12/02/2016 - 17:01
A mosca-da-carambola é uma espécie nativa do sudeste asiático, onde ataca mais de 100 culturas. A praga está amplamente disseminada em países como Indonésia, Malásia e Tailândia desde o início do século XX e é uma das principais ameaças à fruticultura tropical em todo o mundo. Na América do Sul, foi identificada pela pela primeira vez em 1975, na capital do Suriname, Paramaribo. Mas como ela chegou até lá? Esta é uma pergunta que desafiou os pesquisadores por muitos anos. Normalmente, as introduções ocorrem em áreas com grande fluxo de pessoas, cargas ou mercadorias – o que não é o caso do Suriname, uma ex-colônia holandesa com pouco mais de 500 mil habitantes que tem como principal atividade econômica a mineração.
O enigma só seria desvendado no final dos anos 1990, quando o pesquisador brasileiro Aldo Malavasi passou a fazer relações populacionais entre o Suriname e a Indonésia. “Cerca de 15% da população do Suriname é formada por descendentes de javaneses, trazidos da Indonésia pelos colonizadores holandeses no século XIX como força de trabalho, em substituição aos escravos. O Suriname tornou-se independente apenas em 1975, mas ainda mantém fortes relações econômicas e culturais com a Holanda. Mais de 90% do comércio e das viagens internacionais acontecem com o país. Até pouco tempo atrás, a companhia aérea KLM era a única empresa a operar voos no Suriname”, afirma Malavasi, que trabalhou como diretor do programa de erradicação da mosca-da-carambola no Suriname entre 1999 a 2002.
A longa distância entre o sudeste asiático e o norte da América do Sul, porém, não permitiria uma introdução por linhas marítimas regulares, uma viagem de até 40 dias. Neste cenário, as larvas não resistiriam. Para Malavasi, estava claro que a introdução da mosca-da-carambola na América do Sul se deu por meio de um viajante da Indonésia, que partiu de avião da capital, Jacarta, rumo a Amsterdam e de lá para Paramaribo. “A mosca, muito provavelmente, foi introduzida por poucos frutos, talvez dois ou três exemplares com larvas”, diz o pesquisador. “Como encontrou condições climáticas favoráveis e por ter uma capacidade de reprodução muito elevada, logo se estabeleceu.”
Devido à falta de especialistas na região, nada foi feito para combater a praga nos anos 1970. Novos exemplares foram coletados em 1981. Desta vez, foram enviados ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que identificou o inseto como uma variação da mosca-do-oriente, já reconhecida como uma das pragas mais perigosas para a fruticultura em todo o mundo. Mais uma vez, nenhuma atitude foi tomada. Apenas em 1986, mais de 10 anos após a primeira detecção, a comunidade científica se deu conta dos riscos da presença da mosca-da-carambola no Suriname, já que ela representava uma séria ameaça à produção de frutas na América tropical e subtropical e Caribe. Tarde demais. A mosca já estava amplamente disseminada pela região.
Sem predadores naturais, a praga logo alcançou a Guiana Francesa e em seguida, o Brasil. As autoridades brasileiras agiram rapidamente e em poucos meses conseguiram erradicar a praga do Amapá, mas a proximidade com a Guiana Francesa, que à essa altura já abrigava uma grande população da mosca, facilitou a volta da praga ao País, dessa vez em definitivo. Oiapoque, no extremo Norte do Brasil, fica a somente seis quilômetros de distância da vila de Saint Georges, na Guiana. As cidades são separadas pelo rio Oiapoque, com largura média de 400 metros, o que permite o trânsito dos insetos entre os países.
“A introdução da mosca-da-carambola via Guiana Francesa é constante. O país não faz nenhum tipo de controle. Eles dizem que a praga não é um problema para eles, já que não existe produção de frutas por lá”, afirma Cristiane de Jesus Barros, pesquisadora da Embrapa Amapá. A Guiana é até hoje um território ultramarino da França, utilizado basicamente para o lançamento de foguetes e satélites. A agricultura é praticamente inexistente. De acordo com os dados oficiais, a produção total de frutas do país não chega a 100 toneladas, o que tornaria o combate às moscas mais caro do que o valor de toda a sua produção. Isso explica a falta de interesse do governo francês em erradicar a praga.
No Brasil, a mosca-da-carambola avançou ao longo da BR-156, que liga Oiapoque à capital Macapá, um trajeto de 500 quilômetros, sempre atacando pequenas propriedades. O modelo de produção agrícola no Amapá é altamente favorável à proliferação da praga. As áreas de cultivo, por não serem comerciais, não são organizadas por culturas. Os frutos estão nos quintais das casas e também nas áreas urbanas. “Existe uma disponibilidade constante de alimentos”, afirma a pesquisadora da Embrapa. “A mosca vai na manga, em seguida passa para a goiaba, depois para a acerola, e assim por diante. Sempre tem um hospedeiro para colocar seus ovos”, diz.
Por sorte, a mosca-da-carambola não ataca frutos nativos do Brasil. Assim, a floresta amazônica tem agido como um obstáculo natural para conter o seu avanço. O maior perigo atualmente, de acordo com os especialistas, é a presença da mosca na capital Macapá, de onde partem diariamente barcos para Belém e Santarém. É normal as pessoas da região carregarem frutos para presentear amigos ou parentes em outras áreas, o que aumenta o risco de disseminação das larvas.
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