Vale repetir ad aeternum a frase insuperável de George Orwell: “Linguagem política é feita para que mentiras pareçam verdades”. Políticos em geral, e os brasileiros em particular, historicamente mentem. Não se trata de uma condição sine qua non, inerente ao ofício. Mas se aproxima muito disso. Tudo bem. Que pais nunca mentiram aos filhos? As coisas são o que são. Sobram duas perguntas nessas horas, quais tipos de mentira e em que contexto? No Brasil de hoje elas miram a economia. Tratar de taxa de juro, índices de desemprego ou metas de inflação são definições abstratas para a maioria das pessoas. Confunde inclusive gente letrada, o que por aqui não significa necessariamente gente inteligente. O maior desinfetante para isso tem nome: os fatos.

Apenas eles vão poder jogar luz numa discussão (honesta) sobre os três temas mais colocados à mesa pelo presidente Lula III: a) independência do Banco Central; b) taxa de juro; c) meta de inflação. Em relação ao tema primeiro, a independência do BC, Lula adotou a mesmíssima estratégia de Jair Messias Bolsonaro quando este estava pouco disposto a negociar (o que no caso de JB era sempre): jogar o tema no debate público para ver se cola. No caso de mudar a configuração de blindagem ao BC houve repercussão negativa até mesmo da parte minoritária do Congresso, a que é pró-Lula. Aí a estratégia [é recuar e dizer que nunca disse o que vivia dizendo. Para o papel de garantir que nunca foi feito aquilo que justamente foi feito escalaram o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. “Não existe qualquer discussão dentro do governo de mudar a independência do BC”, afirmou. Vou ser sincero. Finalmente descobri para que serve a secretaria.

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O bombardeio 1 não colou, mas ataques sempre servem para minar as forças contrárias. Assim, o tema 2 ficou mais palatável: derrubar os juros na canetada. Lula sabe que joga para a plateia. Tanto que em seu primeiro mandato, quando o BC era uma caixinha que respondia para ele, sem qualquer independência, teve duas oportunidades de derrubar juros que estavam na casa de 25%. Fez o contrário. Em janeiro e fevereiro de 2003, aquele BC de Lulas I elevou ainda mais a Selic, que só foi cair para dois dígitos mais baixos quase quatro anos depois, no fim de seu governo, em outubro de 2006 (chegou a 13,75%). Mesmo fazendo questão de ignorar e esconder sua história e seus atos, e sabendo que o tema (independência do BC) não colou, ele partiu para o tema 2 (queda de juro na gritaria). Esperava aqui ter o grosso do empresariado fazendo coro. E veio a surpresa 2: o mundo produtivo sabe que derrubar esse juro como quer Lula trará mais prejuízos ao País. Há mais gente na mídia que no mundo corporativo falando com Lula neste m omento. Fernando Haddad, que tem mestrado em economia e foi fiscalmente responsável com um dos maiores orçamentos do país, o da cidade de São Paulo, superior ao da maior parte dos estados brasileiros, deve estar constrangido. Apesar de também já ter atirado suas pedras no BC.

Com os bombardeios 1 (independência do BC) e 2 (derrubar Selic) atingindo menos alvos que o esperado, coloca-se na mesa o plano 3 (mudar a meta de inflação). Lula III sabe que taxa de juro não se derruba na canetada. E ele aprendeu isso do jeito mais duro, vendo Dilma Rousseff, que pagou com impeachment seus pecados econômicos. Fazer Selic cair na marra traz forte risco de a inflação ficar acima da meta, depois virar inflação descontrolada ou hiperinflação, algo que sempre terminará em recessão. E aí, “tchau” pra qualquer tentativa de 2026 existir eleitoralmente. Por isso, começa a nascer outra besteira: elevar a meta de inflação. Claro, se o juro não pode cair pelo risco de o IPCA estourar até mesmo o teto, muda-se a meta. É uma saída tão brilhante quanto a recomendar a um time de futebol que não faz gols aumentar o tamanho das traves. Pior que isso talvez apenas esconder rombo de R$ 43 bilhões nas contas.

Ao comprar guerra contra BC, Selic, metas de inflação, Lula elegeu seu Xandão: Roberto Campos Neto. Como Bolsonaro, ele sabe que ao transformar macroeconomia em questão pessoal faz a claque seguir junto. Joga para a opinião pública. Um risco que beira as irresponsabilidades de seu antecessor. Porque hoje suas marolas contra independência do BC, juros e metas de inflação seriam apenas isso, marolas, não fosse o fato de os tempos de Lula III estarem muito distantes dos governos Lula I e Lula II. Esse flerte com uma economia capenga servirá facilmente como combustível a uma parte poderosa do Congresso. Àquela que espera qualquer deslize governamental para jogar na mesa o primeiro pedido de impeachment. E isso só tem chance de prosperar com uma sociedade pê-da-vida. Metade dela já está. É aquela que odeia Lula e votou contra (os 49,1% de votos válidos para Bolsonaro). Há ainda 25% que não apareceram, anularam ou votaram em branco. Serão os primeiros a se movimentar para um lado ou outro a depender dos rumos da economia. Lula precisa agir como prometeu: sabendo que a economia só avançará com “confiança, previsibilidade e credibilidade”, tudo o que o presidente não tem contribuído para acontecer. Geraldo Alckmin & Fernando Haddad precisam mostrar que nem sempre o estrategista acerta todas (Winston Churchill cometeu Galípoli). Afinal, como mais uma vez ensinou Orwell, “por mais que você negue a verdade, a verdade continua a existir”.