06/10/2004 - 7:00
JOSUÉ GOMES DA SILVA: “É inevitável que a Coteminas cresça no exterior”
O empresário Josué Gomes da Silva, principal acionista da Coteminas, interrompe, abandona por alguns instantes a calculadora, faz o sinal da cruz e espera seu jatinho, um Citation Excel, levantar vôo a partir do aeroporto de Montes Claros rumo a São Paulo. Já no ar, mergulha novamente nos cálculos até chegar ao resultado que procurava. ?Só na fábrica de Campina Grande produzimos 3,5 bilhões de quilômetros de fio. Como um metro é a décima milionésima parte da distância entre a linha do Equador e o Pólo Norte, nossa produção seria suficiente para dar mais de 85 mil voltas na Terra?, afirma ele. Aos 40 anos, Silva não é dado ao auto-elogio como esta conta pode sugerir, mas é um entusiasta dos números. Recita-os em seqüência, sem vacilar, ligando uns aos outros e traçando, com eles, um desenho lógico do perfil de sua organização. ?Se os números forem precisos e honestos, tornam-se um retrato fiel dos negócios. Não há forma melhor de acompanhar o desempenho de uma companhia?, explica ele. É uma paixão antiga. Josué aprendeu contabilidade aos oito anos de idade. O mestre foi o próprio pai e fundador da Coteminas, José Alencar, hoje vice-presidente da República. Nas ?aulas?, criavam uma empresa fictícia que vendia, comprava, tomava emprestado, etc. Hoje, se quiser, Josué poderá encontrar nos números todos os motivos que levaram a sua Coteminas, maior indústria têxtil do País, a ser ?A Empresa do Ano?, na primeira edição do ranking AS MELHORES DA DINHEIRO, a melhor entre 400 companhias que participaram do levantamento.
? No último balanço, a Coteminas apresenta um crescimento de 24% em sua receita líquida em relação ao anterior, enquanto a economia do País encontrava-se estacionada.
? No mesmo período, o lucro líquido bateu em R$ 167 milhões, expansão de 8,5%.
? As exportações subiram 38%, e garantiram metade das receitas colhidas
pela companhia.
? Sozinha, a Coteminas é responsável por 20% do consumo nacional de algodão.
? Graças à escala obtida nos últimos anos, a geração de caixa anual bate na
casa de R$ 450 milhões.
? Neste ano, o grupo incluiu duas novas unidades ao seu portfólio. Em apenas cinco meses, ergueu uma fábrica na Argentina, a primeira no exterior. Meses atrás, anunciou a compra da Santanense, tradicional fiação mineira.
? Duas mil crianças estudam em escolas bancadas pela empresa.
O caminho que levou a Coteminas a tal posição começou a ser pavimentado no início da década de 90, justamente quando o setor vivia uma das mais profundas crises da história. Na ocasião, o governo de Fernando Collor de Mello escancarou o mercado brasileiro, eliminando alíquotas e derrubando barreiras de importação. O setor se dividiu em dois. A maior parte das empresas ficou à espera de uma volta ao passado e ajuda governamental. Outra parcela, bem menor, resolveu ombrear com os concorrentes internacionais. A Coteminas estava na segunda turma. Grupos de engenheiros e executivos percorreram fábricas de todo o mundo, sobretudo na Ásia. No final do périplo, saiu o diagnóstico. A Coteminas tinha tecnologia, matéria-prima abundante e de boa qualidade, energia elétrica barata e mão-de-obra bem treinada. ?Só nos faltava escala na produção?, afirma Josué. A partir daí, um plano estratégico foi traçado ? um ?plano simples, mas executado com rigor e disciplina?, diz ele. A primeira etapa foi aumentar a capacidade de produção. Mas faltava dinheiro barato para isso. A Coteminas foi buscá-lo na bolsa de valores. Em 1992, vendeu 50% do capital total e com o dinheiro arrecadado saiu às compras de máquinas.
O segundo passo foi a verticalização. A Coteminas fabricava fios e tecidos e resolveu fazer produtos de consumo. Para isso, precisava de marcas, marcas fortes. Arrematou a Artex, tradicional fabricante de toalhas, e levou também a Santista, de lençóis e roupas de cama. Nas duas etapas, US$ 1 bilhão foi desembolsado. Mas os resultados apareceram. Entre 1992 e 2004, a produção da Coteminas saltou de 15 mil toneladas para 170 mil toneladas. O faturamento acompanhou o ritmo e, nesse período, saiu de US$ 35 milhões para chegar aos US$ 700 milhões.
Com a casa em ordem, Josué partiu para o terceiro capítulo de sua história: a internacionalização. Mais de 65% das cotas de exportação de tecidos brasileiros para os EUA são cobertos com produtos da Coteminas. Parte dos produtos é fabricada aqui e enviada para lá. Além disso, tecidos da Coteminas são enviados para território americano e lá recebem o acabamento final. Para isso, firmou uma parceria com a Springs, dona de uma marca popular entre os americanos. Uma outra parcela vem da fábrica recém-inaugurada na Argentina, na província de Santiago Del Estero. ?É inevitável que a Coteminas cresça no exterior?, afirma Josué. O alvo tem nome e endereço conhecido: o mercado americano. Meses atrás, a Coteminas participou do leilão da Pillowtex, uma companhia têxtil em processo de falência. Junto com outros grupos, fez uma oferta de US$ 86 milhões. Não levou, mas também não desistiu. ?Estamos analisando todas as oportunidades que aparecem?, afirma ele. O interesse reside em marcas já conhecidas pelo consumidor americano.
AÇÃO SOCIAL Nas escolas da Coteminas, as crianças recebem de alimentação a uniforme de graça
A internacionalização pode ser um marco da gestão de Josué na Coteminas. Às vésperas de completar 41 anos, o filho do ?seu? Alencar, nascido em Ubá (MG), desembarcou na Coteminas aos 15 anos de idade. ?Ninguém sabia que eu era filho do dono?, diverte-se Josué. ?Certo dia, um engenheiro falou para meu pai: ?Seu Alencar, pode contratar aquele garoto que ele é muito bom?.? Josué chegou e nunca mais saiu. Passou por todas as áreas da companhia e só se afastou durante o MBA que cursou na Universidade de Vanderbilt, nos EUA. Terminou em primeiro lugar numa turma de 233 alunos. Antes, já havia conquistado os canudos de Engenharia e Direito, em Belo Horizonte. Desde 1989, vive em São Paulo. Mas não perdeu o sotaque interiorano e tampouco a fala mansa característica de seus conterrâneos. Josué fala com desenvoltura sobre negócios, mas sua voz sobe alguns tons quando o assunto é política. Aí o sangue mineiro se manifesta. As críticas são contundentes, mas não agressivas e sempre pontuadas de ?causos?, envolvendo personagens (mineiros, é óbvio) de diferentes épocas, de José Maria Alkmin, um dos mais astutos políticos brasileiros, a Itamar Franco. Um de seus alvos preferidos é a falta de crescimento do País e os juros altos ? bem, afinal ele é filho de José Alencar.
Enfim, Josué tem tudo de político ? o berço mineiro, o legado do pai, o gosto pelo debate, a fluência da fala. E a carreira política, quando será? ?Apesar da política estar no sangue mineiro, basta um político na família?, diz ele, mineiramente. Josué não desconversa quando o assunto é o trabalho social desenvolvido pela Coteminas. ?As empresas, mais do que paredes e máquinas, são feitas de pessoas?, diz Josué. Trata-se de uma lição aprendida com o pai José Alencar e seguida como um dogma. Basta pisar em Montes Claros, a cidade de 300 mil habitantes no norte de Minas Gerais, para entender o que isso significa. A empresa assina a carteira profissional de três mil funcionários e é uma das maiores fontes de investimento social da região.
Nesse departamento, a menina dos olhos de Josué é o Centro Educacional Coteminas, localizado no centro de Montes Claros. Trata-se de um colégio modelo. ?Inauguramos em 1997 e formaremos a primeira turma, da oitava série, no próximo ano?, diz Josué. A infra-estrutura proporcionada para os mais de 600 estudantes é de primeira. Há refeitório, 17 salas de aula, quadra poliesportiva, auditório, salas de vídeo e um espaço para atividades artísticas. Os alunos também recebem uniforme gratuito e têm condução gratuita em cinco ônibus da empresa. Pode parecer um mero detalhe, mas é crucial para manter a alta freqüência nas classes. Motivo: a maioria das crianças mora na periferia, e teria dificuldades em se deslocar até a escola. Melhor do que milhares de palavras sobre esse projeto é o depoimento da pequena Larissa Gonçalves de Souza, de 9 anos. A estudante da segunda série do primeiro grau é filha de um funcionário da empresa. Chega na escola às 13 horas e lá permanece até às 17h30. ?Adoro vir para cá e estudar português e geografia?, diz Larissa, que já faz planos para o futuro. ?Quero ser delegada?, diz ela com determinação. Não é à toa que as coleguinhas a consideram ?mandona?.
Ela pode até mudar de profissão quando ficar adulta, mas é o estudo que possibilita o seu sonho e de outras centenas. ?A empresa paga a educação de quase duas mil crianças em todo o País?, diz Josué. Além de fornecer ensino básico, a Coteminas também atua fortemente na área de capacitação profissional para jovens carentes, através do projeto Formare, da Fundação Iochpe. Os próprios funcionários da Coteminas preparam jovens para o mercado de trabalho. Os aprendizes recebem alimentação, transporte e até assistência médica. Hoje, a companhia tem seis turmas de 20 alunos cada. Deste total, 20% são aproveitados nas próprias linhas de produção e o restante é absorvido pelo mercado todos os anos.
Dentro de casa, a Coteminas segue os mesmos princípios. No ano passado, por exemplo, a companhia aplicou R$ 78 per capita no treinamento de cada um dos seus 12,2 mil funcionários ? 30% a mais do que em 2002. ?Mão-de-obra qualificada é uma das bases para quem pretende crescer?, diz Josué. É também um fator de motivação para o pessoal. Outro é o investimento constante. Um exemplo? Em 1998, quando a Coteminas assumiu a fábrica de toalhas da Artex, em João Pessoa, a empresa estava sucateada e os funcionários desmotivados. ?Os antigos controladores não trocavam nem um cano furado?, diz Josué. A primeira atitude do executivo foi investir em novos equipamentos. ?Quando as máquinas chegaram os olhos dos funcionários brilhavam?, diz Josué. ?Pareciam crianças ao ganhar o primeiro brinquedo.?
O chefe de fiação da unidade de Montes Claros, Orlando Barbosa, é um representante dessa estirpe.
Aos 70 anos, chegou à empresa na sua fundação, em 1975, e até hoje vibra com cada novo equipamento da linha de produção. ?É muito gratificante estar numa empresa que evolui?, diz ele. Na semana passada, o coração do antigo empregado bateu mais forte. Duas máquinas alemãs, usadas para tirar as impurezas dos tecidos, avaliadas em US$ 7 milhões, desembarcaram
na companhia ? para substituir outras com menos de
10 anos de uso. ?Não podemos perder a corrida tecnológica?, afirma Josué. ?Investimos 1% do nosso faturamento em pesquisa e desenvolvimento.?
A empresa mantém um grupo de 100 técnicos e engenhe-
iros. Daí surgiram 30 patentes registradas em nome da Coteminas. Algumas delas criaram melhorias incorpora-
das pelos próprios fabricantes de máquinas e equipamen-
tos. A tecnologia também é usada a serviço do meio ambiente. Atualmente, a Coteminas tem as estações de tratamento de efluentes mais modernas do País, todas certificadas por organismos internacionais e auditores do Banco Mundial. Mais: a empresa investiu no reflorestamento de 100 milhões de metros quadrados em diversas áreas. É a garantia de perenidade das árvores e, quem sabe, da própria Coteminas. Afinal, Josué sabe que, além dos números que tanto aprecia, uma empresa hoje precisa cuidar da comunidade e do ambiente que a cerca.
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AS LIÇÕES DO PATRIARCA JOSÉ ALENCAR
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