10/04/2023 - 19:34
Com as intermináveis filas para o pagamento de dívidas dos entes públicos, autarquias e outros órgãos aos cidadãos, os chamados precatórios, tem se tornado cada vez mais comum que os seus credores recorram a empresas especializadas para receber o pagamento de forma mais rápida. Mas há um porém: as companhias cobram um deságio (ou desconto) sobre o valor devido e assumem a propriedade do título, assim como o ônus de esperar pelo seu pagamento, que geralmente têm prazos indefinidos que podem chegar a décadas.
Para os credores, é comum perder a paciência de ficar meses ou anos para receber valores que podem representar uma mudança no seu padrão de vida. Isso acaba levando muitos a buscar essas empresas especializada em adiantar o pagamento. Além de receber antes com o acordo, é possível recuperar parte do deságio com investimentos conservadores, por exemplo. Para Leonardo Fontoura, gestor da Lexis Capital e advogado do escritório FASV, a venda de precatórios é “extremamente benéfica”.
“O precatório é o resultado de um processo que muitas vezes se alongou por décadas e cujo dinheiro representa uma expectativa legítima desses credores para realizar o sonho, seja o da compra da casa própria, de viajar em família ou, ainda, frequentemente para quitar uma dívida existente e que impacta diretamente no caixa dessas famílias”, diz Fontoura.
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“Nesse último caso, as elevadas taxas de juros do crédito pessoal superam em muito o deságio da venda do precatório, sendo vantajosa a alienação do crédito pelo credor. Em relação ao preço, o mercado tornou-se bastante competitivo. Hoje temos taxas de desconto mais atrativas”, diz o jurista, citando motivos que têm popularizado esse tipo de acordo.
Embora a Constituição determine que é “obrigatória a inclusão no orçamento de verba necessária ao pagamento de débitos”, essa norma é vastamente desconsiderada, com a maioria dos casos excedendo esse prazo.
De acordo com Ulisses Simões da Silva, sócio de Soluções de Disputas do L.O. Baptista Advogados, o prazo para pagamento dos precatórios varia de acordo com o tribunal.
“No Tribunal de Justiça de SP, por exemplo, há registros de atraso superiores a 10 anos. Já na Justiça Federal, os atrasos costumam ser menores, mas isso pode mudar por conta da alteração no teto de gastos aprovada no ano passado, que autorizou a utilização de parte das rendas que deveriam ser destinadas aos precatórios”, afirma Silva.
Problema recorrente
Para Thiago Sorrentino, professor de Direito Tributário do Ibmec Brasília, o problema é antigo e remonta ao ano em que a atual Constituição vigente foi promulgada. “Desde 1988 o Brasil impõe moratórias para o pagamento de dívidas do Estado, reconhecidas em sentenças transitadas em julgado e que são pagas por precatórios”, afirma o jurista.
“Há uma fila, e cada precatório ocupa um lugar cronológico nela. Porém, a ordem muda conforme o tipo de precatório e a idade do credor, e há regras diferentes de acordo com o ente devedor. Enquanto o teto for insuficiente, o prazo para pagamento será incerto. À medida que nos aproximamos de 2026, aumenta a chance de a moratória ser prorrogada, como é feito desde 1988. Não há qualquer perspectiva de que o Judiciário responsabilize o Estado pelas moratórias”, resume Sorrentino.
A legislação determina que o acompanhamento dos precatórios deve ser rigoroso, e os tribunais são obrigados a manter uma lista da ordem de pagamentos, já que eles requisitam e ordenam os pagamentos. O valor, no entanto, segue definição constitucional.
Para Sorrentino, antecipar os precatório é uma opção a ser cuidadosamente avaliada. “É importante lembrar que o deságio oficial, para que o precatório passe na frente dos demais, é de ao menos 40%. Em versões passadas da moratória, alguns Estados e municípios impunham deságios de até 80%. Os descontos cobrados pelas empresas não chegam nem perto do que já foi cobrado pelos governos. O problema é que o pagamento depende do término do processo principal. E ele, infelizmente, pode levar anos, já que não há prazo legal”, conclui.
Filas dos precatórios
Cabe aos Tribunais de Justiça estaduais organizar e manter as filas de precatórios devidos pelo Estado e pelos municípios sob sua jurisdição. Ao expedir a ordem de pagamento contra a Fazenda Pública, o tribunal inicia um processo de precatório, que é incluído em lista de acordo com a ordem cronológica e prioridades. Quando o pagamento é disponibilizado, o valor é depositado em uma conta vinculada ao processo na origem e o levantamento da quantia ocorrerá no juízo onde tramitou a ação.
Para cada ente devedor, é mantida lista por ordem de pagamento, com preferência aos precatórios de natureza alimentar. A demora no pagamento, segundo Fontoura, ocorre pela insuficiência de recursos. Ele cita iniciativas para diminuir a espera, como a utilização de precatórios federais pelos credores para pagar débitos fiscais e parcelamentos junto à União e investimentos em empresas públicas.
“Essas medidas podem mitigar os efeitos da inadimplência da União e têm potencial, mas como são novas, ainda não geraram efeitos significativos. Precisamos debater, enquanto sociedade, o efetivo prejuízo causado por medidas de governo, que tornaram recorrente o inadimplemento das obrigações constantes de sentença judicial transitada em julgado, afetando os credores originários, detentores em sua grande maioria de valores alimentares, decorrentes de aposentadoria, pensões e outros benefícios previdenciários”, completa o jurista.