10/05/2024 - 16:50
A tragédia que acomete o Rio Grande do Sul é o tipo de desastre em que parece difícil encontrar algum aprendizado na dor. Chuva torrencial, cidades inteiras debaixo d’água, vidas ceifadas, perdas bilionárias para pessoas físicas, jurídicas e para o poder público. Com resgates em curso, o governador do estado, Eduardo Leite, afirmou que não é hora de encontrar culpados e disse que nem haveria quem culpar. E talvez aqui seja o lugar do aprendizado.
• Houve falta de planejamento no combate às enchentes.
• Faltou investimento, rotas de saída e estratégia.
Seja pelo negacionismo advindo da ignorância ou pela negligência guiada pela falta de orçamento, o fato é que o estado vive um de seus momentos mais delicados da história, com mais de 100 mortes confirmadas e milhares de famílias desabrigadas.
Até a quarta-feira (8), 78% do estado estava em situação crítica, e a magnitude dos acontecimentos obrigou o resto do Brasil a reconhecer que as emergências climáticas estão aí, não há turning back. Se do ponto de vista humano o acontecimento deixará marcas para sempre no povo sulista, sob a ótica do capital, as perdas podem chegar a R$ 50 bilhões.
A estimativa, feita por técnicos do Ministério do Planejamento, envolve:
• os recursos perdidos com empresas fechadas,
• produções agrícolas devastadas,
• e serviços paralisados.
Além disso, serão necessários recursos bilionários para reerguer algumas cidades, entre elas Porto Alegre, a capital financeira do Rio Grande do Sul. A estimativa é que cerca de 65% dos prejuízos sejam reparados com capital privado, enquanto cidades, estado e União devem dividir os 35% restantes.
Do ponto de vista do gasto do governo federal, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que os gastos projetados não provocarão nenhum “arranhão no Orçamento”.
A pasta também estuda medidas voltadas ao agronegócio, suspensão de prazos de pagamento de tributos e direcionamento de crédito, como um eventual programa para a compra de equipamentos da linha branca.
E como isso tudo não arranharia o Orçamento? Porque há um esforço entre o Legislativo e o Executivo para redirecionar recursos e não restringir o gasto à emissão de dívida.
Os primeiros passos vieram do próprio Congresso, com parlamentares organizando as pautas para enviar ao RS recursos de emendas. Há ainda a discussão sobre o uso de parte do fundo eleitoral para este fim, uma proposta que ainda tem sido negociada com os partidos. Lula também liberou R$ 1,4 bilhão do PAC para o estado.
À DINHEIRO, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que o clima entre os Poderes é de unir esforços, inclusive no Judiciário. “O STF está encontrando formas de travar o pagamento das dívidas públicas das cidades e estados. O Executivo tem organizado as demandas e liberado recursos e nós estamos correndo para aprovação de medidas que garantam o andamento da reconstrução”, disse.
E o estrago não foi pequeno. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), serão necessários, apenas para reparos públicos, R$ 4,6 bilhões nas cidades atingidas.
O problema desta dinâmica custosa é que ela abre precedente para outros gastos. Com o Estado de Calamidade decretado pelo Congresso, fica definido que os gastos com o Rio Grande do Sul ficarão fora do Arcabouço Fiscal, abrindo, por exemplo, espaço para que o governo faça uma captação de recursos por meio de emissão de dívida.
Aproveitando a toada, parlamentares do PL e do PSDB propuseram o retorno do auxílio emergencial, nos moldes da Covid, e ajuda aos empresários que têm base de clientes no Rio Grande do Sul, além das “emendas pix”, uma jogada para dar celeridade (e menos lastro) para o dinheiro. Para Carla Beni, economista e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), usar uma tragédia para trazer de volta medidas populistas, visando a eleição nas cidades, é absurdo. “Vejo políticos chafurdando na lama da tragédia do Rio Grande do Sul. Parlamentares que nada fizeram para enviar recursos para evitar o desastre querendo que alguém banque suas medidas populistas”, disse.
Nesse sentido, o governo federal tem batido na tecla de que todo suporte será dado dentro da necessidade. O presidente Lula, por exemplo, afirmou que o RS tem o governo federal ao seu lado na caminhada da reconstrução, mas que tudo é paliativo. “Vamos reerguer o estado, mas precisamos olhar para todo o Brasil e perceber que não adianta correr com dinheiro quando a tragédia acontece. É preciso evitar que elas aconteçam”, disse.
GASTO COM PREVENÇÃO
Evitar, inclusive, precisa ser a palavra da vez. Para Cibele Ventique, doutora em economia verde e conselheira da ONU no comitê de gestão de recursos para combate às emergências climáticas, o Brasil não conseguiu passar do discurso. “O País faz discursos lindos na ONU e encabeça fóruns por todo o mundo. Mas o fato é que não sabemos ainda lidar com desastres naturais”, disse.
Na ONU, o argumento é que pelo fato de o Brasil nunca ter enfrentado emergências como terremotos, erupções ou tsunamis foram criadas estruturas muito frágeis nas cidades. “Tudo isso em um cenário em que, diante da necessidade de conter custos, os de prevenção estão entre os primeiros a serem cortados”, disse ela.
E a tragédia no RS corrobora com esse argumento. Ano passado, o governo do Rio Grande do Sul diminuiu em 8% os gastos com defesa civil na comparação com 2022. A Prefeitura de Porto Alegre reduziu em 68%. Os dados foram obtidos no Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), plataforma do Tesouro Nacional.
Em 2024, o Orçamento do Rio Grande do Sul destinava R$ 117 milhões para inibição de emergências climáticas, o que representa 0,2% do Orçamento total do estado. Pouco. Muito pouco para um País que se gaba de dar atenção ao meio ambiente, mas claramente subestima sua força.
ÁGUA NO CAMPO
Enquanto as famílias e empresas nos centros urbanos do Rio Grande do Sul tentam se abrigar para olhar para o futuro, no campo algumas respostas já estão postas. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o setor agrícola já contabiliza um prejuízo de R$ 423,8 milhões. Na pecuária as perdas somam R$ 83 milhões, enquanto a indústria calcula R$ 57,3 milhões de débitos em efeitos da tragédia.
A CNM reforça que esses números, no entanto, referem-se apenas a 25 municípios que conseguiram cadastrar informações no sistema do Ministério da Integração. A prévia foi o bastante para acender o alerta no governo federal, que anunciou na terça-feira (7) que prepara uma MP para autorizar a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a importar 1 milhão de toneladas de arroz para evitar impactos sobre os preços, já que muitas lavouras do estado, principal produtor do cereal, foram atingidas pelas enchentes.
Para José Giacomo Baccarin, um dos fundadores do Instituto Fome Zero, a questão do arroz é um problema desde antes do início da temporada de chuvas. “As safras brasileiras já não estavam adequadas, de forma que o preço aumentou ano passado”, disse.
Sobre a possibilidade de compra aventada pelo governo federal, o especialista afirma que não se recupera estoque público de uma hora para outra. “No caso do arroz, seria interessante que se pensasse nisso. Mas não faz sentido comprar arroz enquanto os preços estiverem altos. Temos mesmo que facilitar a importação, reduzir a tarifa a zero e estimular a produção interna para não termos um problema ainda mais sério”, disse.
Atualmente, a produção de arroz no Brasil se concentra na Região Sul, que detém 70% do cereal que se consome no Brasil, com boa parte da produção vinda do Rio Grande do Sul. Um problema grande, que terá impacto na inflação nacional.