21/12/2001 - 8:00
Uma briga familiar envolvendo um dos três homens mais ricos do Brasil foi bater na polícia. Em novembro, o economista Carlos Nascimento, de 46 anos, entrou na 36ª Delegacia, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, e deu queixa contra empregados de seu ex-sogro e patrão, Aloysio Faria, de 82 anos. Faria já foi dono do banco Real, controla o grupo Alfa e tem uma fortuna estimada em US$ 2,8 bilhões. Segundo Nascimento, os funcionários do banqueiro invadiram seu escritório e levaram várias caixas de documentos. No meio da papelada havia desde anotações pessoais a bilhetes sobre assuntos profissionais trocados entre Nascimento e Faria durante os 20 anos que trabalharam juntos. Poucos conhecem o conteúdo dos papéis, mas sabe-se que Nascimento está disposto a ir à Justiça para conseguir os documentos de volta.
Esse é o lance mais recente ? e nervoso ? numa briga que separou dois homens que já foram muito ligados. Até o início do ano passado, Nascimento era casado com a caçula das cinco filhas de Faria, Lúcia. Os laços de família se estendiam aos negócios. Nascimento era um dos principais executivos do grupo. Era ele quem dirigia parte dos 20 empreendimentos não-financeiros do dono do banco Alfa. Nascimento cuidava da rede de hotéis Transamérica, com faturamento de quase US$ 100 milhões por ano, e da Agropalma, fábrica de óleo de palma no Pará. Além disso, era diretor da rede de lojas Casa & Construção, da agência de viagens Fly One, da sorveteria La Basque e da engarrafadora Águas da Prata.
O casamento empresarial entre Nascimento e Faria foi rompido no final do ano passado. Num processo trabalhista de 13 volumes que corre na 57ª Vara da Justiça do Trabalho, Nascimento diz que foi demitido depois que se separou de Lúcia. Os advogados de Nascimento escrevem no processo que ele teria sido ?vítima de dispensa arbitrária, motivada por razões estritamente pessoais e não profissionais, em situação e circunstância que lhe causaram enorme desgosto moral e ofensa irreparável à imagem.? Nascimento reclama que recebeu R$ 1,9 mil ao ser demitido ? o equivalente a três diárias no Transamérica Comandatuba ?, mas teria direito a uma bolada muito maior. Seu pedido de compensação é um dos mais altos do País e é estimado entre R$ 40 milhões e R$ 200 milhões.
A disputa judicial começou no ano passado, mas a briga não parou de esquentar desde então. Segundo declarações dos advogados de Nascimento no processo, ele teria sido demitido numa reunião na Transcheck, então uma das empresas do grupo, em 18 de agosto de 2000. Quem teria lhe dado a notícia é o diretor da Transcheck, José Hilário Freitas. Enquanto os dois conversavam, a sala de Nascimento no grupo Alfa teria sido invadida e seus documentos teriam sido recolhidos, segundo os advogados. Desde então, Nascimento briga para reaver a papelada. Já conseguiu parte do material em 30 caixas lacradas, mas não encontrou tudo o que queria. Por isso, resolveu entrar com a queixa na polícia um ano depois da invasão.
Executivo do grupo desde 1980, o economista guardou centenas de bilhetes trocados com Faria. Nascimento era um profissional sistemático. Os papéis, boa parte deles sigilosos, estão meticulosamente catalogados por data e assunto. Nos documentos apreendidos também aparecem e-mails, agenda telefônica, agenda de compromissos e arquivos de computador. Da relação de documentos consta até uma lista de convidados para a festa de Natal de 2000. Nascimento foi procurado para comentar o assunto, mas não retornou as ligações. Faria também não respondeu os pedidos de entrevista, mas um advogado do grupo, Jair Tavares, classificou a história da invasão como ?ficção?. Tavares admitiu, no entanto, que a correspondência entre Faria e Nascimento foi recolhida na sala do ex-genro. ?Vamos usar o material para provar que o sr. Carlos Nascimento foi demitido por incompetência e não por vingança pessoal?, disse. Segundo Tavares, a competência de Nascimento vinha sendo questionada três anos antes da demissão. Tavares diz que o pagamento de R$ 1,9 mil foi erro de cálculo, que teria sido corrigido por outro depósito, de R$ 30 mil ? ainda assim, valor muito distante dos R$ 200 milhões pedidos por Nascimento. ?Será uma longa e dolorosa batalha jurídica?, prevê Tavares.