A energia barata do Paraguai atrai dezenas de ‘criptomineradoras’ legítimas, mas também seduz bandidos que exploram moedas digitais ilegalmente e em grande escala, em um mercado repleto de denúncias de corrupção.

A criptomineração, essa longa série de cálculos que produz uma unidade de moeda digital, requer uma infraestrutura computacional significativa e, consequentemente, um grande consumo de energia. A eletricidade limpa e acessível do Paraguai é um ímã para a indústria da tecnologia.

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Na cidade de Hernandarias, a dois quilômetros da colossal barragem de Itaipu, no rio Paraná, foi instalada a paraguaia Penguin, onde centenas de computadores estão alinhados em uma área do tamanho de um campo de futebol.

A Penguin oferece “hospedagem para todos os dispositivos de computação, seja criptomineração, centros de dados de inteligência artificial ou serviços na nuvem”, disse Ricardo Galeano, vice-presidente deste centro de computação de alto desempenho, à AFP.

A localização desta enorme fábrica não é aleatória: Itaipu, co-propriedade em partes iguais do Brasil e do Paraguai, é uma das barragens mais potentes do mundo, com capacidade de gerar 14.000 megawatts por hora. O Paraguai possui outras duas hidrelétricas: Yacyretá com a Argentina (4 mil megawatts) e Acaray (400).

Nem tudo que reluz é ouro

Destacado pelo FMI por sua “economia verde”, o Paraguai elétrico não está isento de curtos-circuitos que expõem suas desigualdades: apesar da eletricidade que exporta em abundância, mais de 23% das famílias ainda cozinham com lenha ou carvão, número que atinge até 48% nas áreas rurais.

Nos últimos três anos, mais de 60 locais de criptomineração foram estabelecidos no país endossados pelas autoridades, representando mais de US$ 1,1 bilhão em investimentos, segundo Bruno Vacotti, porta-voz da Penguin e membro da Câmara de Mineração de Ativos Digitais do Paraguai (Capamad).

A empresa americana Marathon Digital, sócia da Penguin, é o peso pesado do setor, que já investiu US$ 30 milhões (R$ 165 milhões) na fábrica de Hernandarias. Além dessas empresas, prosperam dezenas de criptomineradoras ilegais que vampirizam a energia paraguaia e contra as quais, segundo Penguin, as autoridades lutam fracamente.

No final de maio, policiais e agentes da Administração Nacional de Energia Elétrica (Ande) apreenderam, em uma dessas fazendas clandestinas de criptomoedas em Saltos de Guaira (sul), mais de 2.700 computadores e cinco transformadores, a maior apreensão até hoje.

A Ande admite uma perda de 28% da eletricidade que gera, por diversas causas, incluindo a mineração ilegal. Na semana passada, quase 700 computadores e um transformador foram apreendidos em uma fazenda em Hernandarias que consumia o equivalente a US$ 60 mil (R$ 331 mil) por mês em eletricidade.

Ladrões protegidos?

Salyn Buzarkis, deputado do Partido Liberal, da oposição, está convencido: “As criptomineradoras ilegais são protegidas pelos funcionários”, acusa, referindo-se explicitamente aos “subornos” que os trabalhadores estatais estariam recebendo.

“Por que não encontram as ilegais? É fácil detectá-las pelo consumo de Internet”, diz Buzarkis, denunciando também que as fazendas de criptomineração exigem eletricidade “equivalente ao consumo de uma cidade inteira”.

O resultado é o paradoxo de um Paraguai que exporta a sua eletricidade, mas cujos habitantes ficam muitas vezes no escuro, com cortes de energia frequentes e maciços, como o que ocorreu em março.

Félix Sosa, diretor da Ande, se defende: “Somos os primeiros a querer desmascarar os responsáveis” pelo roubo de eletricidade.

Em conversa com a AFP, Sosa recorda os mais de 71 processos abertos pela entidade perante o Ministério Público por roubo de energia, e os quase 10 mil computadores apreendidos, além de cerca de 50 transformadores.

“É uma luta frontal e séria”, insiste o vice-ministro de Minas e Energia, Mauricio Bejarano, embora Buzarkis garanta que as máquinas apreendidas são obsoletas e “não servem nem para torrar pão”.

O Senado aprovou uma lei em julho que aumenta as penas para uso ilegal de energia para criptomineração para um máximo de 10 anos de prisão.

Enquanto isso, os empresários começam a perder a paciência, não apenas pela criptomineração ilegal, mas também por causa de um país “que não tem previsibilidade”.

“O Paraguai não é o paraíso energético que os estrangeiros imaginam”, denuncia Vacotti, da Penguin, acusando os aumentos de preços da Ande de até 16% por “consumo intensivo”.

A indústria contribui com US$ 12 milhões (R$ 66,3 milhões) por mês para a Ande, mas “nossas empresas olham para o Brasil”, alerta Jimmy Kim, da Capamad, que destaca que a criptomineração no Paraguai paga 54% acima da tarifa convencional de energia elétrica.