Um ovo de Páscoa feito à base de wafer e cobertura de chocolate. Essa é a receita da discórdia que está gerando uma briga épica, nos moldes de Davi contra Golias, entre duas empresas do ramo da alimentação. De um lado está a paranaense Barion, que produz chocolates e balas em Colombo (PR), tem 200 funcionários e receita anual de R$ 14 milhões. Do outro, a filial brasileira da gigante americana Kraft Foods, segunda maior fabricante de alimentos no mundo, com faturamento de R$ 2,9 bilhões, 7 mil empregados e sete fábricas no País. Tudo começou em 2000, quando a Barion foi assediada por Garoto, Nestlé e Kraft para produzir com a marca dessas companhias o tal ovo de chocolate e wafer, criado e lançado pela firma paranaense duas Páscoas antes. A Kraft foi mais rápida e ganhou a disputa. ?As conversas com a Nestlé e a Garoto estavam muito lentas. A Kraft chegou de forma agressiva e fechamos negócio com eles?, relembra Rommel Barion, diretor-geral da empresa que leva o nome de sua família. Foi aí o início de sua dor de cabeça.

De fato, a proposta era tentadora. A Kraft encomendou à Barion 70 toneladas do produto em 2001 e outras 240 toneladas para 2002. Como o contrato oficial não saía, a Barion, apoiada nas cartas de intenção da Kraft, iniciou as adaptações na fábrica para aumentar a capacidade produtiva e se adequar às exigências de sua mais nova parceira. E não eram poucas. Ao todo, 26 itens, entre compra de equipamentos novos e troca do uniforme de funcionários à contratação de um engenheiro de alimentos. O cumprimento de todas as exigências feitas pela Kraft custou R$ 800 mil (o equivalente a um mês de faturamento da Barion), dinheiro tomado emprestado no banco. Sem contar que, para honrar o compromisso com a Kraft, a empresa paranaense contratou 124 funcionários. Deu tudo certo no primeiro ano. A Kraft recebeu os ovos do primeiro pedido, embalados com a marca Lacta, e parece que ficou satisfeita. ?Recebemos e-mails de uma funcionária chamada Carla Dutra, que era gerente de qualidade, nos parabenizando?, lembra Barion. Quando sua empresa se preparava para iniciar a produção da Páscoa de 2002, a Kraft, segundo Barion, abandonou o projeto. ?Simplesmente desapareceram sem dar satisfação?, diz Barion. Para piorar, uma das cartas de intenções determinava que a Barion passasse a comprar matéria-prima para produção de chocolates somente da Kraft e mais ninguém. Com o ?desaparecimento? da multinacional, diz Barion, sumiu também a matéria-prima. Essa interrupção obrigou a empresa paranaense a parar suas atividades por 24 dias. As máquinas só voltaram a funcionar quando foi restabelecido o contato da Barion com seus antigos fornecedores. Neste meio tempo, a Kraft acabou entregando um carregamento, mas com preço 46,73% maior e sem aviso prévio. ?Tentamos falar com eles, mas não atendiam a nossos telefonemas. Viajamos a São Paulo e fomos recebidos apenas por estagiários, que não tinham idéia do que se tratava?, diz Barion.

Foi aí que Golias decidiu enfrentar Davi. A Barion entrou com um processo contra a Kraft por danos emergentes e lucros cessantes, hoje avaliado em cerca de R$ 5 milhões. Procurada por DINHEIRO, a Kraft não quis se manifestar, mas confirmou a existência da disputa judicial com a Barion desde agosto de 2002. ?A Kraft cumpriu com as suas obrigações legais e não concorda com as alegações trazidas pela Barion na ação?, diz o informe. A Justiça determinou que, nos próximos 30 dias, seja feita uma perícia na fábrica da Barion para confirmar os dados apresentados pela empresa em sua defesa. A história deixa só uma pergunta no ar: por que Barion agarrou um projeto com a Kraft antes de assinar formalmente o contrato? ?Assinei no fio do bigode, como meu pai me ensinou, e me dei mal?, lamenta o empresário.