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Daniel Dantas, o investidor baiano dos mil e um negócios, está boiando de costas na cadeira Giroflex da sala de reuniões. É início de noite da quarta-feira passada, no Rio, o céu está nublado, o centro congestionado, o barulho estressante, mas Dantas sente-se muito bem com a vida. É quando seu braço-direito, Luís Octavio da Motta Veiga ? ex-presidente da Petrobras e CVM, agora tocando a holding Brasil Telecom, em nome de Dantas ? o provoca, dizendo: ?Conta aquela da qualidade de vida?. O financista solta uma risada, viajando na memória. Tempos atrás, Andrea Calabi, ex-presidente do BNDES, hoje conselheiro dos italianos que brigam com Dantas, o procurou com uma premissa e uma proposta. Iniciou Calabi: ?O objetivo do trabalho é qualidade de vida?. E, como a insinuar que a vida do banqueiro estava um inferno com tanta disputa, sapecou: ?Venda a nós sua participação na Brasil Telecom?. Dantas não deixou barato: ?Se eu quisesse qualidade de vida, teria ficado na Bahia, debaixo de um coqueiro?.

Não foi a primeira das pressões sobre Dantas. Meses antes, em um encontro no Copacabana Palace, no Rio, com o capo da Telecom Italia, Roberto Colaninno, ouviu um ultimato. ?Posso manter a empresa (Brasil Telecom, onde ambos eram sócios) com desempenho inadequado, para depois obter o controle?, teria dito. Dantas considerou uma declaração de guerra. Registrou a ameaça na justiça americana e deixou-a sob custódia do Citibank, na matriz americana. As relações com os italianos ficaram difíceis até a compra recente da Telecom Italia pela Pirelli, e a simultânea queda de Colaninno ? hoje investigado pela polícia italiana, entre outras acusações, por gastar mal o dinheiro da empresa. Com o novo parceiro Pirelli, Dantas vislumbra um futuro dourado.

Não seria esse o único motivo para seus sorrisos de ultimamente. Dantas também recebeu a confirmação de que mantém um aliado que, na prática, pesa mais do que todos os oponentes. Diretamente de Nova York, o Citibank tornou público na semana passada seu apoio ao Opportunity, como gestor de seus investimentos em telefonia no País. Com a posição expressa pelo Citi, seus adversários têm todo o direito de não gostar, podem espernear, mas está sacramentado o seu papel de gerente de grandes tacadas. Há quatro anos, quando o Citibank decidiu constituir um fundo, o Citi Venture Capital (CVC), para investir pesado no Brasil, o Opportunity ganhou a preferência do banco americano e um volume de investimentos de US$ 700 milhões. Veio a privatização e, em associação com os fundos de pensão, que colocaram outros US$ 700 milhões, e com operadoras internacionais, o Opportunity adquiriu a Brasil Telecom e a Telpart (que controla a Telemig Celular e a Tele Norte Celular). O grupo de Dantas edificou uma sofisticada e ampla teia de negócios que teve, segundo Dantas, um destino comum: o lucro. Ele diz que, desde 1997, quando foi dado o pontapé inicial, até aqui, várias comissões de sócios se debruçaram sobre a numeralha de participações e resultados e nenhuma delas conseguiu encontrar um escasso motivo para insatisfação neste pormenor. Assim sendo, qualquer parceiro com pendor algébrico deveria estar contabilizando, na ponta do lápis, os dividendos, ao invés de caçoar da sorte. Mas, surpreendentemente, nos últimos tempos, os sócios passaram a disputar o controle das companhias dirigidas pelo Opportunity, em dezenas de processos judiciais.

Num dos mais recentes lances dessa guerra da telefonia, tentou-se persuadir o Citibank a substituir o gestor do seu fundo CVC no
Brasil. Mas a resposta, encaminhada diretamente a revista
DINHEIRO por Richard Howe, vice-presidente do banco, veio na direção oposta: ?O Citibank está satisfeito com os investimentos feitos no Brasil por meio do CVC/Opportunity e não tem a intenção de substituir a administração do seu fundo?, disse Howe. Essa é a posição oficial do Banco, avalizada pelo próprio Sandy Weill, CEO
da corporação. Correspondências com o mesmo teor foram
também encaminhadas aos ministros Pedro Malan, Sergio Amaral
e ao presidente Fernando Henrique.

A opção do Citi foi a senha para que Daniel Dantas aceitasse dar sua versão do imbróglio. ?Só os imbecis acreditavam na história de que o Citibank pudesse puxar o meu tapete?, afirma. ?Se o tapete era meu, os pés eram deles, pois nós apenas defendemos o controle em investimentos que são do próprio Citibank.? Para quem acompanha de perto a história, essa definição por parte do Citi é crucial. Com as complexas estruturas societárias montadas na privatização, mesmo que os fundos de pensão consigam retirar seus recursos dos fundos administrados pelo Opportunity e se aliem aos sócios estrangeiros, o controle continuará a ser exercido pelo Citibank e pelo banco carioca. ?Não há muito o que fazer?, admite um executivo de um dos maiores fundos do País. ?Estou tirando o meu time de campo?, afirma um dos inimigos de Daniel Dantas.

O Opportunity de Dantas, nesse trajeto, virou decerto um colosso de negócios ? hoje administrando cerca de US$ 3,5 bilhões em recursos, com uma tentacular rede que se espalha por áreas tão distintas como futebol e telefonia, Internet e saneamento, metrôs, portos, transportes, entre outros. O que se avalia no mercado é que todo o sucesso do Opportunity é devido ao estilo audacioso de seu mentor, Daniel Dantas. Ele, que já foi definido como ?brilhante? pelo ex-ministro Mário Henrique Simonsen ? de quem é discípulo ?, fez uma trajetória fulgurante. De ex-estagiário de Norberto Odebrecht, na Bahia, Dantas, em meados dos anos 80, foi convidado pelo banqueiro Antonio Carlos de Almeida Braga a virar sócio minoritário do Icatu, uma instituição montada juntamente com os filhos do banqueiro ? Maria do Carmo (a Katy) e Luiz Antonio ? para gerir sua fortuna. Ali Dantas ganhou fama de santo milagreiro das finanças, multiplicando o patrimônio do Icatu. Saiu de lá em 1993 para tentar a carreira solo. Montou o Opportunity, por onde já passaram ? e passam ? grifes de peso do mundo das Finanças. O ex-presidente do Banco Central, Pérsio Arida, a ex-diretora do BNDES, Elena Landau, além de Motta Veiga, que continua lá, são apenas alguns dos reluzentes nomes que fizeram carreira no time de Daniel.

Mas ao contrário do que se possa imaginar, ele evita maiores
laços com a vida pública. Várias vezes convidado a integrar governos, quase virou ministro de Fernando Collor em 1990.
Recusou elegantemente todas as abordagens. A conselho do professor Simonsen, que ele considera como um pai, pratica insistentemente a arte da distância do poder ? ao menos no que
se refere aos cargos. Mas sua habilidade para multiplicar dinheiro e ampliar negócios é atributo raro, que incomoda, e o coloca
sempre no centro das atenções. A seguir, Dantas fala à
DINHEIRO de como enfrenta a situação:

NEGÓCIOS COM O CITIBANK ? ?Fomos procurados pelo Citibank antes da privatização, porque eles queriam fazer um grande volume de investimentos na América Latina e consultaram gestores no Brasil. Falaram com o Bozano, com o Pactual, comigo e acabaram contratando o Opportunity. Nós aceitamos a proposta, o Pérsio Arida estava aqui, e foi aí que montamos o CVC. Quando o Citi se fundiu com o Travellers, há alguns anos, dos US$ 80 bilhões de valor de mercado deles à época, US$ 18 bilhões vinham dos fundos CVC.?

VOLUME DE RECURSOS ? ?Eles investem a maior parte do dinheiro nos EUA, colocam dinheiro também em outras regiões, como Europa e Ásia, mas nós somos o maior investimento fora dos EUA. Na época, o valor nominal do investimento foi US$ 700 milhões, mas hoje vale bem mais. Surgiram algumas oportunidades, veio a privatização e nós fizemos muitos bons negócios com eles.?

FUNDOS DE PENSÃO ? ?Quando fechamos com o Citi, o banco central americano exigia que, para que nos qualificássemos sob a forma de fundo, houvesse uma contrapartida de recursos locais. Por isso, captamos recursos aqui. O BNDES tinha uma linha, captamos com ele, e fechamos também com os fundos de pensão. Mas a nossa relação com as fundações sempre foi complicada.?

PRIVATIZAÇÃO ? ?Os nossos fundos do CVC eram voltados para bons negócios, o governo estava vendendo uma quantidade de ativos muito grande e só coisas excepcionais resistem na mão do governo. É como diz aquela música do Frank Sinatra: If you can make it there, you can make it anywhere (Se você consegue ali, você consegue em qualquer lugar). Como gerência no Brasil é algo complicado, nossa premissa era a de que bom negócio é aquele que não precise de uma boa gerência para poder funcionar. Isso dá uma margem de segurança. A nossa outra premissa é não ter alavancagem financeira, não depender de crédito. Isso porque a única coisa certa na América Latina é a crise, que acontece de cinco em cinco anos. Na verdade, eu nem acho que a crise seja um risco. É como fazer uma barragem para um rio de regime instável. Não é risco. É o regime do rio. Só que a barragem custa mais caro e gasta mais concreto.?

MODELO DE GESTÃO ? ?O objetivo dos nossos investidores é a rentabilidade e o objetivo de toda equipe que trabalha conosco é fazer com que essa rentabilidade ocorra. Isso porque nossa remuneração só se materializa se nós atingirmos um patamar de rentabilidade. Imagine uma revista em que cada artigo tivesse de ser redigido por 16 mãos. Por isso que, em todos os negócios em que entramos, exigimos uma faculdade para garantir excelência administrativa. Todos os negócios em que essa faculdade não foi garantida, nós não fizemos.?

OS FUNDOS E OS CONTRATOS ? ?Os fundos não só toparam as condições negociadas, como contrataram. Agora você diz: gostaram? Não, nunca gostaram. Mas por que fizeram? Fizeram porque tinha uma contrapartida de recursos externos, e eles
queriam fazer outros negócios. Era um pacote de negócios
atraente. Mas a relação nunca foi suave.?

INSATISFAÇÃO DOS FUNDOS ? ?Todas as empresas em que
nós investimos são rentáveis. O que eu estranho é que, às vezes, eles gostam menos de nós, que gerimos empresas rentáveis,
do que de outros, que gerem empresas deficitárias. É só
olhar o portfólio deles.?

HONESTIDADE ? ?Eles vão sempre contar uma história com duas características: as administrações do presente são sempre honestas e o passado sempre foi desonesto. O próximo presidente de fundo de pensão virá com a mesma visão. Quando o Jair Bilachi (ex-presidente da Previ) estava lá, criticava quem estava antes. Na época dele, os fundos criaram um enorme problema conosco, como no primeiro leilão da CRT (Companhia Riograndense de Telecomunicações), em que a Telefonica ganhou com um ágio de 0,3% sobre a Telecom Italia. Ficou a percepção de que os espanhóis sabiam do preço e de que nós, que estávamos consorciados com a France Telecom, não participaríamos. Na anatomia do leilão da Embratel, também teve algo bem estranho. O preço que nos autorizaram a pagar na véspera foi com 30% de ágio. A MCI ofereceu 36% de ágio. Era o menor valor no qual aquilo não entrava em viva-voz. Só entrou porque nós não cumprimos os 30% e pagamos um pouco mais. Eles falam das gestões anteriores, mas o curioso é que não devolvem o resto, como a Vale do Rio Doce, por exemplo.?

BRIGA COM OS ITALIANOS ? ?O problema também começou com a CRT. Eu sentei aqui com eles, para uma oferta de US$ 730 milhões numa quinta-feira, mas na sexta-feira a Telefonica (que controlava a CRT) publica um balanço indicando perda de 20% do patrimônio. É uma coisa no mínimo indelicada. O prazo termina num dia e no dia seguinte sai um balanço ruim. Então voltei a sentar com eles e falei: ?Vamos baixar a proposta em 20%, para US$ 630 milhões?. Então, viajei, estava fazendo um road-show do IG e recebi 200 telefonemas do Carmelo Furci (presidente da Telecom Italia no Brasil), dizendo que precisava falar comigo urgentemente. Achei que aquela urgência estava exagerada, voltei e falei com ele só na segunda. Ele veio e me disse que tinham fechado o negócio por US$ 850 milhões. Depois, ele saiu, foi informar o Pimenta da Veiga (ministro das Comunicações) e o Renato Guerreiro (superintendente da Agência Nacional de Telecomunicações).?

AMEAÇAS ? ?Os italianos fizeram um achaque aqui dentro, pedindo para que nós concordássemos com aquele pagamento para que eles aprovassem uma operação que viabilizava o pagamento da terceira parcela da privatização. Nós não aceitamos, o clima esquentou, até que veio um italiano aqui para fazer mais uma ameaça dizendo que, se não concordássemos, os fundos de pensão seriam virulentos conosco. Depois disso, nós fizemos uma carta relatando a ameaça, registramos em cartório e custodiamos no Citi. Isso foi feito antes do começo de qualquer hostilidade.?

REAÇÃO DO OPPORTUNITY ? ?O Mauro Salles (publicitário,
que assessora o Opportunity) mostrou essa ameaça para dois ministros, um cardeal e disse: isso aqui está acontecendo e
é grave. Na negociação, ficamos firmes em não pagar US$ 850 milhões e acabamos pagando US$ 800 milhões. Depois foi uma brigaiada que não tem mais tamanho e apareceu o senhor Roberto Colaninno (ex-presidente da Telecom Italia), que fez uma
declaração de guerra oficial.?

ENCONTRO COM COLANINNO ? ?Logo que ele assumiu, fiz uma carta muito delicada. Tentei marcar um encontro e ele disse que tinha saído de férias. Já achei muito estranho alguém tomar
US$ 40 bilhões emprestados e sair logo de férias. Seis meses
depois, ele apareceu aqui com nove italianos e doze telefones celulares. Ficaram todos pendurados nos celulares falando
com Roma e não teve conversa conosco. Depois, o Colaninno
teve um encontro reservado comigo no Copacabana Palace e
disse quatro coisas. Primeiro que ele não entendia que era razoável que ele fosse a empresa de telefonia e que nós, a empresa financeira, controlássemos a Brasil Telecom. Eu respondi que foi isso que nós contratamos. Nós teríamos a gestão e eles seriam sócios técnicos. Segundo, ele disse que queria o controle. Eu respondi afirmando que nós dois queríamos a mesma coisa e que isso iria dificultar nosso entendimento. O terceiro ponto foi que ele teria condições de manter a empresa com desempenho inadequado para ter o controle. Respondi dizendo que nós também tínhamos essa capacidade, mas afirmamos que não era desejável nem legal.?

CONTROLE DA BRASIL TELECOM ? ?O quarto ponto da conversa foi interessante. O Colaninno disse que tinha falado com as mais altas autoridades no Brasil e que elas concordavam com a idéia de que a controladora deveria ser a Brasil Telecom e não o Opportunity. Disse a ele que desconhecia isso, mas que nenhuma dessas autoridades tinha um mandato que lhes conferisse essa prerrogativa de decisão. Saí da conversa, consultei as autoridades, e eles disseram que o Colaninno estava dizendo que compraria a participação. É bem diferente. Ninguém iria brigar com uma multinacional que dizia que estava trazendo investimentos. Por educação, disseram tudo bem. Essa conversa com o Colaninno foi a oficialização da guerra.?

TENTATIVA DE FAZER O CITIBANK DESISTIR DO OPPORTUNITY ? ?Algumas pessoas tentaram convencer o Citibank a mudar a gestão do CVC, mas isso é uma coisa imbecil. Todo o meu esforço foi feito para atender aos interesses do Citi e dos investidores nacionais. Então, ir ao Citi para pedir a eles que sacrifiquem o próprio interesse é só conversa. Diziam: ?Ah, o Citi vai puxar o tapete do Opportunity?. O tapete é meu, mas o pé é deles, do Citibank. Quando dizem que eu só tenho 2% das empresas, é verdade, só tenho 2%. Os outros 98% são do Citibank e dos investidores; eles é quem têm o prêmio de controle.?

AVAL DO CITI ? ?Eles até quiseram que nós estendêssemos nossa responsabilidade para outras áreas da América Latina e eu nunca aceitei a proposta porque já tinha problemas suficientes. Eles já tiveram problemas sérios na Argentina. No México, também tiveram problemas com o Banamex. O que o investidor mais gosta é de ter um ativo que seja demandado. No nosso aqui, a demanda é tal, o resultado é tão bom, que eu não tenho calma na minha vida. Se eu quiser vender, faz fila aqui na porta. Eu não quero vender, e os caras querem roubar. É estranho que as pessoas estejam perplexas com o fato de o Citi estar satisfeito, mas o dono do ativo só pode ficar feliz com o fato de tanta gente estar querendo esses mesmos ativos. As premissas que nos foram dadas pelo Citi eram: queremos ativos grandes, em negócios que sejam seguros e que nos dêem a garantia em relação à gestão. Foi por isso que eles nos escolheram.?

RELAÇÕES COM A PIRELLI ? ?Não tenho motivo algum para ter problemas com a Pirelli (empresa que adquiriu o controle da Telecom Italia). Já tivemos alguns contatos com eles, trocas de correspondências muito simpáticas e vamos ter uma relação muito boa, como era antes do Colaninno. O diálogo voltará a ser normal. Quanto ao controle, nós fomos claros desde o início: se quiser ser meu sócio, é assim e ponto. Era o preço. Eu não entro em um negócio de outra forma. Eles fizeram outras associações seguindo outro modelo e não tiveram êxito. Nós tivemos êxito na nossa.?

EXIGÊNCIA DO CITI ? ?O Citi só nos delegava os recursos se nós tivéssemos o controle das empresas, porque eles tiveram experiências desagradáveis no passado. O que eles exigiam? Que o gestor do fundo pudesse colocar uma gestão adequada nas companhias? Outro dia, visitei um jornal e alguém me disse: ?Ah, mas os fundos são clientes de vocês e querem que as coisas sejam feitas de outra forma!? Eu respondi que também era cliente do jornal, assinava, recebia em casa todo dia, e nem por isso podia definir o teor das matérias. Até gostaria, mas…?

NEGÓCIO SEM DINHEIRO ? ?Para dizer a verdade, a relação com os italianos foi muito boa no começo. Nós tínhamos o objetivo comum, que era o de expandir a escala no Brasil e na América Latina e existia ali uma complementariedade bastante grande entre a Telecom Italia e nós. Qual era a visão deles antes do Colaninno? O apoio técnico que eles nos dariam era um apoio útil. Naquela época, nós não entendíamos muito de telecomunicações. Também não entendíamos que eles também não entendiam tanto, mas tudo bem. Do ponto de vista da montagem do negócio, eles reconheciam em nós uma capacidade grande, por uma razão simples. Eles fizeram vários negócios e nós também. Acontece que eles tinham muito dinheiro e nós não. Se você consegue montar sem, imagine com dinheiro!?

COMPRA DA TELEMAR ? ?A nossa iniciativa de tentar entrar na Telemar foi feita em conjunto com os italianos. A primeira proposta encaminhada ao Luiz Carlos Mendonça de Barros (ex-ministro das Comunicações) para a compra das ações do BNDES na Telemar foi feita por nós e pela Telecom Italia. Foi aquela confusão do leilão: eles perderam São Paulo para a Telefonica, deu o problema na Telemar, o BNDES entrou com 25% e depois nós tentamos comprar aquela posição. Nós passamos um ano atrás disso e quando conseguimos comprar direitos na Telemar sobre a participação do Atilano (Atilano Oms Sobrinho, sócio da Inepar, que tinha 10% do capital da Telemar), mandamos a carta para a Telecom Italia e ali eles já não se dispunham mais a participar da iniciativa porque o Colaninno já tinha entrado e as coisas ficaram diferentes.?

UNIÃO DOS FUNDOS COM A TELECOM ITALIA ? ?Eu não entendo. Os fundos começaram a gritar em sincronia com o momento em que nós não quisemos pagar o ágio na compra da CRT. Eu estou sendo cuidadoso em dizer em sincronia com o momento, porque eu não estou alegando isso como causa do rompimento. Para falar em causa, eu teria de ter mais conhecimento. O que eu sei é que isso começou a acontecer no mesmo tempo. Então eu não vejo nenhuma razão para não termos uma relação muito boa com a Pirelli.?

OS FUNDOS E O TESOURO ? ?A questão dos fundos é complicada. O que são fundos de pensão? Como nenhum dos administradores atuais reconhece legitimidade no que seus antecessores fizeram, fica complicado dizer o que são fundos. Por outro lado, aquilo é uma aberração porque, na prática, a descrição diz que os fundos cuidam do dinheiro dos aposentados. Só que se perderem dinheiro, a União tem que pagar de qualquer forma. Então aquilo é uma reserva atuarial do Tesouro. Se o fundo tiver performance, o aposentado recebe. Se não tiver, também recebe, independentemente de o fundo ter dinheiro ou não ter.?

RESULTADO OU PODER ? ?Quando você conversa com o governo, eles gostam do fato de que exista desempenho nas empresas e que o fundo ganhe e seja rentável. Quando você vai conversar com os administradores dos fundos de pensão, a coisa muda. Um conselheiro dos fundos de pensão uma vez foi conversar com o Britto (Antônio Britto, ex-governador gaúcho, que chegou a trabalhar para o Opportunity) e disse: ?O problema deles não é rentabilidade, é poder?. Então, aí é outro assunto.?

MODELO AMERICANO ? ?Essa coisa começou quando os fundos de pensão quiseram sentar para resolver o problema e eu disse: ?Primeiro me digam qual é o problema, porque para mim não existe problema?. Problema teria se estivéssemos perdendo dinheiro. E eles retrucaram: ?Não é isso, os fundos apenas gostariam de ter mais influência?. Minha resposta foi simples. ?Influência para quê?? Isso conflita com o jeito americano de funcionar. Lá, eles querem a empresa com a melhor gestão possível para dar resultado. Não gostam da idéia de que eu seja flexível e tolere, por exemplo, pagar mais pela CRT. Outros investidores, por exemplo, preferem flexibilidade. Eu não consigo agradar os dois.

COMPRA DAS AÇÕES DOS FUNDOS ? ?Nossa visão hoje é que existe uma incompatibilidade de modos de funcionar. Daí que veio a nossa motivação de comprar as participações dos fundos nas empresas telefônicas. Assim, a gente continuaria os negócios com quem gosta de nós e eles fariam com quem gosta deles. Fica todo mundo gostando. Por algum motivo, essas discussões ocorrem, mas a venda não ocorre.?

OUTROS PROBLEMAS ? ?Você não nota a mesma diligência
dos fundos em relação a outros problemas. Nem na sociedade brasileira, existe a mesma diligência em relação a outros problemas, como a fome, o analfabetismo. Não tem essa mesma energia.
Isso me lembra muito a história que o Dório (Dório Ferman, sócio
do Opportunity) me conta do encontro entre o Winston Churchill
e o Franklin Roosevelt em que os ingleses tentavam ver se motivavam os americanos a entrar na Segunda Guerra. O encontro foi no oceano, os navios pararam, tocaram os hinos um do outro
e o Roosevelt disse: ?Nunca vi um hino americano ser tocado com tanto entusiasmo?. O entusiasmo dos dirigentes de alguns fundos para nos atacar é parecido?

QUEM PAGA A CONTA ? ?Se você me perguntar como eu acho que esse assunto vai ser resolvido, ele acaba como toda anomalia. O Tesouro tem a responsabilidade, mas não tem o poder, porque esses fundos de pensão são entidades privadas. Mas são privadas de direito e não de fato. Se é o Tesouro quem paga a conta, uma alternativa seria falar para os fundos comprarem apenas títulos do Tesouro. Não faz sentido o Tesouro, que é endividado, assumir mais uma conta e sair por aí comprando grandes imóveis, comprando Paraibuna e outras coisas.?

FUNDOS DE INVESTIMENTO ? ?Nos fundos de investimento e
de ações, não existe problema, porque os cotistas podem mudar
de banco a qualquer hora e isso força um desenho na direção
da rentabilidade. Você não vê um conflito na forma como
o Itaú administra seus fundos de investimentos. Eles querem
poder ou rentabilidade??

DINHEIRO DOS APOSENTADOS – ?É natural que eles digam que cuidam do dinheiro dos aposentados e que nós nos apropriamos. A retórica está sempre a favor da causa. Agora, vai olhar o seguinte: que outras iniciativas eles tomaram? Por que é bom para os velhinhos comprar edifícios, Paranapanema etc?. Nada disso tem reclamação. Por que nunca reclamaram da atitude do Colaninno de querer pagar mais pela compra da CRT, usando recursos da Brasil Telecom, uma empresa em que eles são sócios? Se eles zelam pelo patrimônio dos velhinhos, em que ajuda o fato de o Colaninno querer pagar US$ 200 milhões a mais para o Villalonga (Juan Villalonga, ex-presidente da Telefónica)? Vai ajudar, sim, quando o Colaninno e o Villalonga ficarem bem velhinhos. Em que ajuda os velhinhos, nos celulares, unir-se aos canadenses para ter um terço do controle em vez dos 51% que eles têm hoje??

A GUERRA COM OS CANADENSES ? ?Nós tínhamos um contrato com a TIW na Telemig e na Tele Norte, que funcionou durante
dois anos, em perfeita harmonia. Nós tínhamos um memorando
de entendimento com os canadenses, na época da privatização,
que nos obrigava a fazer um acordo de acionistas. Durante seis meses, houve negociações de boa fé.?

DÍVIDAS DA TIW ? ?A mudança começou em razão dos problemas financeiros da TIW. Eles estavam vendo que teriam de vender o controle da Telemig e da Tele Norte, embora não tivessem esse direito. Nós sempre argumentamos para a TIW que aquilo prejudicaria os fundos de pensão. Nossos advogados também nos alertaram para que tomássemos cuidado, porque os canadenses não poderiam ter, nesse acordo de acionistas, mais direitos do que estava contratado. A TIW então procurou os fundos de pensão e os atuais administradores das fundações disseram que nunca foram consultados sobre nada. De fato, não foram. Nosso compromisso era com os fundos e não com a opinião dos seus administradores, porque hoje é Jair, amanhã é Samir.?

PREJUÍZO DOS FUNDOS ? ?O clima foi se acirrando e no dia do pagamento da terceira parcela da privatização, os canadenses conseguiram uma liminar, muito esperta, tentando fazer o
pagamento fora da Newtel (empresa constituída pelo Opportunity
e pelos fundos, que passou a ter o controle das empresas de celular). Se isso acontecesse, eles teriam levado o controle da companhia, com o inexplicável apoio dos fundos. Se eles tivessem tido êxito naquela negociação, os fundos teriam perdido uns
US$ 100 milhões de valor. Na Newtel, a posição dos fundos de pensão é uma posição de controle. É sangue azul. Mas a idéia
deles é fazer um sangue roxo, que a média entre o sangue
azul deles e o vermelho dos canadenses. Com a TIW, não
saiu o acordo, porque eles não são confiáveis.

FALTA DE CONFIANÇA ? ?O Sérgio Motta (ex-ministro das Comunicações) nos desqualificou de uma licitação para a Banda B da telefonia celular, com base em uma descoberta que eles fizeram de uma associação falsa da TIW na Malásia. Ele obteve os documentos pela Odebrecht. Nós tínhamos planos de entrar em todo o País e para isso era preciso comprovar um número de aparelhos em funcionamento. Fomos ao STJ, ganhamos por unanimidade e voltamos ao certame até o dia em que chegou essa informação desse documento. Peguei o telefone, liguei para o Bruno (Bruno Ducharme, presidente da TIW) e disse: ?Que história é essa?? Na verdade, tínhamos sido desqualificados de forma meritória e voltamos ao negócio defendendo um direito que não tínhamos. Fomos enganados pela TIW. Alguns meses mais tarde, na hora de entrar nos leilões da Banda A, só aceitamos entrar com os canadenses mantendo a posição de controle.?

LIMINAR DA TIW CONTRA O OPPORTUNITY ??Não tem nada. Eles entraram com uma ação dizendo o seguinte: ?Se vocês venderem a Telemig, não podem distribuir recursos do fundo de forma tal a fazer com que o fundo fique com menos de US$ 390 milhões?. Só que eu não estou vendendo a Telemig, não estou vendendo nada do fundo nem estou distribuindo recursos. É inócuo. Eles não têm o bloqueio de nada. O que eles pedem à Justiça é que não se permita que o dinheiro suma. Sumir com o dinheiro, na linha do que eles dizem, é entregar para o Citi. Então, na verdade, o ativo que está bloqueado em Cayman é do Citi, não é nosso. Não posso entregar o dinheiro para o Citi até que o assunto seja devidamente julgado. Não tem um dinheiro lá preso, amarrado na gaiola. Os canadenses usam isso para fazer um barulho aqui dentro.?

PRINCÍPIO DE NEGÓCIO ? ?O controle não é uma obsessão, é um princípio de negócio. Você só tem a capacidade de entregar a mercadoria, se tiver a capacidade de fazer.?

RELAÇÃO COM A IMPRENSA ? ?A imprensa só publica liminarmente. Dá a notícia, mas arquiva o fato. Veja o caso da Telemar e das fitas do BNDES. Nunca vi uma grande manchete em um jornal dizendo que eu não fui favorecido. Só deram as fitas falando de um favorecimento que eu não recebi para comprar uma empresa que eu não comprei. No passado, também disseram que eu saquei dinheiro do Plano Collor. Quando a imprensa publicou a história das fitas, o Pérsio Arida ficou arrasado.?

PÉRSIO ARIDA ? ?Ele saiu daqui muito bem. Só temos uma diferença de estilo. Se o Colaninno resolve pagar US$ 200 milhões a mais pela CRT, eu não pago e ponto. A imprensa pode cair em cima de mim, mas eu suporto a pressão porque tenho uma obrigação com o Citi. O Pérsio acha que não vale a pena. No dia em que a Folha de S. Paulo publicou 12 páginas sobre o grampo do BNDES dizendo que o governo iria nos favorecer na empresa que não compramos, com o crédito que não tomamos, o Pérsio foi parar no hospital. Foi um negócio incômodo.?

ANDREA CALABI ? ?Tem uma história curiosa com o Calabi (ex-preesidente do BNDES e conselheiro da Telecom Italia), que certa vez tentou me persuadir a vender a nossa participação para a Telecom Italia e disse que um dos objetivos de se trabalhar é ter qualidade de vida, como quem dissesse que, se eu não vendesse, ele faria minha vida virar um inferno. Disse ao Calabi que até concordava com ele, mas falei que se qualidade de vida fosse meu objetivo eu não teria saído da Bahia até hoje. Estaria debaixo dos coqueiros.?

ELENA LANDAU E FUTEBOL ? ?A Elena (ex-diretora de privatizações do BNDES) saiu um pouco antes do Opportunity, mas já em razão da confusão que a imprensa fez em cima deles com os grampos do BNDES. O sonho dela era fazer o Botafogo. Depois, tentou-se o Flamengo. Mas futebol é algo que dá muito mais confusão do que retorno. É difícil rentabilizar quando a torcida quer que você contrate a seleção brasileira. Só entrei em estádio de futebol uma vez na minha vida, para ver o Frank Sinatra. Eu nem mereço o título de baiano honorário. Estou fora da Bahia há muito tempo. Não tenho nenhum negócio por lá, a não ser o clube Bahia. Saí de lá na época em que vim estudar no Rio de Janeiro.?

GOVERNO COLLOR E MINISTÉRIO DA FAZENDA ? ?Na verdade,
o Collor nunca me convidou para ser ministro dele. Não sei como surgiu isso, mas talvez porque eu tenha ido a Roma, para falar
com ele sobre planos de estabilização antes da posse. Quando cheguei aqui, tinham uns 200 jornalistas com essa história. Antes disso, eu estava em Salvador com o meu amigo Rudiger Dornbush, que é um brilhante economista, quando me liga o Olavo Monteiro de Carvalho, dizendo que o Collor estava esperando para conversar comigo, com o André Lara Resende e com o Mário Henrique Simonsen. Tive também umas duas reuniões em Brasília.?

CONFISCO ? ?Eu nunca sugeri um confisco. O que eu propus ninguém nunca quis fazer. Não tem muito mistério. É processo, procedimento e disciplina. Não tem mágica. É uma questão de atitude. Tem de arrecadar mais do que gasta. Não é uma questão intelectual, é uma questão física. É trabalho. Collor queria uma coisa mais mágica, com efeitos mais imediatos. Numa reunião, o Mário Henrique disse que não aceitaria nenhum cargo no governo. Eu fiquei quieto. Não podia falar o mesmo, porque não tinha sido convidado para nada. Seria indelicado. Depois Collor queria que eu e o André fôssemos a Roma e, como o André teve apendicite, fui sozinho.?

SIMONSEN ? ?A influência dele na minha vida foi grande. Era um sujeito extraordinário, de quem eu tenho uma saudade inacreditável. Ele sabia tudo, já tinha lido tudo. Mas ele teve uma experiência não muito feliz no governo e também sempre me orientou a me afastar dessa. Primeiro, foi meu pai e depois ele quem me deu esse conselho. Ele estava certo. Cada macaco no seu galho.?

EMPURRÃO DO GOVERNO ? ?O governo no Brasil é muito presente em tudo. Eu até gostaria que essa presença fosse menor. A
minha relação com o governo é normal. No caso da Elena Landau, que tinha vindo do BNDES, isso atrapalhava mais do que ajudava.
O Pérsio trabalhava comigo porque é muito inteligente, não
porque veio do governo.?

CONSÓRCIO PARA A TELEMAR ? ?Na verdade, nós só montamos
o consórcio para comprar a Telemar porque era a empresa que
não tinha muita concorrência. É como chegar para um mendigo
na porta de um restaurante e dizer: ?Você gosta de lata de lixo?.
Ele vai te dizer: ?Não, o problema é que lá dentro não me
aceitam?. Na privatização, como os outros eram muito maiores
do que nós, tínhamos de procurar aquilo onde a chance de ganhar era maior. A Telefônica era vista como um concorrente muito
forte no Sul, a Globo com a Telecom Italia era favorita em São
Paulo e, então, a Telemar parecia a melhor alternativa. Eu dizia: ‘Vamos pegar a empresa nordestina e dar um jeito nela’. Depois, houve aquela confusão, com os espanhóis levando a Telesp,
o que mudou a ordem do leilão.?

DERROTA DA GLOBO EM SP ? ?Não acho que eles tenham perdido
o leilão. Esse é um termo inadequado. A minha visão é que, possivelmente, quem perdeu foram os espanhóis, que pagaram
mais pela Telesp do que talvez a Telesp vale. É difícil dizer que
quem economizou o cheque saiu perdendo. O Warren Buffett (megainvestidor americano) diz que num leilão disputado a
única posição sábia é a do perdedor. Não acho que a posição
da Globo tenha sido ruim. Nós é que acabamos dando sorte,
porque compramos a Brasil Telecom com um ágio muito pequeno.
A Telemar também foi vendida com um ágio muito pequeno e
nessa o governo perdeu US$ 2,6 bilhões.?

PEDRO MALAN ? ?Ele é uma pessoa muito competente, que tem feito o que deve ser feito. Qualquer pessoa competente ali faria
mais ou menos as mesmas