28/07/2025 - 9:07
Nova lei não apenas bane conteúdo, mas visa punir quem buscar na internet materiais proibidos pelo Kremlin, incluindo obras religiosas ou críticas ao regime. Opositores classificam medida de censura como “orwelliana”.A Câmara Alta do Parlamento da Rússiaaprovou na semana passada uma nova lei de censura que prevê multas para quem buscar ou acessar conteúdo oficialmente rotulado como “extremista” pelo Estado.
A abrangente legislação que deve entrar em vigor após sanção do líder russo, Vladimir Putin, também impõe penalidades para a utilização de serviços de VPN, ferramentas com as quais muitos russos contam para contornar a censura governamental e acessar conteúdo bloqueado.
Depois que a Câmara Baixa da Rússia, a Duma, aprovou a lei em 22 de julho, um pequeno grupo de pessoas protestou em frente ao Parlamento, pela primeira vez em muito tempo. Um dos cartazes dizia: “por uma Rússia sem censura. Orwell escreveu uma distopia, não um manual”. O homem que o exibia foi rapidamente detido pela polícia.
A obra clássica literária distópica 1984, de George Orwell, publicada em 1949, é amplamente interpretada como um alerta contra o totalitarismo, inspirado pela opressão governamental observada pelo autor no nazismo e no stalinismo.
Outro manifestante era Boris Nadezhdin, que tentou ser o único candidato liberal nas eleições presidenciais de 2024. Na época, a comissão eleitoral recusou o registro da sua candidatura.
“A primeira etapa foi proibir portais de internet. Agora, estão proibindo as pessoas de pesquisarem na internet. Isso já se aproxima de um ‘crime de pensamento'”, disse Nadezhdin à DW, aludindo ao mesmo romance de Orwell e ao tema central da obra: cidadãos sendo punidos por ousarem pensarem diferente da linha imposta pelo Estado.
O que é conteúdo “extremista”?
A nova legislação se destaca pela dureza mesmo após as dezenas de leis de censura aprovadas pela Duma antes e depois da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.
De acordo com o projeto de lei, a simples busca online pelos chamados “materiais extremistas” será considerada uma infração administrativa, punível com multa de valor equivalente a até R$ 357. Anteriormente, para que uma pessoa estivesse passível de punição era necessário alguma forma de interação com o material proibido, como a publicação de um comentário crítico nas redes sociais.
A definição de material extremista consta em uma lista mantida pelo Ministério da Justiça da Rússia. Atualmente, ela contém mais de 5.000 itens. Autoridades e legisladores alegam que a lei é voltada a aqueles que buscam sistematicamente conteúdo proibido, e não aos cidadãos comuns que navegam casualmente, mas não esclareceram qual seria a definição de buscas sistemáticas.
O registro inclui panfletos, livros, jornais, filmes, vídeos, obras de arte visual e músicas. Em teoria, a lista deve incluir conteúdo que incite ódio interétnico, bem como textos de líderes do antigo Partido Nazista da Alemanha ou do Partido Fascista da Itália.
Mas,na prática, a lista também inclui obras que criticam o governo ou se manifestam contra autoridades. Uma delas é o livro de 2002 do desertor russo e ex-oficial do Serviço Federal de Segurança (FSB) Alexander Litvinenko. Intitulada Grupo Criminoso Lubyanka, uma obra de não ficção que acusa os serviços de segurança russos de estarem por trás dos atentados a bomba contra prédios residenciais em Moscou em 1999 e outros atos terroristas que ajudaram Putin a consolidar seu poder no início dos anos 2000.
A lista também inclui materiais do movimento religioso Testemunhas de Jeová, que a Rússia classificou como extremista em 2017.
Em 2023, jornalistas do canal de notícias independente russo 7×7 relataram que a lista de materiais “extremistas” crescia com centenas de novas entradas a cada ano. Entre 2011 e 2022, foram abertos quase 15.500 processos administrativos por distribuição de conteúdo “extremista”. Isso representa uma média de 1.300 casos por ano, a maioria dos quais resultou em multas de até R$ 324.
Rússia registra aumento no número de “extremistas”
A lei gerou uma onda de indignação pública, com até mesmo figuras normalmente pró-Kremlin postando mensagens críticas nas redes sociais. Margarita Simonyan, por exemplo, editora-chefe da emissora estatal russa RT, reclamou que a nova lei a impediria de investigar e “causar vergonha” às organizações extremistas.
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, as autoridades adicionaram dezenas de cidadãos proeminentes e organizações críticas à guerra à sua lista de extremistas e terroristas banidos pelo Estado. Entre eles estão escritores, músicos, jornalistas e blogueiros populares, incluindo, por exemplo, o escritor Boris Akunin e o apresentador de televisão Alexander Nevzorov.
A Meta, empresa por trás do Facebook e do Instagram, foi declarada em março de 2022 como uma organização “terrorista” após anunciar que permitiria postagens endossando o assassinato de soldados russos em suas plataformas, o que a Rússia considerou “russofobia”.
O vice-líder da Duma, Sergei Boyarsky, do partido conservador Rússia Unida, tentou tranquilizar os cidadãos afirmando que o uso das redes sociais da Meta ou a busca por materiais criados por pessoas declaradas extremistas não seriam punidos. Ele disse que as multas se aplicariam apenas a buscas por conteúdo oficialmente classificado como extremista.
Na realidade, é difícil prever como a polícia russa aplicará a nova lei. “Tudo dependerá do agente da lei a quem foi dado o poder de interpretar a culpabilidade”, disse à DW Dmitry Zair-Bek, diretor do projeto jurídico de direitos humanos Pervy Otdel,.
Segundo ele, é provável que, como já está acontecendo, os telefones dos russos sejam verificados com frequência maior durante as inspeções de fronteira.
Outro cenário possível seria a Rússia adotar o tipo de práticas policiais usadas na vizinha Belarus, onde plataformas como Instagram, X e YouTube, que são bloqueadas na Rússia, permanecem acessíveis, mas a assinatura de canais banidos nessas portais é proibida.
“A censura em Belarus existe no espaço físico. A polícia pede para verificar os telefones dos cidadãos em trens e em dormitórios estudantis. Recusar é quase impossível”, disse Dmitriy Navosha, cofundador da editora esportiva online internacional Tribuna.com, à DW.
O acesso ao seu site não é restrito em Belarus, mas a plataforma foi rotulada como extremista depois que Navosha se manifestou repetidamente contra o ditador Alexander Lukashenko e a violenta repressão de suas forças de segurança contra manifestantes em 2020.
Como resultado, os visitantes do portal de esportes online correm o risco de serem punidos simplesmente por visualizarem seu conteúdo.
Ao menos 10.000 presos políticos
Desde o início de sua invasão em larga escala da Ucrânia, a Rússia reforçou severamente as restrições à liberdade de expressão, proibindo, por exemplo, a divulgação do que considera “informações falsas” sobre a guerra e reforçando a designação de “agente estrangeiro” para veículos e organizações considerados politicamente ativos com a ajuda de financiamento vindo do exterior.
No primeiro semestre, a agência governamental anticorrupção, o Comitê Investigativo Russo, relatou que desde 2022, 605 processos foram abertos sob dois novos artigos do Código Penal, um deles prevê punições a quem disseminar “notícias falsas” sobre o Exército russo e outro a quem “desacreditar” as Forças Armadas.
Sob essas leis, cidadãos russos foram multados ou presos por chamar as ações da Rússia na Ucrânia de guerra, em vez de “operação militar especial”, ou por postagens nas redes sociais sobre eventos como o assassinato de civis por soldados russos na cidade ucraniana de Bucha.
No final de 2024, a organização de direitos humanos Memorial relatou que pelo menos 10.000 presos políticos estavam detidos em toda a Rússia. Quando Putin sancionar a nova lei, o número de pessoas punidas por exercer a liberdade de expressão poderá aumentar significativamente.