O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu por manter a taxa básica de juros em 10,50% ao ano. A decisão já era esperada pelo mercado por conta de incertezas envolvendo a política fiscal e a projeção para a inflação. O debate estava focado sobre os votos na reunião e o comunicado.

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No texto, o comitê citou o cenário externo, que avalia como adverso e de incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos. Mas destacou o cenário fiscal no ambiente interno, afirmando que monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros.

O comitê também avaliou o processo inflacionário no país mais lento, demandando “serenidade e moderação na condução da política monetária”.

“Não só mantiveram a taxa inalterada, como também apresentaram um comunicado conservador, cauteloso, de cunho contracionista, em tom hawkish [duro] que o cenário atual demanda. Desde a última reunião, a âncora monetária foi comprometida, então estamos reconquistando a credibilidade”, avalia Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.

Ricardo Tadeu Martins, economista-chefe da Planner Investimentos, vê o comunicado como “maduro e coerente”, tanto pela decisão, que considera “técnica e independente”, como por ser “responsável diante das condições inflacionarias e de seus riscos futuros”, diz.

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Primeiro em relação aos votos, que, desta vez, foram unânimes, diferentemente da reunião de maio, quando houve o último corte, de 0,25 ponto percentual, mas a ata da reunião revelou que uma parte dos integrantes do conselho defendiam um corte maior, de 0,50 ponto percentual.

“Depois dos ruídos causados na última reunião pela decisão dividida, dessa vez o colegiado chegou num consenso. Os nove diretores votaram de forma igual. Acredito que isso foi muito importante para reforçar que as decisões foram tomadas de forma técnica e não com interferência política e assim eliminar qualquer dúvida sobre a credibilidade da política monetária”, avalia Marcelo Bolzan, sócio da The Hill Capital.

Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar fortemente o patamar dos juros e a atacar diretamente o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o que aumentou a pressão sobre a decisão e ajudou o dólar fechar a sessão de terça-feira, 18, cotado a R$ 5,43.

Para o Bolzan, o mercado deve receber bem a decisão e o comunicado e operar nesta quinta-feira, 20, com o dólar em queda, assim como os juros futuros, enquanto a bolsa deve abrir em alta, refletindo maior otimismo com a decisão monetária.

Matheus Spiess, da Empiricus, destaca a decisão em unanimidade do comitê. “Os próprios membros indicados pelo governo votaram em linha com o Campos Neto, sabendo que é importante uma preservação da ancoragem das expectativas. Temos uma boa decisão, que será bem absorvida pelo mercado.”

Pausa ou interrupção?

Outra dúvida do mercado era em relação ao comunicado, se indicaria que a decisão de manutenção da taxa foi uma pausa ou uma interrupção no ciclo de cortes na Selic, por conta de incertezas com questões fiscais no ambiente doméstico e com o cenário exterior.

O comunicado cita “interrupção” quando fala sobre a decisão de manutenção da Selic. “O comitê optou por interromper o ciclo de queda de juros”, e justificou elencando o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela.

“Entendemos que foi uma parada e não uma pausa”, diz Tatiana Pinheiro, economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital. Isso por conta do trecho do comunicado em que o comitê afirma que “se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

Já Bolzan, da Hill Capital, avalia que o comunicado não veio com o chamado ‘foward guidance’, ou seja, com uma sinalização sobre as próximas decisões. “Dessa forma, o colegiado deixa a porta aberta para decidir os juros dependendo dos dados futuros. Na minha visão, teremos manutenção dos juros nesse patamar de 10,50%  até o final deste ano”.

Confira a íntegra do comunicado do Copom:

O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A inflação cheia ao consumidor tem apresentado trajetória de desinflação, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.

As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,0% e 3,8%, respectivamente.

As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 4,0% em 2024 e 3,4% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,4% em 2024 e 4,0% em 2025. Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 4,0% para 2024 e 3,1% para 2025.

O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.  O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional seguem mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária.

O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária. 

Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.

O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.