15/03/2021 - 8:01
Bryan, de 8 meses, tem os olhos grandes da mãe. Já Helena herdou o tom de pele, clarinho. Do berço, Arthur sorri para o pai, viúvo, que responde com choro. Bryan, Helena e Arthur nasceram ao mesmo tempo em que as mães partiam, vítimas da covid-19. Desde março, a doença faz milhares de órfãos no País. Para essas crianças não houve sequer a chance de conhecer quem as trouxe ao mundo.
O Brasil registrou mortes de 506 gestantes ou puérperas, mulheres que acabaram de ter bebês. Os óbitos atingiram o pico em junho, caíram a partir de setembro e voltaram a subir em dezembro.
Segundo dados do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe), compilados pelo jornal O Estado de S. Paulo, só em janeiro deste ano foram 17 mortes de gestantes ou puérperas. Com o descontrole da doença, a previsão é de que as taxas aumentem.
O País tem o maior número absoluto de mortes de grávidas pela covid-19 das Américas e taxa de mortalidade nove vezes maior do que a média dos países da região, segundo relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Cinco em cada cem grávidas brasileiras infectadas não resistiram.
As mortes ocorreram durante cesarianas antecipadas, em ambulâncias, a caminho de hospitais. Parte das gestantes nem chegou a receber cuidados em UTI. Outras conseguiram dar à luz, mas não conheceram o filho.
Agora, os viúvos olham para suas crianças, nascidas na pandemia, e enxergam nelas os traços das mulheres que se foram. Revisitam na memória os corredores do hospital – reveladores, de uma só vez, da vida e da morte. E, nas primeiras palavras e sorrisos dos bebês, veem também um pouco de esperança e um motivo para continuar.
Assistência
Os números de morte materna causada pela covid-19 revelam falhas na assistência às gestantes e pressionam as discussões sobre a vacinação prioritária desse público. Das 250 grávidas e 256 mulheres após o parto que morreram após contrair a doença, um quarto não recebeu atendimento em UTI, segundo o Sivep-Gripe.
“Elas morreram em condição de extremo sofrimento e a maioria dessas mortes poderia ter sido evitada”, afirma Melania Amorim, professora de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Campina Grande (PB).
Interrupções nos serviços de assistência ao pré-natal também podem ter concorrido para a alta de mortes e, segundo Melania, os óbitos são só a ponta do iceberg. “Para cada morte materna há 30 mulheres com complicações.”
Silvana Maria Quintana, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), diz que, mesmo sem comorbidades, grávidas têm risco maior de complicações e mortes pela covid-19 pelas alterações no corpo causadas pela gestação, como a redução da capacidade de respiração.
Já as puérperas continuam com alterações fisiológicas e o corpo leva um tempo até se reorganizar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.