Quase dois anos após o início da pandemia da Covid-19, políticos e Governos pressionam para que se comece a tratar o vírus como outra qualquer doença problemática, mas gerenciável – como a gripe sazonal – no entanto, há diversos especialistas que alertam que tal abordagem pode ser prematura e que deixa uma imagem excessivamente otimista do que ‘viver com a Covid-19’ na verdade significa.

Já diversos países dão passos no sentido da ‘situação endêmica’, apesar da variante Ômicron continuar a gerar enormes ondas de infecções. Reino Unido, Dinamarca e Suécia abandonaram quase todas as restrições pandêmicas com os respetivos líderes a enfatizar que devemos “aprender a viver” com o vírus e fazer a transição da Covid-19 como uma doença pandêmica para uma endêmica.

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“Com poucas exceções, os políticos não entendem o significado ou importância da endemicidade”, apontou Johan Swartzberg, especialista em doenças infecciosas da escola de saúde pública da Universidade da Califórnia em Berkeley, em declarações à revista ‘Forbes’. “Endemia significa estável ou constante presença de uma doença” dentro de uma área definida”, reforçou.

O que a Covid-19 endêmica iria significar para as nossas vidas diárias?

Isso iria sempre depender de “em que nível a endemicidade chega”, revelou Johan Swartzberg, ou seja, o quão comum a doença será. Se a Covid-19 for endêmica num nível muito alto, “seremos limitados nas nossas opções”, explicou, e talvez tenhamos de continuar a usar restrições sociais e intervenções não farmacêuticas, como máscaras. Se, pelo contrário, foi num nível muito baixo, “a vida vai regressar ao estado pré-pandêmico”. “Temos algum controle sobre o nível de endemicidade através da vacinação”, alertou o especialista, algo que faria reduzir a hipótese de surgir uma nova variante.

Elizabeth Halloran, epidemiologista do Fred Hutchinson Cancer Research Center em Seattle, reforçou as cautelas, garantindo que ainda não foi atingido esse estado estável com a Covid-19, como foi evidenciado pelo “aumento vertical dos casos de Ômicron”, sendo “díficil dizer” quando isso pode acontecer – vai depender do nível de imunidade da população e a própria evolução do vírus. Também Aris Katzourakis, virologista evolucionário da Universidade de Oxford, expressou um grau semelhante de incerteza e garantiu que “não será em 2022″.

Endêmico não significa doença leve ou infrequente, alertam os especialistas – “endêmico significa que está conosco para ficar” – e muitos dos maiores ‘assassinos’ do mundo, como malária, tuberculose e HIV, são endêmicos.

Os alertas para se poder conviver com o coronavírus têm prevalecido desde o início da pandemia e muitos responsáveis o compararam, de forma controversa, com uma gripe sazonal. Basta recordar os exemplos do antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Mas têm crescido em popularidade à medida que as restrições continuaram no 2º ano da pandemia e conforme foram sendo lançadas as vacinas. A variante Ômicron, apesar de causar taxas mais altas de infecção – que atingiram níveis recorde em muitos países – revelou níveis relativamente baixos de hospitalizações e mortes em comparação com as ondas anteriores, o que fez aumentar os pedidos para se avançar para uma doença endêmica.

Tedros Adhanom Ghebreyesus, líder da Organização Mundial da Saúde (OMS), alertou na semana passada contra os países que suspendem as restrições e reivindicam vitória sobre o vírus prematuramente. “Este vírus é perigoso e continua a evoluir diante dos nossos olhos”, explicou. Restrições contínuas são vitais para interromper a transmissão do vírus, acrescentou, em resposta às medidas de relaxamento dos países.