Há pouco mais de um ano, as operadoras de telefonia celular em Mato Grosso do Sul são obrigadas a conceder 50% de desconto na conta para consumidores que sofrem de distúrbios da fala – ou gagueira. Conhecida no setor como a Lei do Gago, ela foi proposta com a boa intenção de equacionar a conta de quem, devido ao problema, inevitavelmente demora mais ao telefone. “O celular é um instrumento de trabalho e pago R$ 3,5 mil de conta por mês”, disse o deputado estadual Diogo Tita (PPS), autor do projeto apresentado em 2009 e aprovado no ano passado. “Se fosse gago, seriam R$ 10 mil.”  Como a lei de Tita, existem no País milhares de normas que andam tirando o sono e cifrões de empresas. Podem parecer anedotas jocosas da política regional. Na prática, geram uma custosa guerra judicial travada pelo setor privado em busca da anulação dessas leis estaduais e municipais bem-intencionadas que, na opinião das empresas, não passam de cortesia com o chapéu alheio.

Trata-se de uma tarefa hercúlea. Embora consigam manter os 27 legislativos estaduais sob constante monitoração, as empresas praticamente não conseguem acompanhar as discussões nas 5.564 câmaras de vereadores espalhadas pelo Brasil, nas quais nasce a maioria das leis problemáticas. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), por exemplo, mantém um catálogo com 17 normas estaduais e mais de 600 municipais que impõem a adoção de medidas de segurança nas agências bancárias. Elas são contestadas nos tribunais estaduais de Justiça ou na Justiça Federal porque não estão previstas ou simplesmente afrontam a legislação federal que descreve as medidas de segurança obrigatórias para as agências bancárias, revisadas anualmente  pelos bancos em conjunto com a Polícia Federal. “Isso gera uma confusão enorme porque não sabemos que lei cumprir: a federal, a estadual ou a municipal”, diz  Antonio Carlos Negrão, diretor jurídico da Febraban. “Muitas são contraditórias.”

 

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Negrão, da Febraban: “A confusão é enorme. Não sabemos que lei cumprir: a federal, a estadual ou a municipal”

 

Outro tema caro aos legisladores de plantão é a acessibilidade – já garantida por lei federal. Na cidade gaúcha de Novo Hamburgo, todas as agências bancárias devem contar com “um pequeno estrado móvel”, no formato de escada, para que pessoas que sofrem de nanismo possam ficar à altura do balcão. Grande parte das leis generosas aprovadas por Estados e municípios é contestada quando vereadores e deputados estaduais se aventuram a legislar sobre assuntos de competência exclusiva da União. É o caso não apenas das medidas de segurança para bancos, mas de todas as leis que impõem obrigações a concessionárias de serviços públicos, regidas por legislação federal. “Já perdi a conta das vezes que contestamos leis que acabam com a assinatura básica”, relata Eduardo Levy, presidente do Sinditelebrasil, entidade que congrega as operadoras de telefonia fixa e móvel. Em 2006, por exemplo, as empresas de energia elétrica do Rio de Janeiro passaram a ser obrigadas a notificar com 48 horas de antecedência o envio de equipes para inspecionar anomalias na rede. 

 

Na prática, a lei dava salvo-conduto para os consumidores que faziam ligações clandestinas, os chamados “gatos”, concendendo prazo para que a irregularidade fosse desfeita. A lei durou até 2010, quando foi derrubada pelo Tribunal de Justiça do Rio. Nem as empresas nem as entidades têm estimativas de quanto custa exatamente a guerra contra as leis generosas. Fato é que são obrigadas a manter robustos departamentos jurídicos para dar conta das ações judiciais e acompanhar ações que não têm prazo para ser julgadas. “É um processo moroso, dispendioso e desgastante”, afirma Nelson Fonseca Leite, presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee). 

 

Um dos casos mais peculiares é a Emenda nº 24/2008 à Constituição do Paraná, que vedou, num arroubo estatizante, a participação de empresas privadas nos serviços de água e esgoto nos municípios do Estado. “A lei pode criar um precedente perigoso para outros Estados fazerem o mesmo”, disse à DINHEIRO Carolina Mosseri, advogada do escritório Lacaz Martins, que representa a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon). “Tentamos mostrar para o STF quão temerário é alijar a iniciativa privada dos serviços de água e esgoto.”

 

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