09/03/2001 - 7:00
Ele é capaz de lucrar mais de 10% em apenas um dia. Nas 24 horas seguintes, perder o dobro. Vive numa gangorra eletrizante, entre ganhos exorbitantes e enormes prejuízos. Agressivo, aposta alto. Coloca em jogo valores muito acima do patrimônio. Nessa linha tênue, não pode vacilar. Afinal, César Valle Verlangieri fez um pacto com o perigo. Há dois anos, comanda as suas aplicações no nervoso mercado de derivativos de ações. Compra opções, vende índices futuros e vice-versa. Muitas vezes, faz todas essas operações com um mesmo ativo em um mesmo dia, o tão temeroso chamado sistema day-trade. ?Sinto como se tivesse uma espada apontada para as minhas costas?, diz. Entre altas e baixas, essa arriscada coreografia deu certo. Obteve rendimentos de causar inveja. Aumentou o patrimônio em 60%. Agora, Verlangieri amplia a atuação nesse cenário de risco.
Não vai colocar na gangorra de prejuízos e lucros apenas o seu dinheiro. Utilizando todas essas ferramentas financeiras, vai administrar recursos de terceiros. Por meio da corretora de valores SLW, lançou o fundo FIF SLW Volatilidade. O nome já diz tudo. Os seus clientes terão que estar preparados para os sobressaltos de perdas momentâneas. A recompensa para quem conseguir lidar com essas grandes oscilações é a possibilidade de obter rendimentos acima do índice de referência das aplicações de renda fixa. ?A meta é superar o CDI?, promete Verlangieri.
Você está disposto a lançar o seu dinheiro nesse circuito do perigo? Tolera prejuízos em curto prazo por um lucro futuro incerto? Se a resposta for afirmativa, saiba que não está sozinho nessa empreitada. É crescente o número de adeptos desse tipo de aplicação, que muitas vezes faz o investidor sentir-se como quem está bailando com o diabo. A experiência, que pode trazer o prazer das grandes conquistas ou o amargo sabor de chegar ao fundo do poço, foi durante algum tempo restrita a investidores qualificados e institucionais ? aqueles que movimentam as maiores quantias no mercado financeiro. Para atender aos novos clientes, foram lançados sete novos fundos livres e multicarteira neste ano. O patrimônio cresceu cerca de 10%, totalizando R$ 11,2 bilhões. As duas modalidades usam e abusam das ousadas ferramentas de derivativos ? mercado futuro, de opções e swap ? fazendo alavancagem. ?Com a tendência de queda de juros, a demanda por esse tipo de aplicação tende a crescer, porque vai além do CDI?, afirma Danny Rapport, diretor de asset management do Santander.
Os fundos derivativos deixaram marcas traumáticas no passado, tanto no Brasil quanto no exterior. Muitos investidores brasileiros que se empolgaram na tarefa de transformar o risco em lucro se deram mal. Na maxidesvalorização do Real, os fundos dos bancos Marka, Fonte Cindam e Boa Vista quebraram. Apostaram muito além do patrimônio e foram surpreendidos pelas mudanças econômicas. No exterior, a catástrofe foi causada por fraudes. O operador inglês Nick Lesson provocou a falência do banco inglês Barings com aplicações irregulares em derivativos. Esses episódios esfriaram os ânimos em relação a essa modalidade de investimento. No entanto, a partir do segundo semestre de 2000 os fundos mais agressivos e sofisticados iniciaram um processo de recuperação.
O risco continua no ar. Antes de fazer a aplicação, o investidor precisa assinar um contrato que prevê um aporte de capital em caso de grandes perdas. Se o fundo registrar prejuízos acima do patrimônio, sairá do bolso do investidor o dinheiro para cobrir o rombo. Por isso, esse tipo de aplicação não é indicado para qualquer um. Daí a expressão ?tarja preta?, referência aos remédios que só são vendidos com receita médica. O empresário mineiro João Henrique Garcia sabe muito bem quando a dose errada causa efeitos colaterais. Ele já perdeu dinheiro na dança dos derivativos. ?Foi muito sofrido?, lembra ele. Recuperado do trauma, ele voltou a aplicar com toda disposição. Tem um bom motivo: ?Preciso turbinar os rendimentos?, afirma. ?Não dá mais para contar apenas com os ganhos do CDI, tem que ousar.? Na sua opinião, o segredo é não se desesperar diante das quedas momentâneas e resgatar o dinheiro precipitadamente. É preciso paciência para esperar a recuperação. ?Tem de ter muito sangue frio?, ensina. Prejuízos diários não o assustam mais. O objetivo é ganhar em longo prazo. ?Se ficar acompanhando o perde e ganha diário fico louco?, diz. Para diversificar o risco, ele aloca os recursos em fundos de derivativos de três instituições.
Uma das opções de Garcia é o fundo RF Plus, do banco alemão Dresdner, que usa derivativos de juros e câmbio. O fundo não opera com o índice futuro de ações, o que reduz o grau de risco. Em compensação, não tem limites para alavancar o patrimônio. Dessa forma, continua na gangorra. Se acertar, os rendimentos serão altos. Se perder, o prejuízo vem em dose dupla. O investidor que não se assustou com essas informações preliminares já lucrou. A rentabilidade acumulada até 1o de março está em 109% do CDI. Sérgio Tuffy Sayed, diretor do Dresdner, explica que o maior estresse é a árdua tarefa de manter o risco e as operações de proteção sempre balanceadas. Diante de qualquer alteração no mercado, o gestor tem que estar preparado para desfazer as posições. Utiliza o chamado stop loss (limite de perdas). Praticamente todos os bancos e corretoras têm sofisticados sistemas de controle de risco. No entanto, para não se decepcionar, o investidor precisa pesquisar quando é acionado o stop loss de cada um. Depois, avaliar se tem sangue frio suficiente para firmar essa parceria com o diabo.