22/10/2003 - 8:00
Não se iluda. A foto aí acima não é o registro de um spa, em que homens e mulheres repousam os pés cansados em tinas de água morna. Trata-se de um restaurante. Vale repetir: é um restaurante. É o segundo piso do Julia Cocina, endereço no Itaim, bairro nobre de São Paulo. Ali, no início de outubro, o chef Francis Malmann, iconoclasta das panelas, realizou um festival batizado de ?Cinco sentidos sensoriais?. O que fez Malmann? Pôs os clientes sentados em poltronas. Vendou os olhos da turma. Dedos mergulhados numa tina com ervas, ao som de poemas de Rudyard Kipling e Jorge Luís Borges declamados pelo próprio cozinheiro, as cobaias abriam os lábios para receber uma deliciosa torta de chocolate. Era o gran finale de um grande jantar. Há, evidentemente, um tom de brincadeira e marketing na iniciativa ? mas Malmann queria provar que, de olhos bem fechados, é inevitável que o paladar fique mais aguçado. ?Foi uma experiência sensorial excelente?, resume o consultor de empresas Augusto Pinto. ?Ele é único.? Modesto, o chef promete inventar outras estripulias. ?Fiquei surpreso ao perceber como as pessoas gostaram?, diz. ?Vou continuar com trabalhos ainda mais ousados.?
Aos 47 anos, o argentino Malmann é um personagem cativante. Ele já foi chef de cuisine do Figueira Rubayat, também em São Paulo, cuja especialidade são carnes. Em 1985 foi convidado a elaborar o cardápio de abertura do restaurante La Bourgogne. Ali pôs em prática o que aprendera nas melhores escolas européias da nouvelle cuisine francesa. Entre uma ponta e outra da gastronomia, entre animais e vegetais, desenvolveu uma culinária fusion de primeiríssima qualidade. A aposta: simplicidade, muitos molhos e temperos. ?Cada um tem sua linguagem?, diz. ?A minha é a generalidade, a especialização em uma única coisa apenas é muito pequeno.? Pequeno, eis uma palavra que ele prefere não pronunciar. Malmann é dono de restaurantes em Buenos Aires e Mendoza, na Argentina. Tem um outro em Punta del Este, no Uruguai, e em Nova York, onde mora há dois anos. Aos 18 anos já tinha seu primeiro endereço, o Patagônia West, na Argentina. ?O sucesso é muito frágil?, afirma. ?Ele anda junto com o fracasso, que são dois impostores.?