cubalibre7_22.jpg

 

A DECISÃO DE FIDEL CASTRO EM RENUNCIAR ao poder após 49 anos pegou o mundo de surpresa. O anúncio veio cinco dias antes da abertura da Assembléia Nacional, no domingo 24, que decidirá o nome do novo presidente de Cuba. E a pergunta que se faz agora é: o que será da economia cubana daqui para a frente? Se há dois anos era improvável um debate sobre a abertura de Cuba, hoje não faltam exercícios de futurologia. Àquela época, quando Fidel se licenciou do cargo, abrindo espaço para seu irmão Raúl Castro assumir a Presidência, Cuba experimentava os efeitos de mudanças idealizadas pelo próprio Raúl que se materializaram em crescimentos do PIB em torno dos 9%. É também nas mãos de Raúl que se encontra parte do destino de Cuba. Discreto adepto da abertura econômica promovida pela China, o atual presidente comandará o processo de sucessão de Fidel. E o velho comandante deixou claro em seu testamento político o que quer ver. ?Felizmente, nossa revolução ainda pode contar com quadros da velha guarda, junto a outros que são muito jovens?, escreveu Fidel. ?Dispõe igualmente nosso processo da geração intermediária.? Pela vontade do comandante, Raúl deve manter-se no cargo que já ocupa. Outro quadro importante é Carlos Lage, 56 anos, vice-presidente do Conselho de Estado, considerado o primeiro-ministro de Cuba. É creditada a ele a facilidade de negociação para trazer o petróleo venezuelano que abastece a Ilha. O mais jovem é Felipe Pérez Roque, 43 anos, ministro das Relações Exteriores, favorável à negociação com os Estados Unidos para o fim do embargo comercial.

Na primeira etapa, Raúl Castro deve suceder Fidel; em seguida, haveria espaço para as ?novas gerações?

cubalibre2_22.jpg

 

Essa tríade começou, há alguns anos, a desenhar o mapa político-econômico de Cuba, para a fase pós-Fidel. Raúl Castro, junto a Che Guevara, representava, no início, o setor mais radical da revolução. ?Eles eram os únicos que se reconheciam como marxistas?, diz o historiador Pacho O?Donnell, autor da biografia Che. Em parceria com Carlos Lage, Raúl convenceu Fidel a suavizar a mão do Estado comunista, liberando parcialmente setores como turismo, energia, mineração e transporte portuário ao capital externo. Nessas áreas, os estrangeiros participam de 362 empreendimentos em Cuba, sendo 237 empresas de capital misto e 125 arranjos contratuais. Juntos, movimentaram, em 2007, quase 10% do PIB cubano, de US$ 45,4 bilhões, tendo à frente canadenses e espanhóis como principais investidores. É um crescimento que contrasta com a Cuba pós- União Soviética, quando o PIB chegou a cair a US$ 17 bilhões. De lá para cá, Raúl e Lage fundamentaram a economia em quatro pilares: abertura gradual; boa maré mundial; exportação de níquel; e Hugo Chávez. É o venezuelano quem abastece a Ilha com 100 mil barris diários de gasolina, diesel e gás. O problema é que essa base é frágil. Nem Chávez e nem a maré mundial são confiáveis. E sobre a abertura, há a desconfiança dos investidores. ?A transição exigirá a construção de instituições com credibilidade. Entre esses preceitos está o direito à propriedade privada?, diz Ricardo Amorim, chefe do departamento de pesquisas do WestLB. ?Quando o capital se sentir mais seguro, Cuba será o país de maior crescimento mundial.?

 cubalibre6_22.jpg

CAPITAL EXTERNO: multinacionais, como a Peugeot, estão entre as 362 empresas estrangeiras que já investem em Cuba

Mas para que a transição cubana tenha efeito, será preciso convencer os Estados Unidos de que a Ilha não merece continuar a viver na década de 50. E ainda não há a menor garantia disso. O vice-secretário de Estado americano, John Negroponte, deu o tom do governo ao dizer que o embargo econômico, imposto em 1962, continuará. ?A saída de Fidel não representa o fim da família Castro no poder?, disse. Contudo, com as eleições batendo à porta e o eleitorado cubano a ser conquistado, tanto Barack Obama quanto Hillary Clinton disseram que os Estados Unidos devem estar prontos para reformas graduais em Cuba. E o Brasil exercerá papel importante nesse processo. Na visita do presidente Lula a Cuba, em janeiro, Raúl Castro afirmou que desejava acelerar o processo de transição política e econômica na ilha. Ele pediu a Lula ajuda para aumentar investimentos no país e melhorar as relações internacionais, sobretudo com os EUA. ?Raúl disse que Lula seria o interlocutor ideal?, disse um diplomata à DINHEIRO.

 

É um trabalho que pode render negócios para o País. Na visita a Havana, Lula chegou a anunciar investimentos de US$ 1 bilhão em Cuba, mas só US$ 200 mil se concretizaram. Ao contrário do que se pensou à época, o problema não foram os cubanos. O que inviabilizou o acerto dos negócios foi o temor de uma retaliação americana às empresas brasileiras. ?Temos um amplo mercado a explorar nos setores de alimentos, máquinas, construção civil e bens de consumo?, avisa Alessandro Teixeira, presidente da Apex. Ao verificar o comércio entre os dois países, desde 2003, as trocas evoluíram 348%, passando de US$ 91 milhões para US$ 412 milhões. ?Temos espaço para crescer mais?, avalia Bernardo Pericaz, embaixador do Brasil em Cuba. ?E, se pudermos ajudar Cuba a sair do ostracismo comercial, poderemos nos estabelecer com uma imagem única?. Uma imagem que poderá ficar nos muros de Havana, a exemplo de Fidel, Che e Cienfuegos.

cubalibre5_22.jpg

 

Após 49 anos no poder, Fidel Castro é o primeiro revolucionário que se aposenta
POR OCTÁVIO COSTA

 

A IMAGEM DOS JOVENS GUERRILHEIROS entrando em Havana no alto de tanques, no dia 8 de janeiro de 1959, fez a cabeça de várias gerações ao redor do mundo. Se Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos, à frente de um punhado de companheiros, conseguiram derrubar o governo do ditador Fulgêncio Batista, era possível sonhar com o fim da injustiça social na América do Sul. Fidel havia tentado um golpe em 1953, mas fracassou, foi preso e escapou por pouco da execução. Salvou-o um tenente, Pedro Sarriá, com uma frase de efeito: ?Não atirem, não se matam as idéias.? Depois de mofar na prisão, Fidel foi para o México em 1955, onde conheceu o médico argentino Che e treinou um novo grupo de combatentes. A bordo do iate Granma, carregado de armas e munição, chegaram à costa cubana em 1º de dezembro de 1956. Desembarcaram e deram início à guerrilha. Após dois anos, puseram Batista para correr em 1959 e desceram a Sierra Maestra, em triunfo, nos braços do povo. Não há o que discutir. Aqueles barbudos fizeram história.

O carismático Cienfuegos morreu em outubro de 1959, num misterioso acidente de avião. Seu corpo nunca foi encontrado. Sem pendor para atividades burocráticas, Che Guevara tentou exportar a revolução, mas não foi feliz.Terminou assassinado na Bolívia, em 1967. Cienfuegos e Che tornaram-se mitos. O destino de Fidel Castro foi bem diferente. Coube a ele pôr em prática a doutrina marxista. A exemplo do que fez Lênin na revolução russa, Fidel não deu trégua nem espaço ao idealismo libertário. Mesmo à esquerda, os críticos do regime foram tratados a ferro e fogo. Como se permitir oposição numa pequena ilha do Caribe, que tem em seu poderoso vizinho, os Estados Unidos, o mais terrível e odiado adversário? Assim pensava Fidel. E a democracia, nos moldes burgueses, poderia aguardar um pouco.

Infelizmente, porém, a democracia é um valor universal. E a revolução cubana, com o passar dos anos, não se oxigenou, perdeu o viço. Obteve avanços, é certo, em educação e saúde, sob o manto protetor do Estado. Mas, acomodado à mesada e ao petróleo soviéticos, Fidel não soube criar um modelo econômico autônomo e independente. O país ficou para trás. Continuou a produzir açúcar ? e só. O turismo gera renda, mas muito aquém do potencial da belíssima ilha. As oportunidades de trabalho e de progresso material ficaram reduzidas ao limite da sobrevivência. Com o fim da União Soviética em 1992, o quadro agravou-se ainda mais. Os cubanos passaram a viver da mão pra boca. Recomendase a quem tem dúvida a leitura da obra do jornalista Pedro Juan Gutierrez. O livro ?O Rei de Havana? serve de bom exemplo do que se passa nas ruas de Habana Vieja.

Lá se vão quase 50 anos e o comandante Fidel, apesar das imensas dificuldades de seu povo, não recuou um milímetro em suas idéias. Teve nas mãos a chance de liberalizar o regime cubano, mas não quis. Em sua mensagem de despedida, citou o amigo Oscar Niemeyer: ?É preciso ser conseqüente até o fim.? Fidel, sem dúvida, foi conseqüente. E, mesmo assim, conseguiu escapar do ditado fatalista segundo o qual a revolução é igual a Saturno e come seus próprios filhos. Sobreviveu a tudo e a todos. Aos 81 anos, doente, Fidel Castro faz história novamente: é o primeiro revolucionário que se aposenta.