02/06/2025 - 16:35
Aos poucos, startups silenciosas, de laboratórios quase anônimos, começam a atrair os olhos do capital de risco global. Nada de mais uma rede social ou aplicativo de delivery estamos falando de tecnologias baseadas em ciência de fronteira, com potencial para transformar indústrias inteiras. No centro dessa revolução, surgem as deeptechs: empresas que trabalham com inteligência artificial, biotecnologia, novos materiais e energia limpa. E, mais importante, que prometem reconstruir a base energética do planeta com soluções que até pouco tempo atrás pareciam ficção científica.
A Aircela, por exemplo, desenvolveu uma máquina do tamanho de uma geladeira capaz de extrair CO₂ do ar e convertê-lo em gasolina sintética limpa, livre de enxofre e metais pesados. Essa inovação, que parece ter saído de um laboratório da NASA, é real e funcional. O combustível pode ser usado em qualquer carro ou avião sem necessidade de adaptação. É o tipo de tecnologia que não apenas resolve um problema ambiental, mas desafia estruturas econômicas consolidadas. E é aí que os investidores prestam atenção.
No Brasil, a startup paranaense Protium Dynamics busca criar soluções estratégicas para eficiência energética por meio do desenvolvimento de soluções inovadoras para a produção e aplicação do hidrogênio, enquanto a startup carioca CarbonAir desenvolve uma tecnologia em processo de patenteamento para capturar CO₂ e transformá-lo em carbonatos e combustíveis sintéticos, com aplicações nas indústrias de óleo e gás, construção civil, agronegócio e farmacêutica.
O mercado de deeptechs tem características próprias: ciclos de desenvolvimento mais longos, maior risco técnico, mas também barreiras de entrada altas e potencial de retorno desproporcional. Por isso, fundos de venture capital especializados vêm se formando exclusivamente para apostar nesse tipo de empresa. Eles sabem que não é só sobre lucro: é sobre estar na origem de soluções capazes de mudar o rumo de setores inteiros, como energia, saúde e mobilidade.
Além dos fundos tradicionais, empresas consolidadas estão cada vez mais se engajando no ecossistema de inovação de base científica por meio de programas estruturados de inovação aberta. O modelo de Corporate Venture Capital (CVC) tem sido uma das principais ferramentas utilizadas para isso, permitindo que corporações invistam diretamente em startups e soluções tecnológicas alinhadas a suas estratégias de longo prazo. Esse movimento ganha ainda mais tração com o amparo de marcos regulatórios recentes.
No Brasil, a Lei de Informática (Leis nº 8.248/1991 e nº 13.969/2019), regulamentada pelo Decreto nº 10.356/2020, passou a permitir que recursos obrigatórios de P&D sejam aplicados em Fundos de Investimento em Participações (FIPs). Com isso, empresas de base tecnológica podem direcionar parte de suas obrigações legais para fomentar startups deep techs, por meio de fundos regulados pela CVM. Esse arcabouço foi reforçado com a Portaria MCTI nº 8.780, de 16 de dezembro de 2024, que detalha como esses recursos podem ser aplicados em empresas que desenvolvam tecnologias como inteligência artificial, robótica avançada e computação quântica.
Outro avanço regulatório importante é a Lei Complementar nº 182/2021 o Marco Legal das Startups. Em seu artigo 9º, ela autoriza o aporte de recursos públicos e privados em fundos e programas de apoio a startups, desde que regulamentado pelo MCTI. A regulamentação desse artigo, aguardada com expectativa pelo setor, deverá ampliar significativamente o volume de capital disponível para startups de base científica e tecnológica ampliando o espaço para deeptechs no radar de grandes empresas e do capital de risco.
Segundo Fernando Peregrino, chefe de gabinete da presidência da FINEP, “o esforço da Finep em construir uma articulação multi-institucional para apoiar as deeptechs mostra como enxergamos seu papel estratégico para o futuro do Brasil. Essa é uma marca da gestão Pansera: transformar a Finep em uma agência ativa de inovação, e não apenas uma tesouraria do FNDCT. Foi com esse espírito que também promovemos 12 seminários sobre temas estruturantes como a neoindustrialização, inteligência artificial, biomas e Amazônia, além da publicação de quatro livros que consolidam a Finep como um verdadeiro indutor da inovação.”
Na Europa, o movimento vem ganhando forma com velocidade. Em 2023, deeptechs europeias captaram mais de €12 bilhões, e o ecossistema já ultrapassa os €100 bilhões em valor total de mercado, segundo dados da Dealroom. Esse crescimento não acontece por acaso: há uma combinação rara de talento técnico, políticas públicas robustas e capital disposto a financiar a transição energética.
Durante o Energy Summit de 2024, no Rio de Janeiro, o dinamarquês Lars Frølund, membro do Conselho Europeu de Inovação e do EIC Fund, destacou que a maturidade de tecnologias como a inteligência artificial, somada a crises globais como a pandemia e as mudanças climáticas, mudou a percepção europeia sobre as empresas de deep tech. Essas startups passaram a ser reconhecidas como oportunidades reais de investimento, e o mercado de venture capital para deep techs vive um momento de expansão no continente.
Programas como o Horizon Europe e o European Innovation Council investem diretamente em startups de base científica. O Green Deal europeu pressiona governos e empresas a descarbonizarem suas operações. Universidades como TU Munich, ETH Zurich, Oxford e Politécnica de Lausanne são celeiros de inovação profunda. E hubs como Berlim, Paris e Estocolmo começam a funcionar como verdadeiros berços de energia limpa e ciência aplicada ao mercado.
O que está em jogo vai muito além da eficiência energética ou da substituição de uma fonte fóssil por outra renovável. Estamos falando da criação de novas infra estruturas industriais, mais limpas, distribuídas e tecnicamente superiores. A ideia de capturar carbono do ar e transformá-lo em combustível, por exemplo, não é apenas uma inovação científica é uma inversão de lógica: da escassez para a abundância, da poluição para o reaproveitamento, da dependência para a autonomia local.
“Em 2024, o Brasil registrou R$ 1,5 bilhão em investimentos em deep techs, um crescimento de 20% em relação a 2023, de acordo com a Emerge Brasil. Esse avanço é impulsionado não apenas pela crescente urgência climática, mas também pela evolução do arcabouço regulatório, que tem viabilizado a canalização de recursos públicos e corporativos para a inovação científica.
Segundo o relatório Venture Pulse Q1’25, da KPMG, com dados do PitchBook, o país captou US$ 562,3 milhões em venture capital no primeiro trimestre de 2025, um aumento de 21,26% em relação ao último trimestre de 2024 (incremento de US$ 98 milhões) e de US$ 133 milhões na comparação com o mesmo período do ano anterior. Como destacou em entrevista recente a sócia da KPMG e líder de Private Entreprise no Brasil, o país soube responder à maior seletividade dos investidores e teve desempenho superior ao de outros mercados da região. Além de fintechs, foi observada uma alocação crescente de capital em healthtech, inteligência artificial, climate e clean techs.
Esses sinais evidenciam que o Brasil tem ativos científicos, capital humano e um pipeline tecnológico prontos para escalar. Mas para destravar esse potencial, é urgente consolidar políticas públicas específicas para deep techs e fortalecer mecanismos de financiamento” Juliana Ceccato, CEO da deeptech.vc
Nesse contexto, investir em deeptechs deixa de ser apenas uma aposta de risco alto e passa a ser uma estratégia de posicionamento estrutural. Quem entrar agora, com visão de longo prazo, pode não apenas capturar retorno financeiro relevante, mas também participar diretamente da construção de um novo capítulo da economia global onde ciência, impacto e tecnologia deixam de ser promessas e se tornam infraestrutura.