Governo federal quer investir bilhões em transporte, mas o dinheiro não é suficiente. Cenário põe em xeque expansão planejada das famosas autobahns e divide aliados.O orçamento do governo alemão para 2026 é tema de debate no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento, onde se discute em quais projetos de infraestrutura Berlim pode e deve investir. A proposta de orçamento apresentada pelo ministro das Finanças e vice-chanceler federal, Lars Klingbeil, será debatida por cerca de dois meses antes de ser submetida à aprovação dos parlamentares no final de novembro.

O que já está claro, porém, é que essas deliberações não serão fáceis. Muitos ministérios deverão trabalhar com orçamentos significativamente reduzidos, já que as receitas tributárias estão longe de ser suficientes para cobrir os gastos do governo.

No início das discussões orçamentárias, Klingbeil falou em tempos difíceis. O governo, liderado pelas legendas conservadoras União Democrata Cristã (CDU) e União Social Crista (CSU), juntamente com o Partido Social Democrata (SPD), do vice-chanceler, terá que tomar “decisões corajosas e, às vezes, desconfortáveis”. “Será exaustivo, será desafiador”, disse o ministro. A dívida pública, de 63% do PIB, só não é mais alta do que na época da pandemia de covid-19.

25 mil rodovias precisam de reparos

O Ministério dos Transportes, contudo, não vinha se preocupando com os cortes orçamentários, já que a reforma da infraestrutura degradada do país é prioridade máxima, e o governo lançou recentemente um superpacote de 500 bilhões de euros, financiado por crédito, voltado para investimentos em infraestrutura e proteção climática.

“Nosso país foi arruinado por medidas de austeridade em muitas áreas. Queremos que as escavadeiras avancem rapidamente”, assegurou o ministro das Finanças.

O ministro dos Transportes, Patrick Schnieder, espera que sua pasta se beneficie enormemente desse fundo especial. Rotas de transporte, ou seja, estradas, ferrovias e pontes, fazem parte da infraestrutura e estão em más condições na Alemanha.

As autobahns (vias expressas da Alemanha) somam cerca de 13,2 mil quilômetros. Metade delas está danificada, de acordo com o Ministério dos Transportes. Esse número sobe para 25 mil quilômetros se consideradas também as rodovias federais.

Mais crítica ainda é a situação das pontes nas vias expressas: cerca de 5 mil têm que ser reparadas urgentemente ou reconstruídas. A rede da empresa alemã de ferrovias Deutsche Bahn também está tão deteriorada que apenas um em cada dois trens chega ao seu destino com pontualidade.

Klingbeil, no entanto, destinou pouco menos de 12 bilhões de euros do fundo especial ao Ministério dos Transportes no atual ano fiscal. Em 2026, espera-se que esse valor aumente para mais de 21 bilhões de euros. O que o ministro dos Transportes certamente não esperava, no entanto, é que Klingbeil, em contrapartida, cortasse o orçamento total do Ministério dos Transportes em dez bilhões de euros, reduzindo-o para 28 bilhões.

O vice-chanceler nega que tenha a intenção de usar os bilhões economizados para tapar buracos no orçamento. Mesmo assim, ele é duramente criticado pela oposição, já que o governo havia prometido que os empréstimos do fundo especial seriam destinados apenas ao financiamento de novos investimentos.

Queda de braço ministerial

O ministro dos Transportes também reagiu com frustração. Não apenas porque sua pasta deverá receber menos dinheiro, mas também em razão das restrições adicionais. Nenhuma nova construção ou expansão pode ser financiada pelo fundo especial, com exceção das pontes rodoviárias que não podem mais ser reformadas. Tais despesas deverão ser cobertas pelo orçamento regular.

No entanto, segundo Schnieder, o orçamento reduzido não basta. “Temos um déficit de cerca de 15 bilhões de euros entre 2026 e 2029”, calculou em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ). No total, 74 projetos novos e de expansão para rodovias e 99 projetos de rodovias federais já planejados devem ser interrompidos e temporariamente adiados. Isso afeta principalmente o fechamento de lacunas em rodovias ou desvios.

A Comissão de Orçamento do Bundestag solicitou ao Ministério dos Transportes uma lista de todas as rotas afetadas. Schnieder atendeu e entregou junto os distritos eleitorais em que elas estão localizadas. Isso permite que cada membro do Bundestag veja rapidamente como a falta de orçamento impacta seus redutos e eleitorado, bem como os demais cidadãos em cada localidade.

“Ainda há muito a ser feito nas discussões orçamentárias em andamento”, disse Schnieder ao FAZ. “Eu acolheria com satisfação se recebêssemos mais financiamento para novas construções e expansões.”

Mas é exatamente isso que o ministro das Finanças, Klingbeil, rejeita. Em uma carta redigida em tom ríspido a Schnieder, ele destacou que o governo federal havia concordado em conjunto com os investimentos planejados em transportes, que o ministro também havia aceitado o quadro financeiro estabelecido,e que o setor de transportes já lidera em quantidade de investimentos: um total de 166 bilhões de euros até 2029. Schnieder precisa agora priorizar e usar seus fundos de forma eficaz, sugeriu.

Estados e parlamentares protestam

A indignação é generalizada nos locais afetados pelo congelamento das construções. Os estados insistem em manter o financiamento de novos projetos, e nisso são apoiados por CDU e CSU. O líder da bancada conservadora no parlamento, Steffen Bilger, afirma não haver compreensão para a recusa quando o governo aceitou contrair uma dívida de 500 bilhões de euros.

Em uma reunião do grupo, o chanceler federal e líder da CDU,Friedrich Merz, prometeu que fará de tudo para viabilizar o maior número possível de projetos novos. O tema será discutido agora internamente com o SPD.

Schnieder reconheceu no Bundestag que há limites ao uso do fundo especial, mas sinalizou a intenção de flexibilizá-lo, priorizando reformas e manutenções. “No processo parlamentar, trabalharemos juntos para encontrar soluções e maior flexibilidade nos investimentos em transporte”, afirmou, acrescentando que, “nos próximos orçamentos, também devemos nos concentrar no aumento da construção de novas estradas e ferrovias”.

A bancada do SPD, porém, vem enviando sinais mistos sobre a questão. O líder do partido no Bundestag, Dirk Wiese, disse que o princípio de “manutenção antes de novas construções” não significa que todos os projetos planejados anteriormente deixarão de ser implementados, mas que também é responsabilidade do ministro dos Transportes garantir a priorização.

Tribunal de Contas critica o governo

É possível presumir que o debate sobre novas rodovias e estradas não será a única controvérsia nas deliberações orçamentárias. Especialmente porque o Tribunal de Contas do país, que supervisiona os gastos do Estado, vem exigindo maiores medidas de austeridade por parte do governo.

De acordo com um relatório do órgão sobre o orçamento de 2026, o governo federal está vivendo além de suas possibilidades. Quem planeja financiar quase um em cada três euros “a crédito” está longe de ter um sistema financeiro sólido, e há o risco de uma espiral de dívida, alertou a corte.

“O investimento público por si só não consegue suprir as necessidades da Alemanha e não compensa o que negligenciamos nos últimos anos em termos de investimento, inclusive em nossa infraestrutura”, ponderou Merz, estendendo a mão para o setor privado em busca de ajuda. “Estes também podem ser projetos conjuntos entre o setor público e investidores privados. Estamos planejando criar projetos mais amplos de parcerias público-privadas com o Ministério dos Transportes.”