversa e problemas de crédito. As vendas de colheitadeiras, por exemplo, praticamente pararam no fim do ano. As 1.968 vagas fechadas no mês nas linhas de produção de veículos estão ligadas à questão das exportações. Mercados importantes para nós, como México, Argentina, África do Sul e Rússia, caíram muito desde o meio do ano. Apesar desses cortes, encerramos o ano com saldo positivo de 7,6 mil contratações. Um bom resultado.

DINHEIRO – As demissões devem continuar?
SCHNEIDER Acredito que não. Alguns ajustes foram feitos e há sinais de recuperação das vendas. Não retornaremos ao ritmo que estávamos antes de setembro, mas haverá um ponto de equilíbrio.

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DINHEIRO – As montadoras têm aproveitado o ambiente de crise para pedir flexibilização das leis trabalhistas. A Renault já suspendeu cinco mil contratos de trabalho por cinco meses e quer que o prazo seja estendido para dez meses. Trata-se de necessidade ou oportunismo?
SCHNEIDERQualquer medida para preservar empregos e manter a atividade da indústria é bem-vinda. É bom em tempo de crise ou sem crise. A flexibilização da CLT tem sido debatida há muito tempo, e ganha mais força nessas fases. Quanto às demissões, cada montadora tem necessidades específicas. Não conheço a realidade individual delas. Falo em nome do setor. Por isso, cada companhia tem adotado decisões que considera necessárias.

DINHEIRO – Existia um acordo com as montadoras para não demitir?
SCHNEIDER Não. O compromisso era de repassar ao preço final dos veículos a redução do IPI. Isso foi feito.

DINHEIRO – Não seria hora de tentar negociar também uma redução permanente de impostos, em vez de algo apenas provisório?
SCHNEIDERMesmo com a redução do IPI, o carro brasileiro continua realmente entre os mais taxados do mundo. Sem dúvida, isso tira a competitividade do setor no Exterior. Mas não acredito numa redução no curto prazo. Isso leva tempo.

DINHEIRO – A Anfavea cogita propor ao governo federal a extensão do corte do IPI por um período maior, além de 31 de março?
SCHNEIDERO corte de impostos funciona e a redução do IPI provou isso. Mas não estamos trabalhando com essa possibilidade. O prazo que nos foi apresentado pela equipe econômica do governo foi 31 de março. Estamos com essa data em mente.

DINHEIRO – Esse tempo será suficiente?
SCHNEIDERSaberemos no final de março.

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DINHEIRO – O crédito começa a se restaurar, mas o custo dos empréstimos está alto e a confiança do consumidor, em baixa. Quando a situação voltará ao normal?
SCHNEIDERBom, a confiança do consumidor vai se elevar junto com o cenário macroeconômico. Muito vai depender da reação do mundo ao pacote que será anunciado pelo presidente Barack Obama, nos Estados Unidos. A questão do crédito é mais complexa. O crédito voltou mais caro. Não basta ter dinheiro para emprestar, sendo que o custo do dinheiro, que não são apenas os juros cobrados ou a Selic, está elevado. Temos duas questões para avaliar: uma é a do custo e outra a seletividade. Quando havia mais crédito, estava mais fácil. Além disso, a questão do carro usado é um grande desafio.

DINHEIRO – Qual é a questão do carro usado?
SCHNEIDERAs vendas de usados precisam se normalizar para que a venda de carro novo também se normalize. Hoje, o segmento de usado se apresenta como um gargalo. É uma questão de física. A garagem é uma só. Tem de sair o veículo usado para entrar o novo.

DINHEIRO – O pior já passou?
SCHNEIDER Temos uma expectativa positiva para 2009. Olhamos para o mercado interno de uma forma positiva. No mercado externo ninguém sabe. Temos que examinar isso com mais cuidado. Por isso precisamos de mais tempo para avaliar. As iniciativas implementadas pelo governo chegaram à ponta, ao consumidor, só no final do mês. Muito pouco tempo para concluir sua dimensão. Porém, já se nota que foram extremamente positivas, na direção certa.

DINHEIRO – Quais são as projeções para o ano?
SCHNEIDERAinda não fizemos projeções. Estamos aguardando um pouco mais. Há por trás de nós uma indústria que faz planejamentos de longo prazo, baseados em estudos aprofundados. Quem planeja espera que meu dado tenha consistência. Falaremos em números nas próximas semanas. Não vou especular.

DINHEIRO – É possível medir os impactos do esfriamento de alguns setores da economia, como agricultura e construção civil, no ramo automotivo?
SCHNEIDERHá empresa de agronegócio, assim como em outros setores, em dificuldade de caixa, mas existem outras aproveitando para comprar. Na construção civil, por exemplo, o governo anunciou um grande volume de recursos para estimular o segmento. Para fazer uma previsão consistente, temos que ter mais tempo.

DINHEIRO – Quais os setores que mais preocupam?
SCHNEIDERNão existe um mais, outro menos. Todos são importantes para nós. Temos que, de modo geral, manter um ritmo consistente para que, quando um setor diminuir de um lado, outro possa compensar.

DINHEIRO – Alguma empresa já anunciou para a Anfavea cancelamento ou suspensão temporária de investimentos?
SCHNEIDER Não tenho nenhuma informação desse tipo até agora. As montadoras fazem planos de longo prazo. Não mudam por questões pontuais. Afinal, antes de investir, as empresas negociam com as matrizes, compram os equipamentos e enxergam o mercado para mais de um ano.

DINHEIRO – Na quarta-feira 7 houve uma reunião sua com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O assunto foi a crise?
SCHNEIDERConversamos sobre vários assuntos e fizemos uma avaliação, junto com outras pessoas, dos primeiros reflexos da redução do IPI. Nada além disso.

DINHEIRO – E a questão do dólar?
SCHNEIDERO dólar precisa se acomodar. Dia desses a cotação estava em R$ 1,80, passou para R$ 2,55 e depois voltou para R$ 2,18. Dada essa volatilidade, fica difícil fazer qualquer projeção. No entanto, é indiscutível que atrapalha muito.

DINHEIRO – Qual é o valor ideal?
SCHNEIDERDifícil. Não vou ousar dizer qual é meu ponto de conforto do dólar.

DINHEIRO – E os juros?
SCHNEIDEREstamos na expectativa. Vamos aguardar a próxima decisão da reunião do Copom.

DINHEIRO – Muito se falou em 2008, mas poucas medidas efetivas foram tomadas para amenizar os impactos da crise mundial no País. Concorda?
SCHNEIDERNão. O governo agiu e, em nosso setor, os resultados apareceram. As empresas colocaram ações em prática para controlar os estoques, que estavam altos. Havia mais de 300 mil carros nos pátios. Não se resolve crise com palavras.

DINHEIRO – Apesar da crise, o Brasil ganhou posições no ranking mundial.
SCHNEIDER É verdade. Com o desempenho de 2008, nosso mercado interno deve superar Grã- Bretanha, França e Itália. Passaremos da oitava para a quinta posição no ranking. Isso é excelente. Em produção também ganhamos espaço. Devemos superar a França e assumir a sétima colocação. Digo que devemos porque muitos países ainda não divulgaram seus resultados.