08/06/2005 - 7:00
Era uma vez um senador, Paul Sarbanes, e um deputado, Michael Oxley, ambos americanos, que discordavam quanto à necessidade da implementação de uma lei mais rigorosa sobre as demonstrações financeiras das empresas listadas nas bolsas dos Estados Unidos. O primeiro, logo após o escândalo sobre fraudes na gigante de energia Enron, defendia a criação de uma legislação mais dura. O segundo, por sua vez, não acreditava que a medida fosse urgente… até que outro escândalo financeiro, desta vez com a empresa de telefonia WorldCom, fez o deputado mudar de idéia e se unir ao senador. Surgiu, assim, em 2002, a Lei Sarbanes-Oxley (ou, para os familiarizados com o assunto, Sarbox). Entre outras exigências, a lei requer que as empresas americanas e estrangeiras, que tenham papéis negociados no mercado de capitais dos EUA, façam uma avaliação minuciosa dos controles internos que respaldam suas prestações de contas. Depois que a companhia esmiuça cada procedimento, é a vez do auditor colocar a lupa nos processos e emitir um parecer sobre os tais controles. Traduzindo: não se auditam mais apenas os resultados, mas como se chega a eles. Agora, três anos depois de sua promulgação, a lei que nasceu em um ambiente de discordância e precaução excessiva continua provocando polêmicas, colocando empresas, auditorias e órgãos regulatórios em lados diferentes.
O que divide as opiniões é a velha relação custo-benefício. Recentemente, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, fez duras críticas à Sarbox, alegando que as empresas com faturamento de US$ 100 milhões tiveram um ônus nos custos com auditoria de US$ 2,4 milhões. E quem, obviamente, ganharia com isso? As auditorias, que teriam aumentado suas receitas por conta dos serviços a mais que passaram a prestar às empresas. Justamente elas, que deixaram passar as fraudes que geraram a lei. O fato é que muitos estão descontentes com o preço que se tem pago para atender as demandas da comissão americana de valores mobiliários, a Securities and Exchange Comission (SEC). Especialmente agora que as auditorias feitas na própria SEC revelaram erros nas demonstrações financeiras da instituição ? coincidência ou não, o presidente da SEC, William Donaldson, anunciou que deixará seu posto no fim do mês. Porém, todos concordam em um ponto: a Sarbox trouxe mais segurança e transparência ao mercado. ?Eu vejo empresas e auditores do mesmo lado, porque a lei requer uma avaliação precisa das duas pontas?, defende Frederico Servideo, sócio da empresa de auditoria e consultoria PricewaterhouseCoopers do Brasil. Quanto aos custos, ele afirma que as próprias auditorias foram obrigadas a fazer investimentos. ?Precisamos treinar pessoas, contratar especialistas e desenvolver novas técnicas?. A Ernst & Young, por exemplo, tem, só no Brasil, 200 funcionários para cuidar exclusivamente da implantação da Sarbox nas companhias brasileiras que têm ações nos EUA. Esse departamento teve um crescimento de 120% em sua receita de 2003 para 2004. ?As empresas daqui têm até dezembro de 2006 para se adequar à lei, mas já estão se mobilizando para ganhar uma pré-certificação em dezembro deste ano?, conta Sergio Citeroni, sócio da Ernst & Young Brasil.
São 35 as companhias do País listadas nas bolsas americanas. A Petrobras é uma das que se adiantaram na preparação para 2006. Contratou a Deloitte para verificar seus processos. ?Estamos trabalhando desde o início de 2004 para atender as exigências da SEC?, conta Marcos Menezes, gerente executivo da contabilidade da Petrobras. ?A adaptação a Sarbox é um investimento, que amplia as oportunidades de captação de recursos no exterior?, argumenta. A petroquímica Braskem também já se mexeu. Contratou a Ernst & Young para auxiliar na melhoria dos controles internos e a Price para fazer a auditoria externa. Com isso, prevê um gasto de R$ 8 milhões em 2005. ?Para nós, que somos uma empresa em formação, é ótimo instalar ferramentas mais eficientes de controle?, diz Jayme Fonseca, diretor de controladoria da Braskem. Parece que, como em sua gênese, a Lei Sarbanes-Oxley tende a unir lados que antes estavam opostos. Em abril, a SEC promoveu uma mesa redonda para discutir o assunto e deve elaborar, em breve, guias para facilitar a implementação das regras. ?As empresas americanas prevêem para 2005 uma redução nos custos com Sarbox, porque os procedimentos já estão implantados e, daqui para frente, será feita apenas a manutenção. As auditorias também devem reduzir seus preços, porque aprenderam a fazer o trabalho. E quem ganha com isso são as brasileiras que podem aproveitar os erros e acertos da experiência americana para se preparar para o ano que vem?, conclui Servideo, da Price.