01/07/2009 - 7:00
![]() Açúcar para as pessoas,… | ![]() …combustível para os automóveis…. |
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A sequência frenética de aquisições da Cosan, o maior grupo sucroalcooleiro do Brasil, esconde o tipo de problema comum às companhias com fome de crescimento rápido. Na sobreposição de novos ativos que se somam à estrutura antiga, inicialmente sobram perdas e falta sinergia. Há pelo menos uma década comprando empresas, a Cosan vive na busca contínua de uma integração perfeita de suas operações. São 21 usinas, 43 mil funcionários diretos e uma área de cana-de-açúcar cultivada equivalente a mais de 600 mil vezes um campo de futebol.
Além disso, colecionou empresas dos mais variados setores, da distribuição de combustíveis, com a Esso, à produção de açúcar refinado, com a marca União. Cada um desses braços possui diferenças significativas em seus padrões de gestão, em suas culturas e em seus procedimentos. Pois chegou a hora de transformar essa colcha de retalhos corporativa em um grupo empresarial único, cuja face mais visível é o lançamento de uma nova logomarca.
A meta é integrar todas as operações, respeitando a individualidade de cada setor – uma tarefa que Rubens Ometto, controlador e maestro dessa orquestra, costuma resumir na seguinte expressão: produzir energia elétrica para as casas, etanol para o carro e açúcar para as pessoas. Isso não quer dizer que o fôlego comprador de Ometto esteja adormecido.
“Se bobear, eu pego”, disse ele a um grupo de amigos, em tom de brincadeira, durante evento recente. Agora mesmo, ele estaria negociando a compra do Açúcar Guarani, do grupo francês Tereos. A necessidade de integração dos ativos tornou-se mais urgente desde que a Cosan entrou no mercado de varejo de combustíveis, um terreno desconhecido para ela e cercado de rivais de peso.
Ela comprou os 1,5 mil postos da rede Esso, numa de suas operações de compra mais caras já feitas pelo grupo até hoje (US$ 826 milhões). É exatamente aí que está boa parte do atual esforço de integração da Cosan. Após o anúncio da aquisição, em abril de 2008, um comitê formado por integrantes da Esso e da Cosan passou quatro meses juntos.
Ele montou um projeto de reposicionamento da marca. A Esso vai abraçar a causa verde do etanol e usar a imagem de combustível ecologicamente correto. E a expansão orgânica já começou. Silenciosamente, ela tem transformado em unidades da Esso os postos de bandeiras brancas (que trabalham com combustíveis de marcas variadas). Foram 27 migrações apenas em 2008, sendo 13 no Estado de São Paulo. É mais que o dobro do ano anterior.
Desde março, as 58 bases de distribuição de combustível da Cosan já operam de forma integrada à cadeia de postos. Tem mais: os pontos estão sendo revitalizados e até a cafeteria dos pontos foi repaginada. A venda média mensal das lojas reformadas pulou de R$ 57 mil ao mês para R$ 97 mil, segundo apurou a DINHEIRO em relatórios da gerência de divisão de lojas da Cosan. E a empresa já foi procurada para uma nova associação.
O grupo de alimentação espanhol Áreas chegou a sondar o comando da Esso há dois meses. Propuseram abrir restaurantes nos postos e pagar aluguel pelo espaço. A empresa não confirma. “Não descartamos nada, mas não há negociação”, diz Marcos Lutz, vice-presidente de comercialização e logística do grupo.
” Se bobear, eu pego”
ceo do grupo e presidente do conselho de administração da cosan, em conversa com amigos prôximos
Na Cosan, ninguém fala também nas economias geradas na integração da Esso com o grupo. “Só posso dizer que já realizamos boa parte da sinergia”, disse Lutz à DINHEIRO. A princípio, tanto no caso da Esso como das novas usinas compradas, Ometto evita centralizar questões que não sejam realmente estratégicas. E mexe muito pouco nos parques fabris adquiridos logo após o fechamento do negócio. Não há isso de “choque de gestão”.
“Ometto delega o que pode e, se acredita no time, ele deixa trabalhar, como é o caso da Esso”, diz Eduardo Carvalho, conselheiro da Unica, entidade do setor de açúcar e álcool. Após aquisições, o segundo e terceiro escalões das usinas acabam mantidos, mas os principais executivos são indicados pela Cosan, que dessa forma passa a acompanhar tudo de perto.
Em certos casos, percebeu-se, no entanto, que era preciso aparar muitas arestas. Padrões internos de empresas adquiridas variavam muito – desde o modelo de controle de pragas nas lavouras ao sistema de software que administra a entrada de insumo e saída do álcool da usina. “O trabalho principal é capturar o que cada usina tem de melhor”, repetia Paulo Diniz, vice-presidente financeiro e um dos braços diretos de Ometto até abril passado. Alguns exemplos: enquanto a Cosan trabalha utilizando tecnologia SAP desde 2007, na Benálcool (vendida pelo Grupo J.Pessoa em 2008) não existia sistema de controle instalado da mesma magnitude.
Havia ainda ineficiência em certas operações. O índice de rendimento industrial das usinas de Bonfim, adquirida em 2006, e Mundial, comprada um ano antes, estava abaixo da média do grupo Cosan até o início de 2008, apurou a DINHEIRO, com base em relatórios internos.
Na usina de Tamoios, do grupo há dois anos, o aproveitamento agrícola estava ligeiramente inferior à taxa média no mesmo período. Perdas na recepção da cana ou na moenda abaixam o índice. Por isso, a Cosan está tendo de estender, para as últimas usinas que comprou, o que ela chama de Key Performance Indicators (Indicadores-Chave de Performance).
A ideia é que todas as usinas tenham controles de performance padronizados e que isso possa ser apresentado, por região do Estado ou do País, em reuniões mensais. O que a Cosan quer é integrar, mas ao mesmo tempo gerar competição interna nas suas 21 usinas (outras duas estão em construção). É muito da cartilha usada pelas empresas de Jorge Paulo Lemann, a quem Ometto reverencia por ter implementado a prática de uma meritocracia rígida baseada em resultados.
Na Cosan, todas as usinas adquiridas já têm acesso aos dados de desempenhos individuais. A regional de Araçatuba acompanha a performance de Jaú, Araraquara e Piracicaba. “Ao mesmo tempo que os resultados são apresentados nas reuniões todos os meses, as correções são feitas, em tempo real, na mesa de discussão”, conta um ex-executivo do grupo.
Boa parte dos US$ 3,8 bilhões captados pelo grupo no mercado foi gasta em aquisições de usinas de cana
Mudanças também acabaram atingindo a cadeia de comando da Cosan. A companhia cresceu tanto que passou a existir uma sobrecarga de trabalho no braço industrial do grupo. Foi preciso contratar mais gente e redividir as tarefas.
Chegaram a pipocar rumores de disputas de poder internas e ruídos na comunicação na área de novos projetos. Tudo porque o engenheiro Antonio Stuchi, com 25 anos de experiência no setor, foi chamado pelo grupo há um ano para dividir tarefas com o vice-presidente industrial Armando Viotti, que cuidava de todo o processo produtivo. A empresa correu para jogar panos quentes. “O que existia era sobrecarga de trabalho”, explicou num jornal interno o vice-presidente geral, Pedro Mizutani.
O interessante é que parte das decisões estratégicas adotadas recentemente tem relação com planos de operação de empresas vitoriosas em seus setores. A Cosan tem, por exemplo, um projeto ambicioso na área logística. Ela tem dito que quer tornar a Rumo, o braço logístico da companhia, na maior empresa de escoamento de açúcar do Brasil. O objetivo final é integrar porto, estradas e ferrovias, copiando o modelo das mineradoras de ferro, como a Vale do Rio Doce. Inclusive, logo após a Vale anunciar a remodelação de seu logo em novembro passado, a Cosan iniciou os mesmos trabalhos nesse sentido.
A nova logomarca foi apresentada aos funcionários em fevereiro, num encontro fechado em Angra dos Reis (RJ). A DINHEIRO apurou que a empresa aproveitaria o momento de anúncio do logotipo para apresentar ao mercado uma nova Cosan, com campanha publicitária que revelaria os reflexos positivos do seu processo de integração recente. Efeitos negativos da crise, que inclusive afetaram os resultados do grupo em 2008, teriam feito a proposta perder fôlego internamente.
Maior produtora e processadora de açúcar do mundo, e maior exportadora de álcool do planeta, a empresa já teria 60% de sua receita oriunda de ativos comprados desde 2000. Boa parte dos mais de US$ 3,8 bilhões obtidos pela empresa com emissões de títulos de dívida e de ações desde 2000 foi usada para finalizar aquisições costuradas por Ometto.
Em apenas quatro anos, a companhia mais que dobrou de tamanho em termos de receita. Faria todo o sentido se reorganizar desfazendo- se de operações que não lhe interessam. Em maio, a venda para a Shell, por US$ 75 milhões, do braço de combustível para aviação é um exemplo disso. Acaba sendo um dinheirinho extra na dívida global do grupo (em R$ 4,2 bilhões de maio a janeiro, 65% a longo prazo). E um negócio a menos para ocupar a cabeça de Otto”