02/09/2015 - 11:05
Os analistas estão questionando se a crise migratória pode ameaçar a liberdade de circulação na Europa. As respostas não coordenadas dos europeus ante a chegada em massa de refugiados acenam para a possibilidade de um colapso do espaço Schengen, que introduziu a livre circulação na UE.
Frequentemente defendido por partidos eurofóbicos no cenário nacional, o fim da zona de 26 países (incluindo 22 dos 28 membros da UE) foi levantado até mesmo pela chanceler alemã Angela Merkel, que apelou a uma ação conjunta para evitar essa decisão.
“Se não alcançarmos uma distribuição justa (dos refugiados na Europa) então a questão (do futuro da área de livre circulação) Schengen irá se impor. Nós não queremos isso”, afirmou Merkel na segunda-feira.
“Se a Europa fracassar na crise de refugiados, a relação com os direitos civis universais será quebrada, ela será destruída”, advertiu a chanceler, cujo país parou de devolver os requerentes de asilo sírios ao país de entrada na União Europeia.
E enquanto a Itália e a Grécia deixam passar os refugiados em trânsito, muitos Estados-membros são tentados a recuperar o controle de suas fronteiras.
“O que está em perigo é um dos pilares fundamentais da UE, a livre circulação de pessoas”, advertiu recentemente o ministro das Relações Exteriores italiano, Paolo Gentiloni.
“Os migrantes não chegam na Grécia, Itália ou Hungria. Eles chegam na Europa”, lembrou, instando os europeus a uma maior solidariedade.
Para a Comissão Europeia, “não podemos excluir as modificações necessárias” das regras de livre circulação, como já foi feito, mas “o princípio permanece o mesmo”, insistiu na terça-feira uma porta-voz, Natasha Bertauds.
Contudo, a Comissão não se desespera em conseguir uma mudança nos próximos meses de um outro acordo que o de Dublin, que é baseado na responsabilidade do Estado de entrada na UE de apoiar o migrante.
Ela defende um “mecanismo permanente”, a fim de partilhar equitativamente os requerentes de asilo em caso de emergência.
“Quando há fronteiras externas comuns, não podemos deixar sozinhos os Estados-membros que estão na linha de frente”, ressaltou o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, em um artigo publicado nesta quarta-feira no jornal Irish Times.
A Comissão, para quem Schengen é “um dos maiores sucessos” da UE, já abriu cerca de trinta processos por infração dos Estados às regras comuns nesta zona e advertência foram enviadas esta semana para alguns.
Enquanto isso, ofereceu ajuda para a Hungria, pressionada pelo fluxo de migrantes, e cuja situação é “grave e urgente”.
A saída de Schengen, “é um espantalho de um ponto de vista político” uma vez que o acordo “tem trazido benefícios econômicos significativos para a Europa”, disse Marc Pierini, pesquisador do Carnegie Europe, questionado pela AFP.
“A verdadeira solução seria ter uma política comum de asilo clara e criar corredores e campos de trânsito onde seria concedido o status de refugiado”, desde que haja um acordo entre países sobre a distribuição desses refugiados, preconizou Pierini.
“Se não chegarmos a isto, os governos vão permanecer sob pressão política dos populistas nos Estados-membros”, afirmou.
A extrema-direita francesa denunciou nesta quarta-feira “um verdadeiro dilúvio migratório”. “Obrigado, União Europeia, obrigado, Schengen”, declarou a presidente da Frente Nacional, Marine Le Pen.
“A responsabilidade da União Europeia e de seus Estados-membros está comprometida”, admitiu, por sua vez, o ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, em um artigo publicado nesta quarta-feira no jornal francês Libération.
É preciso “que os europeus concordem com uma política comum de asilo”, argumentou Cazeneuve, e que “os imigrantes ilegais, que não podem beneficiar do asilo, sejam impedidos de chegar à Europa, onde não poderão permanecer”.
Para Matthieu Tardis, especialista em migração no Ifri (Instituto Francês de Relações Internacionais), questionar o Schengen “é um risco, porque cada Estado-membro trata esta questão de maneira muito nacional, em função de sua opinião pública”.
Certamente, há um processo de harmonização das condições de exercício do direito de asilo em diversos Estados, “mas as condições ainda são muito diferentes de um país para outro”, observa o pesquisador, destacando que nos últimos meses destacou-se “a falta de confiança mútua” dos Estados europeus.
“Cabe aos líderes europeus mostrar que a liberdade de circulação é essencial para a União Europeia para evitar que essa conquista concreta de integração seja colocada em questão”, argumenta Tardis.