22/04/2015 - 18:00
Como presidente global da EY, empresa de auditoria e consultoria com atuação em 150 países, o ex-secretário-assistente do Tesouro dos EUA, Mark Weinberger, tem uma visão privilegiada do mundo. Sua principal função é ajudar multinacionais a identificar onde estão as melhores oportunidades para seus negócios. De passagem pelo Brasil, em visita a subsidiária local, Weinberger contou à DINHEIRO porque a taxa de incerteza que paira sobre o País vem afetando investimentos e como a crise na Petrobras pode fortalecer o cenário no longo prazo. “Há muitas pessoas olhando para o Brasil, enxergando incertezas e pausando investimentos, mas ao mesmo tempo, o modo como o País lida com isso pode colocá-lo em uma trajetória positiva”, afirma. Confira a entrevista a seguir.
DINHEIRO – Há cinco anos, o Brasil crescia, enquanto o restante do mundo sofria. Agora estamos em recessão. O que mudou?
WEINBERGER – Parte não é culpa do País, pois há a queda do preço do petróleo e a desaceleração da economia global. Além disso, tem a situação política, que gerou uma grande incerteza, com toda a questão da Petrobras. Eu olho isso de duas maneiras: uma é que a falta de confiança, somada às altas taxa de juros e de inflação, ao déficit em transações correntes e à desvalorização do real, cria o que eu chamo de taxa de incerteza. Essa taxa é muito alta e provoca uma pausa nos investimentos direcionados ao País.
DINHEIRO – Como o sr. avalia a crise na Petrobras?
WEINBERGER – É uma crise positiva, porque a situação foi colocada de forma aberta ao público e não foi para baixo do tapete. Isso é uma coisa que se observa com cautela: como países emergentes lidam com escândalos. É a hora da verdade para o Brasil. O País vai usar isso para continuar a lidar com os problemas estruturais? Se essas questões forem atacadas, então é uma oportunidade. Há pessoas olhando para cá, enxergando essas incertezas e pausando investimentos, mas ao mesmo tempo, o modo como o País lida com isso pode colocá-lo em uma trajetória positiva.
DINHEIRO – A falta de confiança ficou mais relevante do que as questões macroeconômicas?
WEINBERGER – Alguns problemas são internos, o da Petrobras, a pontuação muito baixa no ranking Doing Business do Banco Mundial. Há uma incerteza também com as coisas que estão acontecendo fora do Brasil, como a mudança na política monetária dos EUA. Se os EUA aumentarem a taxa de juros, vão colocar pressão no real. Essa é uma desconfiança muito forte agora, fora de controle. Tem a seca também. O Brasil não é o único país do mundo com problemas políticos. O governo foi a público e prometeu resolver. É mais importante saber como vão lidar do que o que está acontecendo.
DINHEIRO – Estamos lidando de uma forma positiva?
WEINBERGER –O Judiciário tem se mostrado bem independente. Há uma enorme pressão da opinião pública. Isso é boa governança. A agenda do ministro Joaquim Levy é um sinal muito positivo para o mercado financeiro. Ele vai conseguir equilibrar entre o populismo e a austeridade de uma forma positiva.
DINHEIRO – Ficamos menos atrativos para investidores?
WEINBERGER – Os investimentos em todo mundo estão em compasso de espera. Em alguns aspectos, o Brasil pode ser mais atrativo por causa da desvalorização do real, que sugere que há oportunidades. É preciso haver uma visão mais clara sobre a situação da economia brasileira. Vai ser preciso ter crescimento do PIB para o investimento voltar.
DINHEIRO – O sr. investiria no Brasil?
WEINBERGER – Sim, estamos investindo no momento. Temos 5.000 pessoas empregadas aqui, vamos contratar mais umas 300 ou 400 neste ano. Trabalhamos com empresas que estão investindo o tempo todo, por questões estratégicas. O retorno sobre investimento feito no Brasil se dará num prazo mais longo, diante dos problemas que estamos enfrentando, não em um ano ou dois. Mas trata-se da sétima economia do mundo, que tem grandes rotas de comércio com a Europa e com os EUA. Acho que é preciso estar no Brasil para o longo prazo.
DINHEIRO – Para quando o sr. espera a retomada do crescimento no Brasil?
WEINBERGER –Sendo bem realista, acredito que um evento como as Olimpíadas pode ser um ponto de virada. O mundo estará de olho nisso. Até lá, não sei muito o que pode mudar. Estamos num período de crescimento lento por, pelo menos, uns 12 ou 16 meses.
DINHEIRO – O efeito da Copa do Mundo não foi muito relevante…
WEINBERGER –A Copa do Mundo é muito importante. O problema é que a seleção não foi tão bem (risos). Isso parece ter contaminado as oportunidades de otimismo. Mas se você olhar o que as Olimpíadas vão fazer com o Rio de Janeiro, verá que a magnitude é muito maior.
DINHEIRO – Como o Brasil está em comparação a outros emergentes?
WEINBERGER - Vocês têm recursos naturais e uma classe média relevante. Em relação à taxa de juros e inflação, estão numa situação pior do que as dos demais emergentes. Há um bom sistema de educação para a elite, mas precisa ser mais abrangente, para a classe média. A infraestrutura – já passei por estradas brasileiras – precisa melhorar. E na questão do ambiente de negócios e do sistema tributário, vocês estão muito abaixo. O Brasil está numa boa posição para o longo prazo. No curto prazo, ainda está muito difícil.
DINHEIRO – Mesmo comparado a Índia e China?
WEINBERGER – Os dois países têm uma grande vantagem no curto prazo: eles estão no outro lado da queda do petróleo e são grandes consumidores. Ganharam um bônus de US$ 50 bilhões cada, neste ano, por conta dos preços mais baixos. Na Índia, o premiê Narendra Modi é um grande defensor de reformas. O que também há no Brasil neste momento é um governo muito dividido, o que complica no curto prazo. O governo ganhou [as eleições] por uma margem muito pequena. Na Índia, há um apoio muito mais amplo para tocar as reformas, o que a torna mais atraente.
DINHEIRO – Vamos conseguir fazer as reformas?
WEINBERGER –Há uma grande disposição para reformas na Índia porque eles se beneficiaram desse bônus de US$ 50 bilhões a que me referi e porque há um crescimento razoável. Eles conseguem relaxar um pouco e pensar: que reformas vamos fazer? No momento, o governo brasileiro está tão preocupado com os problemas de curto prazo que é mais difícil pensar nas mudanças de longo prazo. Mas, na realidade, o Brasil vai ter de lidar com as leis trabalhistas, com o sistema tributário e a burocracia. É difícil fazer tudo isso passar politicamente quando você tem populistas que vinham contando, nos últimos anos, com benefícios do governo. É preciso ser honesto com a população e dizer que, para ter crescimento e prosperidade, será necessário poupar. Não há como prometer coisas no curto prazo. É fácil para nós dizer, mas difícil de concretizar politicamente.
DINHEIRO – O sr. falou em oportunidades. Espera uma onda de fusões e aquisições entre as empresas brasileiras?
WEINBERGER – As empresas estão mais baratas por causa da desvalorização do real, mas ainda é preciso saber se elas vão crescer ou não. Se não forem, vão ficar ainda mais baratas amanhã.
DINHEIRO – A BP e a Shell acabaram de anunciar uma operação enorme. Que lição a Petrobras pode tirar do negócio?
WEINBERGER –A queda do petróleo está fazendo as empresas focarem-se naquilo em que elas são boas. Algumas estão se afastando de investimentos em gás de xisto e priorizando óleo e gás. A Petrobras com certeza vai fazer revisões. Não há como escapar disso.
DINHEIRO – A PwC, sua concorrente, acabou se tornando um ator relevante do escândalo da Petrobras. Isso é um sinal de que algo errado ocorreu?
WEINBERGER – Quando uma fraude aparece, ninguém sabia que existia. As auditorias estarão em evidência, não importa o que aconteça. O que a PwC está fazendo é procedimento padrão, uma questão de boas práticas. Se eles não podem entender o que está acontecendo, onde os problemas financeiros estão e cobram informações antes que possam validar, isso é bom. É o procedimento padrão.
DINHEIRO – As companhias melhoraram os mecanismos antifraude?
WEINBERGER – Os mercados e os investidores estão demandando mais controles. Controles internos têm sido a prioridade dos reguladores. Estamos gastando mais tempo para aprimorá-los. São importantes para evitar fraudes, mas não são 100% infalíveis.
DINHEIRO – Um dos argumentos usados por quem comete fraudes é o de que poderiam perder negócios se não o fizessem. É uma posição válida?
WEINBERGER – Não deve entrar na conta. É o que digo para nossos funcionários o tempo todo: leva-se anos e anos para conquistar uma reputação, mas basta um mo­­mento para perdê-la. Depois de todos os escândalos que vimos, acredito que se você fizer algo de errado em um país, vai afetar a sua marca em todo o mundo.
DINHEIRO – Há cada vez mais sinais de recuperação nos EUA. O que isso significa para emergentes como o Brasil?
WEINBERGER – Os EUA são o único motor funcionando no avião da economia global, no momento. Isso não se sustentará por muito tempo se outro motor não começar a funcionar. É preciso que a China volte ao ritmo anterior ou que Europa se recupere. Para os emergentes, o problema será quando os EUA elevarem a taxa de juros, isso vai afetar negativamente as moedas. Ao mesmo tempo em que os EUA devem fazer isso, há um programa de relaxamento monetário sem precedentes na Europa, que vai em outra direção. Japão e China também estão fazendo afrouxamentos monetários. Há, pela primeira vez, uma divergência na política monetária que vai causar muita volatilidade.