01/11/2019 - 10:17
O Irã se prepara para recordar a partir de segunda-feira os 40 anos da tomada de reféns na embaixada dos Estados Unidos em Teerã, um ato fundador para a República Islâmica que continua envenenando as relações entre os dois países inimigos.
Em 4 de novembro de 1979, menos de nove meses após a queda do xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi, que tinha o apoio dos Estados Unidos, estudantes revolucionários invadiram a embaixada para exigir que Washington extraditasse o governante deposto, que estava internado em um hospital americano.
A crise durou 444 dias e terminou com a libertação de 52 americanos, mas o governo dos Estados Unidos rompeu as relações diplomáticas com o Irã em 1980 e a tensão prossegue desde então.
Este ano, os iranianos devem começar a recordar os fatos no sábado, com a inauguração de murais pintados no complexo que abrigava a embaixada, transformado em um museu que narra a “arrogância” dos Estados Unidos em todo o mundo, de acordo com a agência de notícias Fars.
Os novos murais substituem as obras de arte antiamericanas que durante décadas, e até o mês passado, adornaram as paredes da embaixada.
Gary Sick, funcionário do governo americano que teve que lidar com a crise dos reféns em 1979, acredita que o ocorrido é provavelmente o que melhor explica “por quê estamos nesta espécie de impasse em que nos encontramos agora”.
“Se você olha para tudo o que o Irã fez ou que nós fizemos neste tempo, o tipo de punição que está sendo aplicada ao Irã é totalmente desproporcional”, declarou à AFP em Washington.
Quatro décadas depois da tomada da embaixada, a tensão aumenta novamente.
O presidente americano Donald Trump abandonou de maneira unilateral no ano passado o acordo sobre o programa nuclear iraniano alcançado em 2015 entre as grandes potências e impôs novas sanções sobre Teerã, com o objetivo de exercer “pressão máxima”.
Pelo acordo de 2015, o Irã poderia abrir sua economia ao mundo após anos de isolamento em troca de limites para seu programa nuclear.
Com o atual cenário, alguns iranianos consideram que Washington não é confiável em um diálogo. Muitos jovens, no entanto, acreditam que as negociações representam o único caminho a seguir.
– ‘Recriar laços’ –
“Eu, como o resto de minha geração, acredito que nunca tive um problema com o povo americano”, afirma Khadijeh, uma estudante de 19 anos de Teerã.
A questão fica por conta das reiteradas políticas negativas do governo americano contra o Irã, comenta, vestida com um shador, o véu islâmico usado pelas iranianas mais conservadoras.
“Nós tentamos de tudo, tanto a luta como a paz… mas (Estados Unidos) não aceita nada”, completa.
Os estudantes que participaram na tomada da embaixada têm opiniões similares.
Masumeh Ebtekar, vice-presidente iraniana para Assuntos d Mulher e da Família, era uma estudante de Medicina de 20 anos no momento da crise dos reféns.
Ela se tornou uma porta-voz dos estudantes, graças a seu inglês fluente.
Apesar de seu passado, Ebtekar apoiou os esforços do governo para recriar laços com o Ocidente por meio do acordo de 2015, revelou em uma entrevista à AFP em 2016.
Ela lamentou o isolamento nos anos posteriores, mas nunca se arrependeu porque os estudantes estavam convencidos de que Washington preparava um golpe para derrubar a revolução.
“O incidente teve um custo, mas foi menor que o benefício”, declarou Ebtekar à agência KhabarOnline no ano passado.
Ebrahim Asgharzadeh também era um dos estudantes em 1979. Com o passar dos anos se tornou um político reformista e em 2014 pediu desculpas pela tomada dos reféns.
“Nós queríamos apenas ocupar a embaixada por 48 horas. Não concordo em santificar o movimento e pensar que deveríamos gritar ‘Morte aos Estados Unidos’ para sempre”, declarou.
– Seguindo adiante –
Ao longo das décadas, políticos dos dois lados tentaram avançar, sobretudo o ex-presidente reformista Mohamad Khatami e o antecessor de Trump, Barack Obama.
Mas a crise deixou cicatrizes. De acordo com Sick, atualmente professor da Universidade de Columbia, isto explica em parte a linha dura de Washington.
Os dois países ficaram à beira de um confronto militar em junho, quando o Irã derrubou um drone americano e Trump ordenou ataques em represália que cancelou no último minuto.
A crise se aprofundou com ataques misteriosos a petroleiros em instalações no Golfo e na Arábia Saudita, dos quais Washington acusa Teerã, que nega.
Em setembro, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, descartou novas negociações com os Estados Unidos “a qualquer nível”.
Muitos jovens, no entanto, defendem um diálogo.
“Não é mais tempo de guerra e conflito. Isto prejudicará os dois lados”, disse Parsa, um estudante de Arte de 25 anos.