São Paulo foi, na última semana, a capital mundial dos excluídos. Sede da XI Unctad, conferência das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento, a cidade recebeu 192 delegações estrangeiras, quase todas de países em desenvolvimento, que transformaram o pavilhão de convenções do Anhembi num muro de lamentações contra a globalização. Na paisagem multicultural do encontro, a mensagem transmitida por africanos, árabes, asiáticos e latino-americanos era a mesma. ?Não estávamos prontos para abrir a economia e nossos produtos competitivos, como tecidos e couro, são vítimas do protecionismo dos países ricos?, disse à DINHEIRO o diplomata paquistanês Munir Akram. ?Fizemos tudo o que nos disseram, mas os resultados econômicos não apareceram?, lamentou Duc Minh, vice-ministro do Comércio do Vietnã. Em resumo, a XI Unctad serviu para constatar como tem sido desigual o jogo de forças no comércio internacional e também para revelar o crescente abismo que separa países ricos e pobres. ?É lamentável ter de admitir isso, mas a desigualdade aumentou muito nos últimos anos?, disse Kofi Annan, secretário-geral da ONU. Nos anos 60, quando a Unctad foi criada, a renda média dos países ricos era de US$ 11,4 mil, enquanto a dos pobres era de US$ 212. Hoje, o rendimento dos ricos é duas vezes maior, de US$ 22,4 mil, e o dos pobres ainda é de US$ 267.

 

Fértil em reclamações e escassa em propostas concretas, a conferência também foi palco para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encenar um de seus papéis prediletos: o de líder messiânico dos países pobres. Anunciando-se porta-voz da ?nova geografia comercial? do mundo, Lula repetiu, na segunda-feira 14 e na terça 15, algumas idéias que dificilmente ultrapassarão o terreno das boas intenções. Disse que os países ricos deveriam criar um fundo mundial de combate à pobreza com recursos retirados da venda de armas e das transações em paraísos fiscais. Propôs que os pobres se unam para pressionar o Fundo Monetário Internacional a liberar gastos em infra-estrutura, esquecendo-se de que nenhum país é obrigado a firmar acordos com a instituição. Disse ainda que o Brasil poderia custear a criação de um centro internacional de estudos sobre a questão da pobreza. Por último, fez seu anúncio mais polêmico. ?Queremos ampliar as importações dos países pobres, mesmo quando os produtos são mais caros?, disse Lula. Pegou mal. Ficou a impressão de que Lula estaria disposto a transferir a conta da sua generosidade para os consumidores ou contribuintes brasileiros.

 

Enquanto isso, as discussões relevantes aconteciam em encontros paralelos para tentar destravar as negociações comerciais globais. Uma delas envolve a criação de um bloco entre o Mercosul e a União Européia. ?Nunca fizemos concessões tão amplas e queremos abrir nosso mercado para o etanol e a carne?, disse à DINHEIRO o negociador europeu Pascal Lamy, sem omitir o fato de a agricultura européia só sobreviver com subsídios. ?Enquanto um produtor europeu tem 20 hectares para plantar, um brasileiro tem 2 mil hectares?, apontou Lamy. A proposta européia, porém, acabou rechaçada. ?Ofereceram pouco?, resumiu o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Em outra negociação, os cinco maiores produtores de alimentos do mundo ? Brasil, Estados Unidos, União Européia, Índia e Austrália ? buscavam o consenso para reduzir a proteção agrícola. Hoje, os países ricos gastam US$ 300 bilhões por ano com subsídios e essa é uma das principais causas da fome global. ?Subsídios estimulam a superprodução nos países ricos, reduzem preços internacionais e deprimem a renda dos pobres?, explicou Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad.

Enquanto o debate entre ricos e pobres não avançava, a XI Unctad tentava alcançar progressos no diálogo Sul-Sul. Por isso, o resultado mais relevante da conferência foi o relançamento do Sistema Geral de Preferências Comerciais, que rege as relações entre países em desenvolvimento e prevê quedas progressivas nas tarifas. Kofi Annan estimou que uma redução de 50% nas taxas aduaneiras ampliaria o comércio, de pobres para pobres, em US$ 15,5 bilhões já no primeiro ano. É este o comércio que mais tem avançado nos últimos anos. De 1990 até hoje, a volume de exportações global cresceu 74%, alcançando US$ 5,9 trilhões. No mesmo período, os negócios Sul-Sul saltaram 176%, chegando a US$ 767 bilhões. Ou seja: diante da indiferença dos ricos, que quase não marcaram presença na XI Unctad, os pobres vêm tentando se virar como podem, ampliando os negócios entre si. Mas já sem a mesma crença na globalização e no livre comércio que tinham alguns anos atrás.