24/03/2022 - 9:31
Vista de cima, a Floresta Amazônica brasileira parece não ter fim. Em alguns pontos do sobrevoo, a impressão é que os 4.196.943 Km² cobertos de árvore (cerca de 40% do território nacional) formam um mar verde, tão denso, compacto e vasto que é quase inimaginável conceber que algo possa ser forte o suficiente para ameaçar sua existência. E é justamente essa imagem que o presidente Jair Bolsonaro vem usando para defender que algumas alterações na legislação ambiental brasileiras jamais teriam o poder de destruir o bioma. Durante um evento em Dubai, em novembro do ano passado, Bolsonaro chegou a dizer que a floresta está “exatamente igual a quando o [Brasil] foi descoberto”.
Com essas falácias, o governo e sua base de apoio vão apresentando um projeto aqui e outro ali para facilitar a derrubada de árvores. Se quando vistos do ponto de vista individual, cada um deles já traz algum grau de ameaça à floresta, é quase desesperador pensar no impacto que podem ter se todos forem colocados em prática.
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Mais um desses projetos “que jamais destruiriam as florestas, mas que ajudariam em muito à economia” ganhou as manchetes esta semana: avança na Câmara dos Deputados a proposta feita pelo deputado Juarez Costa (MDB-MT) de excluir o estado do Mato Grosso da Amazônia Legal, o PL 337/2022. Se for para frente, deve aumentar o desmatamento no estado em pelo menos 100 mil km², segundo estimativas do Observatório do Código Florestal. Isso seria correspondente a um estado de Pernambuco.
Outro projeto que deve ser julgado em regime de urgência graças à pressão direta feita pelo presidente da República é o PL 191/20 que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. De acordo com estudo conduzido por cientistas da Universidade de Queensland, caso aprovada, essa iniciativa coloca sob risco à integridade de quase 890 mil km² de floresta. Essa área corresponde à soma dos estados de Sergipe, Alagoas, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Santa Catarina, Amapá, Ceará e Paraná.
Feitas as contas, somente estas duas iniciativas somam cerca de 1 milhão de km² de floresta ameaçada. Há ainda que se considerar que incêndios e desmatamentos estão mais comuns neste governo por falta de fiscalização e de punição contra crimes ambientais. De acordo com o Mapbiomas, só em queimadas a floresta perdeu mais de 300 mil km² nos dois primeiros anos de governo (2019 e 2020) e o desmatamento saiu de um patamar de menos de 4 mil km² por ano para mais de 10 mil km². Ou seja, o fogo destruiu uma área equivalente a Rio Grande do Sul e Tocantins, enquanto a derrubada de árvores representou duas vezes o território do Distrito Federal.
Coloque a área de todos estes estados sobre um mapa da Amazônia e se ainda assim restar a impressão que há floresta para dar e vender, lembre-se que na medida em que vai sendo destruído, o bioma se torna menos resistente e pode chegar a um ponto de irreversibilidade no qual perderá parte significativa de sua cobertura e se tornará um ecossistema mais aberto, como o cerrado. Vale o adendo que defender a floresta não é ir contra o desenvolvimento da economia. O que precisa ser feito é um projeto institucional único de como o Brasil irá aliar suas riquezas: a produção agropecuária e o uso dos recursos naturais que a floresta proporciona.
Legenda: Os 4 milhões de floresta estão ameaçadas por projetos que flexibilizam a existência da Amazônia legal e a legislação ambiental brasileira (Crédito: EVARISTO SA/AFP)