A proporção de pistolas e fuzis apreendidos pelas polícias do Rio e de São Paulo tem crescido nos cinco últimos anos, mostra nota técnica do Instituto Sou da Paz, divulgada ontem. Os dados reunidos pela entidade indicam uma tendência de modernização das armas nas mãos do crime acelerada pelas flexibilizações recentes no acesso a armamentos.

Nas apreensões feitas pela polícia do Rio, a proporção de pistolas subiu de 41,7% para 54,2% entre janeiro de 2017 e agosto deste ano. Já em São Paulo, essa taxa subiu de 26,1% para 34,2% no mesmo intervalo. No Rio, a proporção de fuzis nas apreensões subiu de 6% para 7% no período. Já em São Paulo, a presença de fuzis nas apreensões subiu de 1,2% para 1,8%.

Os dados foram obtidos junto aos órgãos policiais dos dois Estados e processados pelo instituto. A maior quantidade de fuzis apreendidos no Rio aconteceu durante 2019: foram 714 armas. Em São Paulo, o recorde foi em 2020, quando foram apreendidas 269 armas deste tipo. Juntos, os dois Estados respondem por 17% das apreensões de armas no país e são os locais de origens de facções criminosas com expressão nacional, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

FACILITAÇÃO

Ao mesmo tempo em que aumentaram as apreensões de pistolas e fuzis, caiu proporcionalmente a apreensão de revólveres e garruchas, armas menos potentes, de um tiro só por vez. No Estado de São Paulo, a queda foi de 44,4% para 40%, e no Rio, de 39,2% para 28%.

Conforme o Instituto, desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, foram publicadas mais de 40 medidas para facilitação de compra, porte, ampliação de tipos de armas, calibres e acessórios disponíveis para civis, assim como aumento dos limites quantitativos de armas e munições que podem ser compradas. “Na prática, o crime está substituindo armas mais antigas e de calibre mais baixo por armas mais novas e mais potentes. Não só em termos de diâmetro de calibre e energia de expulsão do projétil, mas também com relação à capacidade de munição, facilidade de recarregamento e disparos mais ágeis”, afirma o Sou da Paz.

De acordo com a diretora executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo, os dados mostram uma mudança de padrão nas apreensões, com a participação maior das armas de alto calibre, que têm um potencial de violência muito maior. “A gente vem alertando desde 2019 que o cidadão poder comprar uma arma tão ou mais potente que a da polícia é muito arriscado porque se fragiliza a capacidade das próprias polícias”, disse.

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo destacou os dados de apreensão de armas e disse desenvolver ações específicas contra o crime organizado. A Polícia Militar do Rio foi procurada, mas não respondeu, assim como o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Exército.

Armas são ameaças mais potentes contra policiais, diz coronel

Para o coronel da reserva da PM paulista José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança pública, para se ter certeza da correlação entre a flexibilização e o aumento de armas mais potentes nas mãos do crime é necessário verificar de onde vieram essas armas. “Se são armas adquiridas recentemente, dos CACs, etc, ainda não temos essa informação. Por ora é apenas uma correlação de dados, mas é um indicador importante para se fazer uma investigação dos detalhes, quando essas armas foram adquiridas, em que condições foram desviadas para o crime, se por furto ou roubo, ou perda.”

Conforme o especialista, era esperado que a maior facilidade para obtenção de armas pelos civis poderia facilitar o acesso de criminosos aos armamentos. “Era evidente que ia acontecer, mas isso merece uma pesquisa não só de institutos como o Sou da Paz, como das próprias secretarias de Segurança Pública dos dois Estados. Esse é um ponto importante, porque essas armas constituem inclusive um potencial maior de ameaça aos policiais nos possíveis confrontos que possam ocorrer”, afirmou.

A nota técnica do Instituto Sou da Paz destaca a ampliação em quatro vezes da potência das armas liberadas para civis, em maio de 2019. “Calibres que antes eram de uso exclusivo da polícia, ou até mesmo armas de potência maior que as usadas pelas forças de segurança foram liberadas para o cidadão comum”, diz a nota. Para adquirir até seis dessas armas, segundo o Sou da Paz, não é necessário ser CAC (caçador, atirador e colecionador), bastando apenas ter obtido o registro com a Polícia Federal.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.