As crises que abalam o mundo não devem atrapalhar a luta contra a crise climática, já muito tímida, afirmou nesta segunda-feira a chefe da ONU-Clima, abrindo negociações que devem dar impulso à próxima conferência climática em novembro no Egito.

Representantes de cerca de 200 países estão reunidos para 11 dias de “sessão intermediária” em Bonn, sede da agência especializada da ONU, para tentar concretizar a ambição apresentada há seis meses, durante a COP26 em Glasgow.

A comunidade internacional reafirmou então o objetivo – por enquanto fora de alcance – de conter o aquecimento global a 1,5°C quando já estamos em 1,1°C desde que a humanidade começou a usar industrialmente as energias fósseis.

Desde então, o mundo foi abalado pela invasão russa da Ucrânia e suas consequências nos mercados de energia e alimentos, muitas vezes empurrando a crise climática para segundo plano, apesar da divulgação de um novo relatório alarmante do IPCC, os especialistas em clima da ONU.

“Não é aceitável dizer que estamos vivendo tempos difíceis” para justificar a inação, porque “a mudança climática não é um assunto que podemos adiar para mais tarde”, martelou na abertura das negociações a mexicana Patricia Espinosa, chefe da ONU-clima.

– “Decisões muito difíceis” –

Porque pontos-chaves continuam em suspenso a poucos meses da próxima COP27, de 7 a 18 de novembro em Sharm al-Sheikh, no Mar Vermelho.

E em primeiro lugar a redução das emissões de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global. “Estamos longe de onde a ciência nos diz que deveríamos estar”, insistiu Espinosa, alertando “que teremos que tomar decisões muito difíceis”.

O “pacto climático” alcançado em Glasgow convocou os países a “revisitar e fortalecer” seus objetivos para “alinhá-los” com os do acordo de Paris “até o final de 2022”. “Precisamos desses planos!” lançou a chefe da ONU-Clima, pedindo “avanços mais rápidos”.

O acordo de Paris, peça fundamental na luta contra as mudanças climáticas, visa “conter o aumento da temperatura média do planeta bem abaixo dos 2°C em relação aos níveis pré-industriais” e se possível a 1,5°C.

No entanto, muitos países não estão cumprindo seus compromissos atuais… que, no entanto, deixam os objetivos de Paris “fora de alcance”, segundo especialistas do IPCC.

Eles estimam que o mundo está atualmente em uma trajetória catastrófica de aquecimento de 2,8°C.

A ausência de novos compromissos quantificados alguns meses antes da COP27 ilustra a “desconexão entre as evidências científicas de uma crise global em preparação, com impactos climáticos inimagináveis, e a falta de ação”, lamenta Johan Rockström, diretor do Instituto de Pesquisa sobre o Impacto das Mudanças Climáticas em Potsdam (PIK).

– “Visão clara” –

Outra questão é a ajuda dos países ricos, muitas vezes os maiores emissores históricos, aos mais pobres, os menos responsáveis pelo aquecimento global, mas muitas vezes na linha de frente de seus impactos.

A promessa de ajudá-los a enfrentar os desafios das mudanças climáticas na ordem de 100 bilhões de dólares por ano em 2020 ainda não foi cumprida.

E diante da multiplicação de secas, cheias e incêndios ou a inexorável elevação dos oceanos, é o financiamento específico das “perdas e danos” sofridos que está agora em cima da mesa.

Os países ricos bloquearam este pedido em Glasgow, com um compromisso final sobre a criação de um quadro de “diálogo” até 2024 para “discutir as modalidades de financiamento”.

Esta “questão controversa deve ser abordada de forma construtiva e com visão de futuro”, desejou Espinosa, pedindo também um melhor financiamento para a adaptação aos efeitos do aquecimento global.

Porque a desconfiança persiste. Bonn não deve ser “apenas mais um fórum de discussões”, alertou a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis), que exige “uma visão clara de quando e como (será aplicado) o financiamento específico de perdas e danos”.

E para a Climate Action Network, a principal federação global de ONGs ambientais, as negociações devem “definir expectativas claras e preparar as principais medidas” para se materializar em Sharm el-Sheikh, “focando nas necessidades daqueles que são mais atingidos pelos impactos da crise climática”.