Uma pressão interna no governo Lula parece ter arrefecido após o resultado da arrecadação federal no primeiro bimestre. Entre janeiro e fevereiro, os cofres federais receberam R$ 467,15 bilhões, o melhor desempenho desde 1994, no início do Plano Real. O número reflete avanço acima do esperado da atividade econômica, redução das desonerações e imposição de novos impostos (como taxação dos super-ricos). “Todos dizem que a arrecadação surpreendeu. O PIB surpreendeu, o desemprego surpreendeu, a inflação surpreendeu. Fica parecendo que o governo tem sorte. Não. Nosso governo sabe o que quer e como fazer para chegar lá”, disse Lula, em evento em Brasília. Com essa maré positiva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu fortalecer sua presença junto ao presidente do Brasil, e com isso sua busca pelo déficit zero.

O momento não poderia ser mais propício. Desde novembro passado, parte da base do governo (tanto no Executivo e no Legislativo) pressionava Lula por uma revisão da meta de zerar as contas públicas para garantir mais investimentos em ano eleitoral nas cidades.

O argumento dos que pressionaram pela revisão do plano de zerar o déficit, incluindo a presidente do PT, Gleisi Hoffman, era que havia chances de o governo não cumprir o objetivo, o que acarretaria em feria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O governo tem uma janela para mudar a previsão orçamentária das contas públicas, e o plano era aproveitar um eventual arrefecimento da economia no primeiro trimestre para sustentar a sugestão. Mas não foi o que aconteceu. “Até aqui, estamos com uma projeção boa para o ano. Mas, a cada bimestre, essa avaliação volta a ser feita”, disse Haddad, em São Paulo.

Um destaque positivo no período, segundo o ministro, foi a mudança na forma de compensação de créditos tributários, determinada pela MP 1202. “Ela melhora a capacidade do Estado de se planejar. Isso tudo faz com que a previsibilidade melhore”, afirmou. Sobre a continuidade do bom momento, o ministro afirmou que a Receita Federal acompanha de perto todos os recursos que podem entrar e quais são os riscos de frustrações. “É a área técnica da Receita que faz essas estimativas, mas a minha impressão, por ocasião do envio do Orçamento, é que talvez as receitas correntes estivessem um pouco subestimadas e as extraordinárias, um superestimadas. Isso está se comprovando, mas elas estão se compensando razoavelmente bem.”

Na contramão do objetivo de Haddad, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, defende que o governo aceite renegociar as gigantescas dívidas dos Estados (Crédito:Divulgação )

Para manter o desempenho dentro do plano orçamentário, o governo anunciou bloqueio de R$ 2,9 bilhões de despesas e projetou um déficit de R$ 9,3 bilhões para este ano, o que corresponde a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Vale lembrar que a proposta na Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada por Lula, estimava um superávit de R$ 9,1 bilhões. Ainda assim, como existe um intervalo de tolerância da meta de resultado primário definida pelo governo para o ano, a cifra fica dentro da margem.

Haddad disse ainda que o cumprimento da meta de déficit primário zero é um trabalho coletivo, não apenas do Ministério da Fazenda. “Hoje, a meta é uma lei. O resultado não depende só de fixar na lei o que você quer. Depende de um esforço do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em proveito do equilíbrio de contas. É uma espécie de pacto nacional com esse objetivo”, disse.

TETO DE VIDRO

Ao distribuir a responsabilidade, Haddad joga no colo do Legislativo decisões importantes para o que definiu como “medidas urgentes para destravam a economia”. O acordo sobre a desoneração, a regulamentação da reforma tributária e abertura do mercado para liberação do crédito estão na prioridade do governo – mas nas mãos do Congresso.

O problema é que, mesmo dentro do governo, há divergências sobre quais são as prioridades. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, é uma das vozes dissonantes. Dele partiu a demanda de renegociar as dívidas dos estados, uma reivindicação de governadores preocupados com os próprios redutos.

A dívida em questão foi adquirida pelos governadores entre 1997 e 1999, e assumida em 2013 pela União, que ficou com os débitos caros e impagáveis e cobrava dos estados taxa de juros de 6% ao ano mais correção monetária. Uma taxa de juros de pai para filho. Mesmo assim, os governadores querem renegociar a cifra.

Algo que Haddad não estava disposto a ceder, em um primeiro momento. Quando Costa entra na jogada, a coisa muda de cenário. Agora, o governo pede que os estados dediquem – como contrapartida do “perdão” à dívida – mais recursos em educação. A solução teria sido costurada pelo próprio presidente, com características bem marcantes do petista: nem tanto para um lado, nem tanto para outro.