Sem o golpe militar de 1964, Dilma Rousseff nunca teria entrado para a militância política. Se não tivesse se filiado ao PDT, não teria virado secretária da Fazenda da Prefeitura de Porto Alegre e depois secretária de Minas e Energia do Estado do Rio Grande do Sul, nos governos de Alceu Collares (PDT) e Olívio Dutra (PT). Se o PDT não tivesse rachado com o PT em 2000, Dilma jamais teria se filiado ao PT para continuar no governo de Olívio Dutra e, provavelmente, não teria se tornado ministra de Lula. Se José Dirceu não tivesse deixado a Casa Civil, em 2005, Dilma dificilmente comandaria os principais projetos do governo. 

 

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Dilma Rousseff ao lado da mãe, Dilma Jane, que foi professora, do irmão e do pai, o imigrante búlgaro Pétar Russév

 

Se Antônio Palocci tivesse permanecido no ministério, Dilma não teria sido a candidata escolhida por Lula para disputar a recente eleição. Por uma sucessão de acasos, Dilma entra para a história como a primeira mulher presidente do Brasil. 

 

Mas dois de seus traços – uma determinação quase messiânica e uma disciplina militar – foram cruciais em sua trajetória e caíram como uma luva no governo Lula no momento em que ele perdeu seu braço direito, José Dirceu, e a colocou na Casa Civil. 

 

Filha de Dilma Jane Silva, uma professora nascida em Nova Friburgo (RJ) e criada em Uberaba, com o búlgaro Pétar Russév, imigrante que adotou o nome Pedro Rousseff quando desembarcou no País, no fim dos anos 30, Dilma Vana Rousseff foi a segunda dos três filhos do casal e nasceu em 14 de dezembro de 1947. 

 

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Uma foto do álbum de família, ao lado do irmão Igor, o primogênito, e da irmã Zana Lúcia, a caçula, já falecida

 

A nova presidente ainda teve um irmão por parte de pai chamado Luben, morto em 2007 e que foi abandonado por Pétar antes de nascer, quando o patriarca dos Rousseff deixou a Bulgária, em 1929, para se aventurar na França, depois na Argentina até se estabelecer no Brasil, mais precisamente em Belo Horizonte. 

 

No País, Pedro Rousseff se firmou trabalhando em obras da siderúrgica Mannesman. Dessa forma, conseguiu proporcionar uma boa vida para seus filhos, que estudaram nas melhores escolas da capital mineira. Primeiro Dilma frequentou o colégio Sion, depois, já adolescente, o colégio estadual. 

 

É lá que, em 1965, ela passa a ter os primeiros contatos com a militância política e se une à Política Operária (Polop), grupo marxista que visava derrubar a ditadura. No grupo, ela conheceu Cláudio Galeno Linhares, com quem se casou. 

 

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Dilma no baile de debutantes, com colegas de turma em Belo Horizonte, num tempo em que nem sonhava com política

 

Juntos, compartilhando os mesmos ideais, integraram mais tarde o Comando de Libertação Nacional (Colina). Apesar de Dilma ter aprendido como lidar com armas e bombas, ela nunca chegou a usá-las. Enquanto o Colina organizava assaltos a bancos e atentados, em Minas Gerais, ela se dedicava às discussões políticas. 

 

Mas, no início de 1969, muitos integrantes do Colina foram presos e Dilma teve de entrar para a clandestinidade junto com o marido. Os dois acabaram fugindo para o Rio de Janeiro. No Estado fluminense, ambos participaram de reuniões do grupo e, em uma delas, Dilma conheceu Carlos Araújo com quem logo simpatizou. 

 

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Dilma Rousseff na foto tirada quando foi fichada pela polícia

 

Apaixonada, avisou Galeno de seu romance e se casou com Araújo. Foi nessa época que o Colina se uniu à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de Carlos Lamarca, o capitão que desertou do Exército para lutar contra a ditadura. 

 

 

Juntos, os dois grupos formaram a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). “Eu a conheci na clandestinidade”, diz Darcy Rodrigues, 69 anos, sargento que abandonou o Exército para lutar ao lado de Lamarca. “A Dilma era o meu contato no Rio de Janeiro e usava codinomes como Vilma, Vanda, Luisa, entre outros.” 

 

Ela era responsável por passar os documentos e informações da organização para Darcy. “Mas ela não participava de ações armadas”, diz ele, que foi um dos responsáveis pela segurança da operação do roubo de US$ 2,5 milhões guardados no cofre de Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo, em poder de sua amante, no Rio de Janeiro. 

 

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A ficha de Dilma feita pelos militares em função da atividade guerrilheira no Colina

 

Depois da operação, o grupo acabou se dividindo, em setembro de 1969. No início de 1970, porém, Dilma acaba sendo presa e torturada. Chegou ao presídio Tiradentes, em São Paulo, em fevereiro de 1970. Como se tratava de uma presa política, ficou em uma ala chamada Torre das Donzelas. “Éramos quase 40 mulheres”, diz Rose Nogueira, 64 anos. “Quando ela chegou, cantamos para recebê-la. Era uma forma de quebrar o gelo e proporcionar uma condição mínima de conforto para quem entrava na prisão.” Nos três anos em que permaneceu no presídio, Dilma entrou na rotina das presas. Ajudava a cozinhar, lavava panelas e fazia trabalhos manuais como crochê. 

 

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Como secretária de Minas e Energia de Olívio Dutra, teve papel decisivo para livrar o Rio Grande do Sul do apagão

 

“Também jogávamos baralho, mas ela preferia estudar e ler livros”, diz Rosalba de Almeida Moledo, 67 anos. Desde aquela época, diz Rose Nogueira, Dilma mostrava liderança. “Nas discussões, ela conseguia dobrar as pessoas.” Quando lembram dos velhos tempos na prisão, suas companheiras de cárcere recordam de uma Dilma que devorava livros sem parar. 

 

“Ela sabia que um dia a ditadura iria acabar e a vida seguiria”, diz Rose. A preparação seria fundamental para o futuro. Em 1973, quando saiu da prisão, foi diretamente para o Rio Grande do Sul, onde seu marido, Carlos Araújo, estava preso. 

 

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Em janeiro de 2003, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva , ela é diplomada ministra de Minas e Energia

 

Enquanto esperava ele ser libertado, Dilma cursou economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela, entretanto, nunca deixou de militar. Em 1979, quando Leonel Brizola fundou o PDT, Dilma foi uma das primeiras a se filiar. 

 

 

“Ela foi presidente da Ação da Mulher Trabalhista”, diz Alceu Collares, ex-prefeito de Porto Alegre e ex-governador do Rio Grande do Sul. A estreita relação com Collares ajudou Dilma na sua trajetória. Ela foi secretária de Fazenda da capital gaúcha, depois virou secretária de Minas e Energia do Estado. 

 

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Já na Casa Civil, onde assumiu o comando dos programas mais importantes do governo Lula, como o PAC

 

Em 1998, Olívio Dutra (PT) se candidatou ao governo gaúcho e formou uma coligação com o PDT. Ao vencer a eleição, levou Dilma para a sua secretaria. “Ela sempre se destacou por conhecer vários setores do governo”, afirma Olívio Dutra. Em 2001, Dilma se filiou ao PT, o que abriu suas portas para chegar ao goveno Lula, dois anos depois. 

 

“Ela fez o curso básico comigo e o Olívio, mas o superior e o mestrado foi com o Lula”, diz Alceu Collares. Agora, ninguém tem dúvida: chegou a hora do exame final.