Desentendimentos entre social-democratas, Partido Verde e liberais chegaram ao ápice. Parceiros de coalizão têm divergências marcantes na política econômica e orçamentária.Desistir ou tentar salvar o que ainda dá para salvar? Essa é a questão enfrentada pelo governo da Alemanha, formado por uma coalizão entre o Partido Social Democrata (SPD), o Partido Verde e o Partido Liberal Democrático ( FDP), que está no poder há quase três anos.

Conflitos entre os três partidos existem desde o início do governo, pois muitas de suas posições são opostas: o SPD e os verdes, de centro-esquerda, defendem por exemplo uma forte atuação do Estado, se necessário com a emissão de dívidas para financiar políticas públicas. O FDP, de direita, tem a visão oposta.

Se havia também posições comuns, essas logo se esgotaram, e as concessões que cada um dos partidos se vê forçado a fazer para manter o governo unido estão se tornando cada vez mais difíceis.

A situação se exacerbou há cerca de um ano, quando uma decisão do Tribunal Federal Constitucional expôs as divergências entre os parceiros de coalizão, sobretudo na política econômica e orçamentária.

O governo pretendia realocar verbas originalmente destinadas a atenuar as consequências da pandemia de covid-19. Como o dinheiro do fundo emergencial havia sobrado, a ideia era usá-lo para executar a política climática. Mas a suprema corte alemã barrou os planos do governo, que, sem esses recursos, acabou com um rombo de 60 bilhões de euros no orçamento.

Desde então, o clima entre os três parceiros da coalizão só piora, e cada um busca melhorar sua imagem junto ao eleitorado às custas dos outros, por exemplo divulgando propostas que nem sequer foram discutidas com os parceiros.

Agora, a estagnação da economia da Alemanha e a queda na arrecadação de impostos deverão elevar ainda mais o rombo nos cofres do Estado, piorando ainda mais o clima dentro da coalizão.

Dias atrás, o chanceler federal Olaf Scholz (SPD) organizou uma reunião de cúpula com alguns dos principais nomes do setor produtivo e também dos sindicatos da indústria, mas não convidou nem o vice-chanceler e ministro da Economia, Robert Habeck (Partido Verde) e nem o ministro das Finanças e presidente do FDP, Christian Lindner.

Lindner, então, organizou sua própria reunião de cúpula com outros representantes empresariais, e Habeck reagiu propondo um fundo estatal de bilhões de euros, financiado por dívidas, para apoiar os investimentos feitos pelas empresas.

FDP quer mudanças na política econômica

Para o FDP, a proposta de Habeck é inviável, pois ela colocaria em xeque o chamado freio do endividamento – as rígidas regras aprovadas em 2009 contra uma dívida pública então crescente que limitaram o endividamento público a 0,35% do PIB ao ano e que foram incluídas na Lei Fundamental, a Constituição alemã.

Porém, ser contra a proposta do vice-chanceler e ministro da Economia parece não ter sido suficiente para Lindner. Num documento de 18 páginas, obtido pela imprensa, ele defendeu uma mudança de direção na política econômica. O documento mais parece um programa eleitoral do FDP, que tem tido um desempenho muito abaixo do esperado nas pesquisas de opinião e em recentes eleições estaduais.

Em linhas gerais, Lindner pede uma ampla redução de impostos para empresas e pessoas de alta renda. Ele quer ainda reduzir metas que considera muito ambiciosas de proteção climática.

Essas posições são inaceitáveis para SPD e verdes, que afirmam que elas contradizem o acordo que deu origem à coalizão. É por isso que os parceiros do FDP no governo estão chamando o documento de Lindner de provocação e se perguntando se a intenção dele é ser expulso da coalizão na esperança de, assim, melhorar a imagem do partido com os eleitores conservadores e liberais.

Os índices de popularidade do governo chegaram ao fundo do poço, o que se reflete nas pesquisas eleitorais. A perspectiva é sombria para os três partidos, mas para o FDP é uma questão de sobrevivência. O partido liberal oscila entre 3% e 5% nas sondagens, o que significa que corre o risco de ficar de fora do Parlamento, já que 5% dos votos é o mínimo necessário para obter representação parlamentar na Alemanha.

Esforço para manter coalizão

Sem o FDP no governo, o chanceler federal Olaf Scholz não teria mais maioria no Bundestag (Parlamento). Isso não implica automaticamente uma eleição antecipada. SPD e verdes poderiam continuar como um governo minoritário e tentar obter uma maioria de votos toda vez que quiserem aprovar algo no Bundestag. A força de oposição mais forte, o bloco de centro-direita formado pelos partidos conservadores União Democrática Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU), também não consegue formar uma maioria contra o governo no Bundestag por falta de parceiros.

Entretanto, a Alemanha não tem tradição com governos minoritários, e Scholz quer evitar a todo custo o rompimento da coalizão. Desde o fim de semana, ele vem mantendo conversações sobre a crise na Chancelaria Federal, em Berlim. Primeiro com os líderes do seu próprio partido, depois com Lindner, na noite de domingo (03/11). Nesta segunda-feira, o porta-voz do governo anunciou que várias reuniões entre Scholz, Habeck e Lindner estão marcadas para os próximos dias.

Essas reuniões a portas fechadas culminarão num encontro entre representantes dos partidos da coalizão nesta quarta-feira, em Berlim. Então, pela primeira vez em semanas, os líderes dos três partidos estarão sentados à mesma mesa para esclarecer os pontos sobre os quais ainda concordam.

Há uma pressão considerável de tempo, pois o orçamento de 2025 deve ser aprovado no Bundestag até o fim de novembro. A chamada reunião de ajuste do comitê orçamentário, na qual o pacote é finalizado, está marcada para 14 de novembro, e o atual projeto ainda tem uma lacuna de vários bilhões de euros.

Em seu documento econômico, Lindner propôs cortes na assistência social a desempregados. Ele também sugeriu usar os 10 bilhões de euros originalmente destinados a um subsídio para uma nova fábrica de chips da Intel no estado da Saxônia-Anhalt, cuja construção foi suspensa.

Habeck enviou um sinal de que está disposto a negociar: ele concordou com a ideia de Lindner de usar o dinheiro destinado à Intel para preencher lacunas no orçamento, em vez de insistir que ele permaneça num fundo para promover projetos climáticos e o desenvolvimento de novas tecnologias.

O SPD se mostrou disposto a negociar para manter a coalizão de governo. “Não temos absolutamente nenhuma inclinação para deixar a coalizão fracassar, precisamos de um governo responsável”, disse a copresidente do SPD Saskia Esken.

Também os verdes alertaram contra um rompimento. “A Volkswagen está indo por água abaixo, há uma eleição nos EUA, a Espanha está sofrendo com inundações, e a Rússia está rompendo uma frente após a outra na Ucrânia”, disse o copresidente da legenda Omid Nouripour. “Isso requer um nível diferente de seriedade, e também estamos exigindo isso dentro dessa coalizão.”