DINHEIRO ? Qual foi o momento mais difícil que o sr. enfrentou na Anatel?
RENATO GUERREIRO ? Sem dúvida foi na mudança do código de DDD. Foi uma surpresa um problema daquele tamanho no Rio e São Paulo, onde a responsabilidade foi da Embratel, que sempre foi tida como melhor empresa do sistema Telebrás.

DINHEIRO ? A Embratel diz que não teve culpa. É verdade?
GUERREIRO ? A Anatel não tem responsabilidades. Naquela ocasião, algumas operadoras pediram para adiar a mudança, menos a Embratel, que dizia estar preparada. O adiamento favorecia a Embratel, até então a única operadora de longa distância. Surpreendentemente, as empresas que solicitaram o adiamento se saíram bem. E a Embratel, mal. Tanto que foi multada pelos problemas que todos nós vimos. Não vamos voltar atrás e reduzir a multa. Lutaremos na Justiça até a última instância.

DINHEIRO ? Qual a sua avaliação sobre os dois anos de privatização?
GUERREIRO ? A avaliação tem de ser feita sob o ponto de vista do cidadão, que tem três interesses básicos. Primeiro é ter o serviço disponível. Era inaceitável o que vivemos, quando as pessoas pagavam R$ 1.117 por uma linha de telefone convencional e tinham de esperar 24 meses para ter o serviço disponível. Em dezembro de 1994, tínhamos 13,2 milhões de telefones fixos e 800 mil celulares. Se considerarmos a planta de fixos, em 1972, quando a Telebrás foi criada, tínhamos dois milhões de linhas. De 72 a 94, a planta de telefones cresceu 500 mil terminais ao ano. A projeção que fizemos era de ter 33 milhões de telefones em 2001. Alcançamos essa marca agora em julho. E esse projeto foi classificado de utópico e irrealizável. Da mesma forma, o celular. Hoje temos mais de 20 milhões de celulares no Brasil. Tem ainda a questão do telefone público. Tínhamos 340 mil unidades, em 94, e hoje temos 800 mil. Hoje ninguém anda mais de 800 metros para achar um telefone público.

DINHEIRO ? Qual é o segundo ponto?
GUERREIRO ? Hoje o usuário tem o direito de escolher. Esse é um direito inalienável. Uma vez li numa revista em um avião uma piada em que a aeromoça pergunta ao passageiro: ?O cavalheiro aceita o jantar?? O passageiro então perguntou: ?Quais são as opções?? A aeromoça respondeu: ?Sim ou não?. Era essa a situação que vivíamos no setor. A Telebrás vendia o serviço que queria ao preço que queria. No celular, as empresas da banda B já detêm mais de 30% do mercado, e isso aconteceu em pouco mais de dois anos de competição. A BCP, que opera em São Paulo, já tem 40% do mercado.

DINHEIRO ? E o preço, ainda não está alto?
GUERREIRO ? Essa é a terceira questão que interessa ao cidadão. O preço do celular caiu muito. O primeiro celular vendido no Brasil, no Rio, custou US$ 22 mil. Hoje há celulares com linha de graça. Pelo telefone fixo você paga R$ 50.

DINHEIRO ? Mas a competição ainda não se desenvolveu na área de fixos. A Vésper, por exemplo, ainda não decolou.
GUERREIRO ? É muito fácil imaginar que uma empresa como a Vésper, no mercado há apenas oito meses, possa se oferecer como alternativa. Nunca foi passado para o cidadão que isso aconteceria rapidamente. Na telefonia de longa distância, a competição existe. As tarifas caíram. Uma ligação para a Austrália custa hoje R$ 1,44 o minuto. Custava R$ 4. Na longa distância é mais fácil competir porque você pode compartilhar rede. A Intelig não teve de construir toda uma rede. A Vésper está entrando com uma nova tecnologia, precisa de tempo.

DINHEIRO ? Mas por que ainda não há competição na telefonia convencional?
GUERREIRO ? Eu reconheço que na área convencional ainda não há. Ainda não se apresentou a Vésper como competidora. A Anatel está acompanhando a evolução da Vésper. Até julho deste ano, 1,6 milhão de linhas foram instaladas na área onde compete com a Telemar, que tem 11 milhões de clientes. Em São Paulo, onde compete com a Telefônica, a Vésper tem 547 mil linhas. Acompanhamos os produtos e a tecnologia sem fio mais moderna que existe hoje no mundo. Também estamos estimulando os fornecedores da Vésper a entregarem produtos de melhor qualidade. Se entregarem produto de má qualidade vão ter problemas com a Anatel, o que pode ter uma repercussão internacional muito grande. Não podemos esquecer que se a Vésper não apresentar serviços de qualidade ela estará fadada ao fracasso. E tem mais: a partir de 2002 outras empresas vão competir com a Vésper, quando o mercado vai ser totalmente liberado. O eventual insucesso da Vésper levará a empresa a se associar a um competidor num futuro próximo.

DINHEIRO ? As empresas de telefonia celular acusam a Anatel de propor regras que favorecem as de telefonia fixa.
GUERREIRO ? Isso não é verdade. Existe uma regra de ouro na Anatel, da qual não abrimos mão: se tivermos que escolher entre o usuário e as empresas ficaremos com os usuários. Não vamos abrir mão de que os usuários de celular também possam escolher a operadora de longa distância. É um direito de escolha do cidadão e para nós é um dogma. Qual foi o benefício que os usuários de celular tiveram com a redução dos preços de longa distância? Nenhum. As operadoras de celular estão se apropriando desses ganhos e não repassam para os usuários. Por que elas podem usufruir desses ganhos e os usuários não?

DINHEIRO ? E como vai ser essa mudança?
GUERREIRO ? Nós daremos um código para as empresas de celular, que vão prestar serviços de longa distância como fazem hoje a Embratel e as operadoras fixas como Telemar e Vésper. Isso significa que as empresas de celular vão enfrentar a competição das outras operadoras naquela região. Mas também vão poder prestar serviços para chamadas para todos os telefones fixos. Eles alegam que vão perder receita das atuais ligações que têm cativas, mas não dizem que vão ter acesso a 33 milhões de usuários dos fixos que vão poder escolhê-los como longa distância. Eles têm de lutar por esse mercado.

DINHEIRO ? Os empresários dizem não ter condições de competir com as gigantes da telefonia fixa.
GUERREIRO ? Sabe o que eles querem? Que no relacionamento entre eles e um outro operador a Anatel interfira e defina as regras. E que no lado do assinante eles tenham liberdade de cobrar o que quiserem. É essa a liberdade que eles querem. Não tem jogo. No regime privado a liberdade é a regra. A Anatel só pode intervir quando houver abuso de poder econômico sobre o usuário. Não vamos interferir em tarifas entre as empresas. O que podemos fazer é permitir um período de transição de um regime para o outro. Eles vão ter um ano para negociar. Com toda a honestidade, essa coisa de Davi contra Golias é verdadeira. Há na lei geral disposições em que a Anatel pode intervir no caso de falta de acordo entre as empresas. Eles terão que acertar o valor das tarifas entre eles e ponto.

DINHEIRO ? Não existe o risco de as empresas de celular se reunirem para negociar em grupo?
GUERREIRO ? Não. Temos uma regra antidumping, que impede que a tarifa cobrada do público contenha subsídios. Também não pode aumentar fora das regras do Plano Real, ou seja, antes de um ano. Essa tarifa é controlada pela Anatel. Não pode haver dumping nem cartel.

DINHEIRO ? O que a Anatel vai fazer com as empresas que usam a Internet para fazer ligações de longa distância sem autorização?
GUERREIRO ? Essa questão tem duas partes. Até dezembro de 2002 só algumas empresas de telefonia fixa têm autorização para utilizar a Internet para prestar esse serviço. Agora, as empresas que tentaram fazer esse tipo de operação ilegalmente estão sendo lacradas pela agência.

DINHEIRO ? Como a Anatel vai combater as quadrilhas que fazem ligações clandestinas com linhas de empresas?
GUERREIRO ? Estamos investigando. Recebemos uma denúncia e verificamos que aconteceu um caso de uma quadrilha de um país do Oriente Médio que fez esse tipo de crime aqui no Brasil. Estamos apurando.

DINHEIRO ? Como a Anatel está acompanhando o caso do executivo do MCI, controladora da Embratel, preso com US$ 80 mil no aeroporto do Rio?
GUERREIRO ? Recebemos informações de que nem a Embratel nem a MCI estariam envolvidas na defesa dele, que praticou esse ato como pessoa e não como empregado da empresa. Se for comprovado envolvimento da MCI, é um caso para a Polícia Federal, não para a Anatel.

DINHEIRO ? Seu ex-assessor, Sérgio Paiva, deixou a Anatel para ser vice-presidente de uma empresa privada, a Netstream, que ganhou uma licença para prestar serviços de telecomunicações. Isso não fere o código de ética do governo federal?
GUERREIRO ? Pela legislação, só os conselheiros é que não podem ir trabalhar diretamente na iniciativa privada. Os demais têm liberdade para migrar. Não acho que isso seja um problema ético. Qual o problema? Isso acontece com vários outros profissionais que deixam o governo. É o caso dos jornalistas. Isso significaria que quem começa a trabalhar no governo tem de trabalhar sempre na esfera pública. Esse negócio de ética é igual a gravidez: ou é ou não é. Muitos já saíram da Anatel a caminho da iniciativa privada. Eu afirmo que a Netstream, empresa controlada pela AT&T, tem essa licença há mais de dois anos.

DINHEIRO ? Como será a divulgação internacional da privatização das bandas C, D e E da telefonia celular?
GUERREIRO ? Vamos fazer três eventos. Nos dias 5 e 6 de outubro, no Rio, para executivos sul-americanos e asiáticos. Dias 10 e 11, em Londres, para europeus. E 12 e 13, nos Estados Unidos, para empresas norte-americanas e canadenses. A idéia é divulgar a última grande oportunidade de investidores ingressarem na área de telecomunicações do Brasil. O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, deve abrir o evento com uma palestra sobre questões políticas. No Rio, vai falar o presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Em Londres, o ministro Pedro Malan. E o ministro Pedro Parente fará a exposição em Nova York.

DINHEIRO ? Que empresas devem participar deste último leilão da área de telecomunicações?
GUERREIRO ? Os chineses de Hong Kong já sinalizaram que devem vir. Também devem vir a Vodafone, a Portugal Telecom, a BelSouth. A GVT também vem. A Intelig e a Embratel também devem entrar na disputa.